CONTO - OS DEZ DIAS (sem Apol...

By EscritoraMarySousa

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CONTO II da série FERRARI❤️ * Este conto foi produzido com o intuito de retratar os DEZ dias em que Apolo Fer... More

DESEMPOEIRANDO O ARQUIVO
PARTE II
PARTE III
PARTE IV
PARTE V
PARTE VI

PARTE I

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By EscritoraMarySousa

20 anos atrás...

Não poderia dizer que estava surpresa em receber aquele telefonema, mas com toda certeza ele me abalava e chateava. Como nem tudo na vida eram flores, muito menos a maternidade, peguei minha bolsa e fui cumprir minha obrigação de mãe.

Cheguei à escola e me dirigi diretamente para a diretoria. Já no corredor, avistei Apolo sentado em uma das cadeiras e o outro colega a duas cadeiras de distância dele. Meu filho estava intacto, bem como eu imaginava, mas o outro menino tinha marcas no rosto.

— Mãe, eu posso expli...

— Você com certeza deve, mas agora não, Apolo. – o cortei e entrei na sala da diretora.

— Dona Estela. Bom dia!

— Bom dia, diretora. – retribuí seu cumprimento de mãos e sentei na cadeira a frente que indicou.

— Lamento ter que chamá-la até aqui em uma situação como essa, mas nesses casos a escola realmente tem que tomar medidas.

— Tudo bem. O que aconteceu exatamente?

— Nenhum dos dois quis explicar exatamente como tudo aconteceu, mas houve algum desentendimento entre os dois e o Apolo começou a agredir o colega. Os seguranças tiveram certa dificuldade para conseguir impedi-lo e depois que se acalmou, veio para minha sala e conversamos um pouco, já que ele não falou muito. Mas ao questionar sobre onde ele aprendeu a golpear daquela forma tão particular, ele me respondeu que em casa, com a família dele e confesso que essa informação me trouxe certa preocupação, dona Estela.

— Sim, ele têm aulas de modalidades de diversas lutas em casa, mas aprende de cada uma delas para sua proteção.

— Mas acredito que não seja bem para isso que elas estejam servindo. Ele apresentou um comportamento extremamente violento e talvez esses aprendizados possam estar o influenciando ou colaborando para isso.

— Esses aprendizados estão o preparando para o necessário...

— Eu compreendo as questões da sua família, dona Estela, mas acredita mesmo que isso faz bem para ele?

— Sim, eu acredito e defendo isso. E não, diretora, você não compreende as questões da minha família.

— Ele treina para a própria segurança, dona Estela?

— Exatamente.

— E como fica a segurança de quem está ao redor dele? Nem todo mundo tem o mesmo preparo para saber se defender de um possível ataque dele.

— Ataque? Do que está chamando meu filho?

— Por favor, entenda que...

— Entenda você que eu não irei permitir que tire meu filho para cristo com todas essas insinuações.

— Essa jamais será a minha intenção...

— Não? E onde está a mãe da outra criança lá fora?

— Decidimos chamá-la primeiro, porque o Apolo foi o agressor...

— Não chame o meu filho assim! – exigi levantando da cadeira.

— Entendo sua chateação, mas foi o que ele fez e você mesma confirmou que ele é ensinado a lutar, tudo isso colabora. Essa explosão dele não foi algo normal, foi uma atitude infantil e agressiva demasiadamente.

— Talvez porque ele seja uma criança de 10 anos, que ainda está com sua personalidade em formação, que ainda está aprendendo a controlar suas ações, seus impulsos e desenvolvendo uma maturidade. Não exija do meu filho um comportamento de adulto, porque as adultas somos nós duas. Como diretora, certamente não é a primeira vez que vê conflito entre duas crianças e não será a última, mas espero que da próxima vez tenha mais profissionalismo no trato com as crianças e com os pais. Se os dois brigaram, certamente os responsáveis dos dois deveriam estar aqui, não apenas o de quem você considera estar errado, até porque a atitude do meu filho foi sim condenatória, mas ele não faria sem motivos.

— As crianças se comportam muito diferente na escola e em casa, já vi muitos pais se surpreenderem.

— Apesar da sua insinuação, eu conheço muito bem o meu filho. Pode me dizer como irá proceder?

— Ele ficará suspenso por três dias, dona Estela.

