Corte de Sombras e Marés

By barrowaquiles

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Thalassa desde cedo aprendeu a sobreviver sozinha, e isso era uma das suas melhores qualidades. Assim como no... More

dedicatória
disclaimer
parte um
prólogo
capítulo 01
capítulo 02
capítulo 03
capítulo 04
capítulo 05
capítulo 06
capítulo 07
capítulo 08
capítulo 09
capítulo 10
capítulo 11
capítulo 12
capítulo 13
capítulo 14
capítulo 15
capítulo 16
capítulo 17
capítulo 18
capítulo 19
capítulo 20

capítulo 21

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By barrowaquiles





"Fire is burning
Casting a shadow
People are watching
Waiting for the fall"




Sua cabeça iria explodir.

Tudo girava quando Thalassa acordou. Não sabia se foram horas, dias ou meses desde aquilo tudo e teria pensado que não passou de um sonho, isso claro, se não estivesse olhando o próprio reflexo no pequeno espelho que ficava na mesinha ao lado de sua cama, a raiz de seu cabelo parecia ter se tornado mais branca e em uma maior extensão, ganhando certo brilho prateado sob a luz, por incrível que pareça estava limpa, o sangue escorrendo de seus olhos e orelhas agora não passava de uma lembrança distante, a dor na cabeça foi embora e as pontadas que sentiu no pé da barriga haviam cessado... mas havia algo diferente sobre ela. Thalassa sentia isso intrínseco, seu cheiro havia mudado tornando-se mais suave, algo que a lembrava um cheiro infantil; o mesmo aroma gostoso que sentia em Cyrus quando ele era mais novo. E tudo aquilo estava mesclado a ela, entrelaçado a si.

Seus olhos marejaram e arregalaram quando pensou na possibilidade... será que depois de tantos meses finalmente havia acontecido? Saltou da cama com velocidade e destreza invejável, seus pés desestabilizaram por um momento que foi recuperado enquanto ia para o espelho grande do outro lado do cômodo — a camisola de seda era curta e de um tecido fresco e claro que ajudou a aplacar o calor que sentia. Parada em frente ao espelho ela se avaliou, os cabelos estavam jogados para um lado e desgrenhados pelo sono, havia dormido tanto que marcas do lençol estavam em seus braços, seus olhos desceram até parar sobre a barriga plana. Fechou os olhos e se concentrou naquela mínima coisa que não era um poder mas se assemelhava a um dom. Ser uma rastreadora era algo que sempre foi, mas conforme envelhecia Thalassa desenvolveu um sexto sentido sobre as coisas — desde sentir quando algo não estava certo com sua tripulação ou até mesmo adivinhar se um tesouro era maligno ou não. Não era nada grandioso e por isso não considerava um poder e sim uma habilidade, mas ela era capaz de ter aquelas mínimas certezas caso se concentrasse o suficiente, sua concentração precisava ser ao máximo ou confundiria as coisas.

Fechou os olhos com as mãos no ventre, mergulhando na própria mente ela foi atrás daquela fagulha em seu interior. Era como pular de um precipício, um buraco escuro e sem nada. Não havia nada em toda descida, até que uma fagulha se fez visível e Thalassa a agarrou com força, suas mãos repousadas em seu ventre sentiram aquela pequena coisinha ali dentro, tão jovem que era quase imperceptível — em sua cabeça foi capaz de visualizar o mínimo grão, um pouco maior que uma ervilha. Ela abriu os olhos vendo a si mesma, lágrimas incessantes corriam pelo rosto e um sorriso maior que seus lábios despontou em seu rosto quando começou a gargalhar enquanto chorava. Antes nunca havia considerado ser mãe muito menos se casar pois sempre teve a certeza que não viveria muito, mas simplesmente não pôde evitar quando conheceu Hedia, se encantando assim que os olhos negros a encararam; e agora deram mais um passo em sua relação.

Se Helion estivesse lá, ele seria a primeira pessoa para quem Thalassa contaria, se ele estivesse lá provavelmente daria uma festa em comemoração e deixaria um quarto pronto para o neném no Palácio Dourado, se estivesse lá compraria o melhor dos presentes, se estivesse lá mimaria Thalassa e agiria como um feérico protetor. Eram muitos "se" e a ideia daquilo apertou o coração selvagem da Capitã, porque Helion não estava lá e só a Mãe sabia quando voltaria.

