Carter
A manhã de sábado abriu-se, silenciosa e tranquila na mansão, com a ausência temporária da minha mãe e do meu padrasto, que decidiram passar o fim de semana na casa de campo da família Van der Wood. Optei por tomar o pequeno-almoço sozinha, a solidão ocasional era algo que eu apreciava genuinamente.
Distraída, mergulhei nas páginas de um livro de Agatha Christie. O cheiro do café flutuava no ar. Era o meu primeiro fim-de-semana em Londres e eu ainda não tinha planos. Sabia que precisava de começar a sair e a obrigar-me a fazer novas amizades. Os meus amigos estavam todos em Nova Iorque agora e, apesar de estar a adorar a minha reaproximação com a minha mãe, eu precisava de amigos da minha idade.
Ouvi vozes animadas e risos que vinham do jardim. Curiosa, levantei-me da mesa e caminhei até a janela da cozinha. Lá fora, no jardim ensolarado, encontrei o Leonardo com amigos. A piscina era o centro da festa, com raparigas a rir e a desfrutar do sol. O meu meio-irmão, por sua vez, estava agarrado a uma morena voluptuosa. Neguei com a cabeça em desaprovação. Uma parte de mim sentiu-se desconfortável com aquela cena, enquanto outra tentava manter a indiferença. Tentei regressar ao meu livro, mas o barulho estava a roubar-me toda a atenção.
Decidi afastar-me da janela, retornando à mesa do pequeno-almoço, mas agora alguém tinha posto música a tocar. Resmunguei internamente. A minha vontade era de ir lá e desligar aquela música horrorosa, mas verdade fosse dita, eu não me sentia confortável para tal. Ainda que a minha mãe me dissesse enumeras vezes que aquela era também a minha casa, eu não podia evitar sentir-me um tanto quanto uma forasteira a viver uma vida que não me pertencia.
As vozes alegres no jardim misturavam-se com a melodia, formando uma sinfonia de caos que contrastava com a tranquilidade que eu tinha esperado para este fim de semana. Com um suspiro, percebi que, de alguma forma, era hora de eu começar a envolver-me mais nesta nova vida londrina, mesmo que isso significasse lidar com o Leonardo e com os seus amigos.
Com a determinação recém-descoberta, fechei o livro e levantei-me. Talvez fosse a hora certa para conhecer novas caras, mesmo que isso significasse ter de lidar com o Leonardo. A música, ainda que não fosse nada o meu estilo, era animada e, aliada aos risos vindos do jardim, servia como um lembrete de que a minha vida precisava de alguma agitação. Algo que já não existia desde os meus 19 anos, quando comecei a namorar com alguém sete anos mais velho do que eu.
Enquanto atravessava os corredores da mansão em direção à suposta festa, dizia para mim mesma: - É hora de deixar o medo para trás, Anna!
Essas palavras foram o meu novo mantra, que me guiou até ao jardim da mansão.
Ao chegar ao jardim, respirei fundo e parei a alguns metros de distância, permitindo-me observar a cena antes de me entrosar na festa. O ambiente era caótico, para dizer no mínimo. Havia música alta, biquínis e álcool. Álcool às onze da manhã.
Automaticamente, percebi que tinha tomado uma decisão precipitada, mas antes que eu pudesse voltar atrás, uma voz chamou a minha atenção. Era um rapaz, atraente, que se aproximou com um sorriso cativante.
- Nunca te vi por aqui. És nova? - perguntou ele, com um olhar curioso e um toque de flirt na sua voz.
Percebi que talvez o destino tivesse outros planos para mim, afinal. E não ia ser idiota de não aproveitar a oportunidade. Lancei um sorriso ao loiro de metro e oitenta que estava na minha frente - Sim, sou nova. Chamo-me Anna. E tu?
- Prazer, Anna. Eu sou o Gabriel. Espero que não estejas a tentar fugir da festa.
- A verdade é que estava a pensar nisso, mas agora acho que vou reconsiderar. – respondi de forma audaz e não pude evitar surpreender-me comigo mesma. Era provavelmente a primeira vez em 5 anos que eu flertava com alguém.
- Oh, eu sou super a favor da mudança de ideias. Afinal, o que é uma festa sem uma boa companhia?
O Gabriel olhava para mim, com um sorriso brincalhão no rosto. Vestia uma camisa semiaberta e uns calções de praia e a sua postura revelava uma confiança irresistível.
- E qual seria o teu truque para tornar esta festa mais interessante? – perguntei, atrevida.
- Bem, acho que parte disso envolve conhecer alguém fascinante. Como tu, por exemplo.
A resposta do Gabriel tinha um tom sedutor que não passou despercebido. Ele estava a flertar comigo, e eu não conseguia negar a faísca de entusiasmo que isso me trouxe.
- Uau, não perdes tempo, pois não? - comentei, tentando soar casual.
Os seus olhos azuis brilhavam com intensidade. - Quando algo é bom, não vejo razão para perder tempo.