— Somente ele, não é mesmo?! – indaguei pendurando a bolsa no ombro.

— É o protocolo.

— Escolhi essa escola exatamente pelos seus protocolos de segurança para os meus quatro filhos e confesso que estou desapontada nesse momento. Mas não se preocupe, sei que está fazendo o trabalho da sua função, mesmo que de forma controvérsia. Irei tratar minhas queixas com quem realmente pode resolver. – falei e comecei a me retirar.

— A quem está se referindo?

— Ao amigo do meu marido, o dono. – respondi e saí com a última visão do seu olhar crescido para mim.

Encarei meu filho sentado e em seguida o outro menino, que estava com o rosto machucado.

— Oi, tudo bem? Qual seu nome?

— Mateus. – o menino respondeu desconfiado.

— Apolo, se desculpe com o Mateus pelo que fez.

— Mas, mãe...

— Apolo, não é um pedido!

— Desculpa. – ele disse para o outro menino, mas claramente com raiva.

— Isso ainda vai acontecer, Apolo?

— Se ele não fizer mais o que fez, não. – respondeu todo seguro, olhando para a outra criança com um olhar cheio de ameaças. Meu Deus, o que eu fazia com esse filho do Carlos?

— Chega, Apolo. Vamos para casa.

— Mas eu tenho aula, mãe.

— Não pelos próximos três dias. Está suspenso.

— Isso é muito injusto! E ele? – perguntou apontando para o menino, enquanto começávamos a andar.

— Não sei, a diretora irá resolver com a mãe dele.

— Ele que começou, mãe!

— Terá tempo para se explicar, mas não agora. Vamos para casa primeiro.

*

Depois que chegamos em casa, mandei Apolo ir tomar banho e tirar a farda, enquanto eu respirava um pouco. Já havia sentido a violência na pele durante parte da minha vida e o meu maior medo sempre foi que um dos meus filhos cedesse àquela loucura e Carlos sempre foi ciente desse meu receio. Por isso sempre educamos os quatro para saberem defender a si e aos seus, mas nunca para usarem disso com covardia ou injustiça.

Era por esse motivo que eu sabia que havia uma outra versão daquela história, eu conhecia meu filho, com suas qualidades e defeitos. Podia ser marrento e impulsivo, mas tinha bom coração e boa índole.

— Pronto, mãe. – chegou na sala e o observei com roupas mais casuais pós-banho.

— Escovou os dentes?

— Escovei. – respondeu meio entendiado.

— Não revira os olhos, Apolo! – reclamei e ele assentiu – Venha, vamos conversar lá fora.

Agarrei a mão do meu filho e caminhei com ele até a mesa de jardim, na parte externa da casa. Nos acomodamos e ele me encarou com aqueles olhinhos claros tão parecidos com os meus, mas, apesar de tudo, não havia receio ou qualquer outro sentimento de remorso, culpa ou mesmo medo no seu olhar, ele me encarava de modo seguro e sério.

— Apolo, o que você fez não foi certo.

— Eu sei que não, mas não aguentei, mãe.

— Tem que aprender a ter mais controle e disciplina. Seu pai o ensina isso todos os dias.

— E eu tenho, mas às vezes é difícil.

— Você é treinado para estar em situações difíceis, meu filho.

— Sei disso e sei que o que fiz foi errado, mas fiz pelo motivo certo. – falou todo seguro e me controlei para não rir daquele mini Carlos, porque eu precisava ficar séria diante da situação.

— Então me explique exatamente o que aconteceu. – pedi e ele assentiu, respirando fundo.

— A campainha da escola tocou e todos foram para sala, mas eu dei mais um tempo, como sempre faço.

— Por que não vai para a sala junto com todos, Apolo?

— Porque eu só consigo ir depois de conferir que os meninos estão bem nas salas. – respondeu e fiquei claramente surpresa.

Apolo sempre teve um senso de cuidado e responsabilidade pelos irmãos menores, mas não pensei que livremente tomasse essas medidas por preocupação.

— E você fez isso?

— Sim. Eu passei na sala do Alexandre e vi pela janela que ele estava lá. Dormindo, mas estava. Depois, fui até a sala dos gêmeos e só a Selena estava no seu lugar. Comecei a procurar pelo Saulo e encontrei ele no banheiro, mas o Mateus também estava lá.

— Foi lá que vocês brigaram?