Era o tipo de coisa que jamais se viraria ou esqueceria, enquanto Thalassa vivesse se lembraria do macho que lutou por ela sem nem conhecê-la, quando nem ela queria lutar mais. Ela jamais desistiria de libertá-lo, foi uma promessa que fez a si mesma e embora o tempo tenha passado ela ainda procurava com todas suas forças uma saída.

A porta do quarto se abriu assustando-a por não ter ouvido os passos da esposa ou sentido o cheiro floral que ela emanava. Seus olhos se encontraram através do espelho, a Capitã sorriu para a mais nova pelo reflexo o que não foi retribuído, quando seus lábios se abriram para falar que finalmente haviam conseguido a outra foi mais rápida.

— Eu sinto muito — apenas naquele momento foi capaz de ver o estado da esposa, os olhos vermelhos e inchados estavam com bolsas escuras sob os mesmos, os lábios machucados, o tipo de machucado causado por mordidas de nervosismo. Sua roupa estava amassada e seu corpo pequeno parecia trêmulo.

— O que?

Não sabia se estava ainda sob a névoa do sono ou se realmente mais lenta que o usual.

— Eu fudi com tudo, espero que um dia consiga me perdoar, eu estava cega pela ganância e fiz merda e nos deixei ir até lá. Amor, me perdoe — ainda com o raciocínio lento, Thalassa levou alguns segundos para retribuir o abraço de Hedia.

— Ei, do que você está falando? Se acalme e vamos conversar com calma, respira fundo e me explica do que você está falando.

— Thalassa, eu estou amaldiçoada.

Seu mundo girou e colidiu com nada quando se deu conta daquilo, era óbvio, a voz deixou tudo aquilo claro. Hedia cobiçou e tentou levar um tesouro amaldiçoado mas Thalassa era incapaz de julgá-la por aquilo, sim sua esposa havia sido ambiciosa mas Thalassa também não era? Em todas as vezes que arriscou a própria vida e de toda tripulação apenas para buscarem algo que só ela era capaz de achar ela não havia sido nada além de ambiciosa, e muitas vezes até egoísta. Por Tehome, não importava o local, Thalassa ia atrás de alguma relíquia e sua tripulação era obrigada a pagar o preço de sua imprudência. Já haviam enfrentado um maldito Kraken em sua viagens impulsivas. Ganância era algo que todos possuíam, ainda mais ela como pirata e rastreadora. E agora sua esposa havia cometido o mesmo erro que a maioria ali, e juntas lidariam com aquilo. Foi esse pensamento que a acalmou o suficiente para conversar com a grã-feérica.

Não ousaria mentir ao dizer que aquilo não a preocupava, mas naquele momento ela não queria nem iria pensar nas consequências. Chame-a de imprudente e irresponsável, mas Thalassa já estava com a cabeça cheia demais de tudo para considerar tais ações naquele momento.

— Eu juro para você que vamos dar um jeito, não há o que temer, deve ter em algum lugar algum livro que nos ajude a reverter a situação, qualquer coisa que possa nos ajudar — se sentou na cama macia frente a esposa e agarrando sua mão esguias lhe prometeu. — E se não tiver nós encontraremos um jeito.

— Não é por mim que temo, mas você, ela disse que não terei descanso enquanto não ceifar meu bem mais precioso, e meu bem, não há nada acima de você. Thalassa nós estamos condenadas, eu nos amaldiçoei. — Enquanto as lágrimas gordas e incessantes caíam pelo rosto de sua amada, Thalassa se manteve firme, não apenas por si mesma, mas também pelo bebê que agora crescia em seu ventre. Thalassa e Hedia percorreram um longo caminho até ali e ela não deixaria a sua relação se abalar por aquilo.

— Eu juro para você que nós daremos um jeito nisso, eu fiz um voto para você e o honrarei da mesma forma que sei que fará por mim — a fêmea de pele negra a puxou para seus braços, as entrelaçando em um elo infinito enquanto palavras como "sinto muito" e "eu te amo" eram sussurradas ao seu ouvido.

Não importava onde os outros achavam que elas erravam, afinal as únicas que viviam e estavam na relação eram as duas. Hedia deu suporte a Thalassa em cada maldito momento desde que se conheceram e a outra retribuiu na mesma proporção. Quando Makaela se decepcionava em uma busca infrutífera pelo patrono ou quando tinha pesadelos com excalibur e a forma que seu corpo foi usado, às vezes em que sentiu sua alma suja e indigna foi Hedia quem estava lá em seu suporte sussurrando o quanto era amada e leal.