O modo como ele falou, com uma confiança envolvente, fez-me esquecer o facto de me ter questionado se devia realmente ficar na festa.
A música animada, os risos à minha volta e aquele estranho, mega atraente, criavam um ambiente que eu não esperava encontrar ali, no jardim da mansão. Acabei por aceitar, ainda que relutância. O Gabriel sorriu e guiou-me para mais perto da área onde a festa estava a acontecer, mantendo-se descontraído enquanto falava sobre a vida social de Londres. Ofereceu-me uma bebida, e eu aceitei.
À medida que a conversa se desenrolava, percebi que não conseguia encontrar o Leonardo em parte alguma. Uma sensação de alívio e desconforto misturavam-se dentro de mim. Por um lado, a ausência do Leonardo proporcionava-me uma sensação de liberdade, mas por outro, era estranho não ter nenhum rosto familiar por perto, especialmente num ambiente que era dele e não meu.
Continuei a conversar com o Gabriel, desfrutando da sua companhia descontraída, e aos poucos, a festa começou a parecer menos intimidante. Talvez deixar o medo para trás e arriscar-me a conhecer novas pessoas fosse exatamente o que eu precisava para me integrar.
Passado uns trinta minutos, finalmente avistei o meu meio-irmão a sair da casa da piscina, com uma morena, mas isso não foi o que me chocou. Na verdade, o meu incomodo surgiu quando o vi ir em direção de uma outra mulher, para beijá-la exatamente da mesma forma que o tinha visto beijar a empregada na noite em que nos conhecemos. Não pude conter uma careta de nojo.
Finalmente, o seu olhar cruzou-se com o meu e um misto de surpresa e irritação surgiu no seu rosto, como se a minha presença o incomodasse.
- Anna, o que estás a fazer aqui? - ele perguntou, num tom de voz mais alto do que o habitual.
Ele estava tocado pelo álcool, outra vez. Será que aquilo era rotina?
O Gabriel manteve um sorriso educado, percebendo a tensão no ar. Eu senti-me imediatamente desconfortável, sem entender a razão da reação do Leonardo.
- Estou apenas a aproveitar a festa. O Gabriel foi... - tentei explicar, mas fui interrompida abruptamente.
- Não precisas de estar aqui, Anna. Vai embora. – gritou, interrompendo-me com uma expressão séria.
A atmosfera descontraída transformou-se num silêncio constrangedor, enquanto eu tentava processar o comportamento estranho do Leonardo. O Gabriel lançou-me um olhar de compreensão antes de se afastar, deixando-me ali, a lidar com o meu meio-irmão.
- O que é que te deu? - perguntei, irritada com a atitude dele. - Por que afugentaste o Gabriel? Ele não fez nada de errado.
O Leonardo bufou, claramente incomodado.
- Não precisas de te preocupar com os meus amigos. Ele só queria uma coisa, e tu não precisas de te rebaixar dessa forma.
- Isso não é da tua conta, seu idiota. Eu sou adulta e sei cuidar de mim mesma. - respondi, exasperada – Aliás, talvez eu estivesse mesmo há espera que ele me beijasse.
O Leonardo pareceu surpreender-se, e por um momento, o seu rosto exibiu uma careta que revelava uma mistura de choque e raiva.
- Não acredito que estejas a falar a sério. - ele resmungou, visivelmente irritado.
- Não estou a brincar, Leonardo. - retorqui, cruzando os braços - E mesmo que estivesse, é problema meu.
O olhar do Leonardo permanecia fixo em mim, como se estivesse a tentar decifrar alguma coisa. - Não esperava que fosses assim. - ele finalmente disse, e a sua expressão parecia mais de deceção do que qualquer outra coisa.
- Poupa-me, Leonardo.
Voltei para dentro de casa, deixando-o para trás.
Cada passo que dava ouvia-se nos corredores, acompanhado por uma vontade de espancar aquele idiota.
Como é que alguém conseguia ser tão estúpido? E porque raio é que ele tinha agido como um namorado enciumado? Eu mal o conhecia, e, no entanto, a forma como ele afastou o Gabriel mexeu comigo de uma maneira que eu não conseguia entender.
Sentei-me no sofá da sala, envolta em pensamentos e comecei a questionar não só as atitudes dele, mas também as minhas próprias reações. Por que eu me sentia tão irritada? Talvez fosse a surpresa de perceber que o Leonardo, de alguma maneira, tinha mexido comigo. Ou talvez fosse apenas a frustração de não entender o que estava a acontecer. Não conseguia entender nada. Afinal, desde que nos conhecemos foi claro que a sua vida estava num mundo diferente do meu.
Por que é que de repente, ele se importava com o facto de eu estar a conversar com alguém? Ele nem sequer me conhecia!
Inspirei fundo e liguei a televisão, na esperança de que distrair-me com algo aleatório, me fosse ajudar a esquecer esta discussão idiota, com um grande bronco que se achava no direito de dar uma de irmão protetor.