— Sim. Quando eu cheguei, ouvi o Saulo reclamando com ele, porque o flagrou anotando um gabarito do teste no braço para colar na hora da prova. Ele não gostou e começou a ameaçar o Saulo, gritar e avançar na direção dele, mesmo tendo o dobro do tamanho. Eu não podia deixar que ele fizesse aquilo com o meu irmão e bati nele antes. Depois os seguranças chegaram, o Saulo foi para sala e eu para diretoria.

— Meu filho, entendi os seus motivos, mas por quê não buscou conversar antes?

— Porque eu fiquei com raiva. Ele estava ameaçando o meu irmão que tem metade do tamanho dele.

— Mas era nesse momento que deveria ter lembrado do que seu pai e eu o ensinamos todos os dias.

— Mas eu senti tanta raiva, mãe. Eu queria tanto bater nele por aquilo. Não consigo ficar parado vendo alguém destratar meus irmãos.

— Não estou querendo dizer que tinha que ficar parado, mas sim ter outras atitudes para controlar a situação. Como uma conversa para tentar mediar ou mesmo buscar ajuda dos seguranças, do coordenador, da diretora. – citei e ele ficou me encarando pensativo, com seu semblante sério e sabia que estava reprovando todas as opções que dei apenas por sua careta de desgosto.

— A senhora sempre disse que se um de nós tem um problema, os quatro têm. Sempre me falou que eu deveria proteger meus irmãos, porque sou o mais velho. Foi o que fiz e posso estar errado por isso, mãe, mas não estou arrependido. – às vezes ele era tão posicionado como um adulto. Ri levemente e respirei fundo, buscando as palavras.

— Meu amor, eu sei que peço para que proteja seus irmãos e vejo seu cuidado com eles quando não estamos perto, mas proteger não precisa incluir violência gratuita. Entenda que quero que proteja seus irmãos no limite de irmão mais velho, não que puxe toda a responsabilidade para si, porque ela é minha e do seu pai. – falei e ele assentiu – Com o seu treinamento, poderia apenas ter impedido que o outro menino agredisse seu irmão, mas você decidiu bater nele e foi nesse momento que perdeu toda a razão do que deveria ser uma boa atitude. Fazer o errado pelo motivo certo, ainda assim é estar errado, ainda mais quando se tem uma escolha. Não opte pela violência quando ela não for necessária. Como irmão mais velho, você também pode dar exemplo aos demais e você é um bom exemplo de disciplina e cuidado, mas acredita que deu um bom exemplo ao Saulo naquele banheiro?

— Não, mãe. Eu entendi que poderia ter feito diferente, mas na hora eu não pensei nisso.

— Você é um bom menino, mas é impulsivo assim como seu pai.

— Ele não vai gostar quando souber disso.

— Não, mas temos que contar a ele para que possa ajudá-lo com isso.

— Ele vai me maltratar nos treinos. – riu esfregando o rosto.

— Sim e eu vou maltratar aqui em casa, porque você vai ficar estudando e fazendo o dever nesses dias suspensos.

— Sim, senhora. – concorda com semblante entediado.

— Então estamos conversados. Pegue seu material escolar, vamos ver o que tem nas atividades e por favor, meu filho, não faça mais isso. Eu não gosto de ver nenhum de vocês envolvidos em brigas. – pedi e ele assentiu levantando, mas retornou no meio do caminho e me abraçou.

— Desculpa se chateei você, mãe. Vou tentar melhorar e prometo explicar para o Saulo que o que eu fiz não foi certo. Não fica brava comigo, tudo bem?

— Não estou brava com você, meu amor. Só espero que isso não se repita mais. – respondi abraçando meu rapazinho tão inteligente e de personalidade tão forte.

*

Dias atuais...

Lembrar disso me fez perceber o quanto Apolo sempre foi protetor, cuidadoso e amava seus irmãos mais que tudo, mesmo que às vezes de um jeito meio torto. E foi esse seu instinto protetor que o levou a situação que ouvi aquela médica explicar. Eu não podia acreditar naquilo...

Horas antes...

Havia acabado de chegar em casa, depois de resolver algumas coisas e passar na Sede para trazer Carlos comigo, pois já era noite, mas quando ele entrava de cabeça no trabalho, perdia a hora e às vezes nem via quando chegava.