O momento durou o que pareceu horas, com o rosto da esposa enterrado em seu pescoço, uma foi o acalento que a outra precisava, sem palavras e num silêncio profundo elas se apoiaram como sempre fizeram. Em uma bolha que pertencia apenas a elas. Deitaram-se frente a frente apenas observando em um silêncio contemplativo, os dedos da mais nova faziam uma carícia gostosa na pele da Capitã — se sentindo completamente relaxada e estava quase caindo no sono quando a esposa voltou a falar.

— Lá na caverna, quando você ficou de joelhos gritando achei que iria te perder, você é a pessoa mais corajosa que eu conheço e te ver daquele jeito.... Foi insuportável. Cometi um erro ao não te ouvir e insistir para que fossemos até lá e me arrependerei disso até depois de minha morte — a Capitã não disse uma palavra, permanecendo de olhos fechados e se permitindo apenas ouvir. — Enquanto você gritava e aquela voz proferia as palavras eu senti algo mudar em mim, é pequeno e sombrio, mas enquanto durmo parece tentar crescer e se torna um desejo visceral. Não consigo dormir pensando que talvez isso se torne grande demais e eu acabe te machucando.

Naquele momento Thalassa se deu conta do verdadeiro significado do que a maldição significava, se ela era quem Hedia mais amava significava que em algum momento a coisa sombria poderia consumi-la e as palavras se cumprissem, mas a Capitã do Nostradamus não temia por si, não, ela temia por aquilo que ela agora carregava.

Observando o semblante sombrio que a amada agora possuía, Hedia questionou.

— Qual o problema?

—Estou grávida.

Minutos de silêncio seguiram no que parecia uma tortura infinita, duas lágrimas grossas escorreram pelo rosto negro quando um sorriso despontou dos lábios largos e cheios de Hedia, que abraçou Thalassa enquanto gargalhava e comemorava o acontecimento fazendo parte do temor se dissipar no coração selvagem da Capitã.

— Porra, você conseguiu, a gente conseguiu! — os braços esguios da fêmea soltaram a esposa descendo as mãos para o ventre com empolgação, seus dedos tremendo em emoção.

Thalassa prendeu as palavras nos lábios para que não estragasse o momento, seu temor era por aquilo. Como a Maldição afetaria uma criança tão pequena e indefesa? Ela não fazia ideia, mas tinha a impressão que iria descobrir.


°°°


O sol descia no céu dando espaço à imensidão noturno, laranja e azul brigando em um duelo de titãs em quem tomaria espaço no céu para exibir seu esplendor, mas naquela noite ambos estariam esquecidos pela obra de arte que o mar se transformou. O brilho fosforescente variava desde azul até o lilás refletia nos olhos daqueles que encaravam a vastidão marinha. Azriel nunca havia visto nada como aquilo, seu encantamento beirava o que sentia quando olhava para o céu noturno de sua Corte, o cheiro de maresia havia se intensificado e uma brisa suave acalentava seu corpo transpassando entre os fios negros de seu cabelo. Havia dispensado a armadura básica naquela noite, preferiu algo mais fresco escolhendo uma camisa verde escuro e calça preta — não se lembrava de ter usado calças em outra tonalidade em nenhum dia de sua vida, sempre optando pelo que facilitava sua camuflagem nas sombras.

A tripulação estava especialmente animada naquela noite, não entendia muito sobre as histórias piratas mas compreendeu que os eventos místicos daquela noite eram um bom presságio. No centro do deque lençóis, almofadas e bancos baixos faziam um círculo ao redor de uma pilha de galhos, estes que repousavam sobre um tecido lustroso e vermelho que reconheceu como seda de aranha — impermeável e indestrutível, só a Mãe sabia o que era capaz de rasurar aquilo — servindo de garantia para que a fogueira que se iniciaria quando o descesse não queimasse o navio e torrasse todos ali. As vezes nem magia era suficiente para evitar um desastre.

A cozinha estava exalando o cheiro de mil maravilhas, que faziam sua boca salivar — mais cedo viu Elain se oferecer para ajudar Koko, que aceitou de prontidão, desde então os dois não haviam saído de lá. As sombras haviam sussurrado que tudo estava bem com sua família, assim como a tripulação — exceto pela Capitã. Ela nunca parecia completamente bem ou feliz , era quase tão boa em se manter neutra como ele, mas havia aquela coisa em seus olhos que parecia devorá-la seria uma eterna incógnita que não poderia resolver.