— Nossa, eu havia perdido totalmente a noção do horário. – falou tirando o relógio do pulso marcado pelo uso durante todo o dia.

— Eu sei disso. – respondi, enquanto trocava os saltos por rasteiras, sentada à borda da cama.

— Estela. – me chamou naquele tom contido, mas cheio de questionamentos e preocupação.

— Sim, amor?

— Tem algo acontecendo? – se aproximou de mim.

— Não, está tudo bem. – respondi, mas ele apenas ergueu meu rosto segurando meu queixo e me olhou nos olhos.

Pronto, Carlos me leu naquele momento, porque ele sabia fazer aquilo melhor que ninguém.

— Então o que está perturbando você? – questionou e fechei os olhos enchendo os pulmões e os esvaziando, para buscar um conforto melhor.

— Não sei, é uma coisa ruim dentro de mim, como uma angústia que não passa, um aperto no peito. Uma sensação insuportável que veio e ficou. – tentei explicar massageando meu peito.

— E não sabe o que está causando isso?

— Não...

— E desde quando está assim?

— Pouco tempo, começou no caminho para cá. Mas não se preocupa...

— Claro que me preocupo. O que podemos fazer para que se sinta melhor?

— Eu sei que já está muito em cima da hora, mas sabe o que estava com vontade de fazer hoje?!

— Diga e daremos um jeito.

— Queria encher aquela mesa de jantar. Chamar todos os nossos meninos, convidar o Silas também, a irmã da Melissa e Rodrigo, que já poderia trazer a comida do restaurante. Eu quero todos aqui, não sei, mas só quero ver eles todos e estar no meio deles, daquela bagunça que fazem. – falei e ele sorriu.

— Até onde sei, Rodrigo está fora do país, mas podemos pedir a comida pelo Bretonne e chamar todos da mesma forma.

— Por mim, está ótimo.

— O nome dessa sua angústia é saudade. – disse me dando um beijo breve, mas consolador.

— É, talvez seja.

— Vou descer para colocar esses documentos no escritório e ligarei para Apolo, os outros meninos devem chegar em alguns minutos e eles avisam para Silas e a outra moça. – avisou já saindo do quarto.

— Tudo bem, vou começar a organizar a mesa com Cida. – respondi e antes de descer lavei o rosto no nosso banheiro, encarando meu reflexo enquanto o secava calmamente com a toalha, tentando mentalizar que tudo estava bem, nós íamos jantar com todos e isso ia passar.

Desci e já comecei a cruzar a sala de estar em direção a de jantar, quando vi Carlos saindo do escritório.

— Falou com Apolo? – perguntei e ele me encarou.

— Ele não atendeu, meu amor.

— Tenta Selena, ela é boa em conseguir unir todos eles.

— Vou tentar. – falou levando o celular ao ouvido novamente e já começou a conversar com Cida. – Também não atende. Vou falar com a segurança, enquanto ligo para os outros dois.

— Tudo bem. – respondi estranhando e já informando a louça do jantar para Cida.

Alguns minutos depois Carlos retornou e se aproximou, concentrado no celular.

— Conseguiu falar com eles?

— Fiquei tão concentrado conversando com a segurança, que esqueci de ligar para os meninos.

— O que está acontecendo? – perguntei séria e ele me encarou da mesma forma.

— Também não sei direito. – respondeu colocando o celular no ouvido – Alexandre não atende. – falou e agora vi que fez outra ligação e já levei a mão à testa preocupada. – Saulo também não.

— Tem alguma coisa muito errada.

— Calma, não se preocupe antes da hora. – ele pediu.

— Estou preocupada há um bom tempo, algo aconteceu, eu senti isso e ignorei. Agora nenhum deles atende! – afirmei angustiada e naquele momento Selena entrou na sala. – Minha filha, onde estavam?

Perguntei imediatamente já notando que ela estava equipada, usando as roupas táticas.

— Selena, fala alguma coisa! – pedi com o seu silêncio.

— Espera, Estela, algo não está certo. – Carlos falou encarando nossa filha e então fiz o mesmo.

Vi no seu olhar a dor de algo que ela parecia não querer falar e levei uma mão ao meu peito.

— Quem foi deles? – perguntei e então ela tomou ar, se aproximando devagar.

— Apolo. Foi o Apolo. – respondeu.

*

Estávamos apenas pegando nossas coisas com toda a pressa do mundo e meu coração estava na boca de tanto nervosismo.

— Estela. – Carlos me chamou já puxando meu rosto com as duas mãos para encarar ele.

— Não, agora eu não consigo. – falei já tentando me livrar das suas mãos.

— Consegue sim! – afirmou – Olhe para mim. Viu como Selena está?

— Sim. – respondi sentindo meu peito doer.

— Quando chegarmos lá, vamos tomar aquele chá cadeira, esperando por notícias e do mesmo modo que ela está assustada, os outros também estarão, então não podemos chegar assim.

— Eu sei, mas não consigo ficar calma.

— Consegue sim. Eu sou seu chão e você o meu. Lembra? – colou nossas testas.

— Sim... – respondi deixando algumas lágrimas caírem e então abracei quem sempre me trazia de volta ao controle.

Depois de conseguir me acalmar um pouco mais, sufocando a dor no peito, saímos e fomos para o hospital. Fui conversando com Selena durante todo o caminho, onde ela me contava como tudo aconteceu e dei um pouco de colo para minha filha que estava assustada, com medo e não muito diferente de nós.

Chegamos ao hospital, que já estava com tudo pronto para a recepção da internação dele, com o andar livre e toda a parte mais burocrática sendo resolvida por Alexandre. Subimos até a sala de espera e todos estavam muito abalados, mas só precisei bater o olhar em Saulo, para saber que estava a um fio de desabar.

Bastou um abraço para que ele se entregasse ao choro e chorou muito nos meus braços. Depois disso, o levei para beber uma água no restaurante do hospital e ele começou a contar como viu tudo acontecendo.

— E eu fiquei lá, apenas olhando ele caído no chão, com todos desesperados em volta. – falou bebendo um gole da sua água.

— Meu filho, é um momento difícil para todos e que não foi causado por ninguém, então não puxe a responsabilidade para si.

— Eu tenho que puxar...

— Não, você não tem, Saulo!

— Tenho, mãe. Eu me ofereci para fazer a revista do lugar, eu tomei a responsabilidade naquele momento, essa decisão foi minha, porque eu confiei cegamente na minha fodida capacidade de vasculhar tudo lá dentro e falhei! Mas não foi uma falha única, eu falhei duas vezes, porque eu revistei aquela porra daquele galpão duas vezes! E sabe do que adiantou? Nada! Porque o filho da puta estava lá e agora Apolo está desacordado em um hospital. E se quer saber se poderia ser pior? Sim, poderia. O desgraçado poderia ter conseguido atropelar Melissa e ela nem viva estaria mais.

— Meu filho...

— E o desastre maior só não aconteceu porque foi evitado. Não por mim, mas por Apolo. Ele tentou corrigir o meu erro e agora tudo está assim. A porra da minha falha pode custar a vida do meu irmão! Então não me peça para não puxar a responsabilidade para mim, quando, na realidade, ela é inteira minha! – falou com uma dor nas palavras e no olhar que me cortava o coração, já levantando e saindo exaltado.

*

As horas de espera foram cruéis. Depois de se acalmar, Saulo veio pedir desculpas pelo tom que havia usado antes, mas eu entendia ele, isso era fácil de remediar, difícil mesmo seria remediar aquele sentimento que ele cultivava.

Ficamos todos naquela agonia e meu coração estava apertado. Por dentro eu estava em desespero, com medo, querendo sucumbir à loucura sem notícias do meu filho e nessas horas, era inevitável parar de pensar no pior. Um pior que não me via suportando.

*

Coma. Eu tinha um filho em coma. No início eu tive um baque, depois senti o alívio, porque ele estava vivo, mas o meu coração não sentia sossego. Me doía mais que tudo ver ele lá parado, quieto, tão diferente do que sempre foi e eu daria qualquer coisa para ter a chance de trocar de lugar com ele, para ter o poder de fazer com que ele ficasse bem e ativo novamente aqui, no meio de todos. Mas eu não podia fazer nada, além de acompanhar ele e cuidar dos outros ao meu redor.

Apesar de tudo, eu sempre senti, dentro de mim, aquele pressentimento, aquela esperança de que ele de fato iria acordar. Isso era o que me mantinha de pé todos os dias, o que me fazia conseguir levantar e erguer comigo Carlos, assim como nossos dois filhos e Melissa.

Não foram dias fáceis para ninguém. Cansei de ver Saulo passando a madrugada na academia, Selena acordada trabalhando ou vagando pela casa, porque tinha pesadelos constantes, Alexandre dormia no trabalho praticamente e quando vinha para cá, ficava a noite toda no sofá e Carlos também dormia mal. Na maior parte dos dias, eu sempre acordava sozinha, porque ele estava madrugando no escritório de casa.

Ainda assim, todos os dias bem cedo, íamos para o hospital, para passarmos a manhã com ele. Era angustiante ter ele bem ali na nossa frente, mas ao mesmo tempo não ter ele conosco.

Eu guardava as minhas lágrimas para o banho, pois sabia que precisava ser mais forte, não só por mim, não só por ele, mas também por todos. Também havia o fato de que a médica mencionou que havia a possibilidade de que ele estivesse ouvindo tudo o que dizíamos, por isso, Carlos e eu sempre falávamos sobre bons momentos. Eu tinha tanta fé de que ele iria acordar, que não queria que houvessem lembranças tristes para ele quando isso acontecesse.

Mas também andava longe de ser de ferro e não consegui conter mais a minha dor reprimida, quando abri um album antigo de fotos dos meus quatro bebês. Vi aqueles rostinhos inocentes, ainda no início da vida, sem nenhuma malícia, sem nenhuma noção de como o mundo funcionava e nem de como a realidade podia ser cruel.

Carlos se aproximou e até tentou fechar e guardar o album, mas não permiti, então ele sentou e me pôs no seu colo, enquanto eu mostrava as fotos do meu primeiro amor da vida. Apolo foi a minha transformação, da Estela menina, para uma Estela mãe, madura, protetora, preocupada. Ele foi o meu ponto de partida nesse mundo árduo e de um amor inexplicável da maternidade, foi ele que me preparou para a chegada dos próprios irmãos, mesmo sem saber disso.

Encarei aquele rosto pequeno, com aquele olhar mel clarinho, idêntico ao meu e aquela face já emburrada, desde pequeno. Começamos a lembrar os momentos daqueles registros e a sorrir das caras dele nas fotografias, pois ele detestava tirar fotos e o seu sorriso sempre saía torto, esquisito e bem forçado, demarcando toda a sua antipatia ao momento.

Raras eram as fotografias que tinham registros dele sorrindo de verdade. Apolo nunca foi de distribuir sorrisos à toa, nunca foi de desperdiçar afetos ou fingir simpatia para agradar. Quando ele sorria, sempre era de verdade, assim como quando abraçava, ou nas raras vezes em que demonstrou se emocionar, ele sempre foi muito ele, muito autêntico, às vezes até demais, mas eu sempre o amei exatamente assim.

A cada foto que via, uma lágrima a mais caía, até que não suportei mais e apenas descansei meu rosto no peito de Carlos, enquanto deixava a dor, o medo e a angústia me consumirem, por já estarmos entrando na segunda semana com ele desacordado e quanto mais tempo, pior, no caso dele.

*

Acordei e me organizei com Carlos, hoje ele estava sendo a minha força, o meu chão, pois todo o meu arsenal de guerra havia se desmoronado e eu me sentia desprotegida e vulnerável, impotente e com parte de mim despedaçada por estar indo, mais uma vez, ficar lá, com meu filho em coma, sem perspectiva de melhora, sem ter certeza de mais nada.

Essa dor, essa angústia, essa sensação devastadora, eu não desejava a ninguém e como mãe, eu sofria mil vezes mais, porque por mil vezes eu desejava que acontecesse comigo, mas que poupasse os meus filhos. Mas nada estava sob o nosso controle no mundo.

Assim que chegamos ao corredor para o quarto, demos de cara com Melissa, ela estava com um brilho no olhar que eu não via há dias, ela parecia feliz, apesar das lágrimas, parecia viva e aquilo foi o suficiente para fazer com que eu colocasse a mão sobre o meu peito, tentando conter um pouco do meu coração angustiado, que palpitava forte, até ouvir o que mais pedi durante esses dias.

"Ele acordou!"

.

.

.

Sexta-feira, 19.05.2023.

Hey, lindezas❤️

A nossa matriarca já chegou metendo os dois pés nas portas do conto kkkk. Os demais serão todos nesse mesmo padrão: memórias, sentimentos e despertar. Prontas?❤️

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