Embora a vista fosse maravilhosa e o cheiro dos alimentos sendo preparados o fizessem querer sorrir, ele permaneceu impassível. Como só um Mestre-Espião poderia ser. Aqueles dias no navio de certa forma tinham o deixado mais relaxado, passou menos tempo nas sombras e mais tempo no sol, seus treinos com seus irmãos em alto mar eram definitivamente uma aventura e um dos seus maiores deleites era ouvir a risada de Nyx quando acertava o pai. Admitia que prendia a risada e o sorriso diversas vezes em momentos como esse. O rapaz mais novo da tripulação, Cyrus, também era um dos que mais arrancavam risadas de seu sobrinho que parecia algo que ele realmente se empenhava em fazer — carrinhos de madeira, brincadeiras inventadas e histórias sobre heróis e deusas deixavam os olhos infantis de Nyx brilhantes em maravilha.

Conforme a noite subia e o sol se abaixava, sua família subiu ao convés, conversas paralelas se iniciavam entre os seus. Todos pareciam ter tido a mesma ideia de roupas mais leves, até mesmo Rhys havia deixado as vestes elegantes para algo mais casual. Cassian, Feyre e Morrigan conversavam alto perto de si — com taças de vinho em mãos, eles possuíam a invejável habilidade de conseguir álcool em qualquer lugar. Nestha estava em uma vã tentativa de fazer um Nyx de pijamas — já estava chegando o horário do pequeno dormir — largar do pai e ir até ela, mas o mais novo não desgrudava do Grão-Senhor e ria das tentativas falhas da tia de tentar colocá-lo contra o pai. Pelo canto dos olhos viu o cozinheiro terminar de subir os degraus com uma bandeja maior do que Nyx em mão, seguindo atrás dele vinha Elain, seu vestido leve e floral esvoaçava com o vento deixando-a ainda mais jovem, uma pequena mancha de farinha está em sua bochecha esquerda e talvez em muito tempo, Azriel não sentiu o desejo de ir até lá limpá-la.

Seus sentimentos em constante conflito não eram diferentes daquela vez, nunca sabia ao certo como se expressar, então mantinha tudo no peito. Sempre guardando tudo, sempre vendo tudo e não fazendo nada. E quando sentia que ia transbordar, Azriel tinha as sombras para se esconder e ninguém veria o caos constante que era. Mas daquela vez ele não queria guardar tudo, queria alguém com quem pudesse falar, um confidente que soubesse tudo sobre ele e ainda assim o abraçasse e acolhesse no final da noite. Em sua cabeça sentia que jamais encontraria alguém que conseguisse lhe dar tais coisas, não por falta de pessoas em sua vida, mas apenas porque pensava que jamais poderia ser amado o suficiente.

Sua cabeça, que estava lotada de pensamentos e sentimentos que não conseguia explicar, de repente se silenciou. O ódio gelado que seu coração sempre enraizada se dissipou, foi leve, pouco e fragmentado. Tudo parou no momento que viu Thalassa terminar de subir as escadas em direção ao deque, tudo se redirecionou e o que sobrou foi a mais pura admiração com a figura da Capitã. Talvez fosse a leveza e tranquilidade que ela parecia exalar naquele momento, talvez fosse suas vestes simples e que ainda sim a deixavam tão elegante. Ou talvez fosse simplesmente o sorriso que ela deu em sua direção. Não saberia dizer se havia algo realmente diferente nela naquele momento, mas certamente havia algo nele.

No momento em que a fêmea pisou no convés, o Encantador de Sombras foi incapaz de tirar os olhos dela.

Seu vestido azul ciano era solto, não possuía mangas sendo reto nos ombros com um decote que terminava abaixo dos seios, uma tentação e tanto para seus olhos. Seus pés estavam sobre uma sandália simples sem correias atrás, o único luxo sendo a tornozeleira de ouro que fazia conjunto com o bracelete em seu braço e os brincos em sua orelha. Mas nada brilhava tanto quanto os olhos da Capitã ao olhar para o mar, suas íris refletiam o arco íris de cores que agora brilhava no oceano, azul, verde, lilás se mesclando no olhar profundo de Thalassa. Ela era pura apreciação e adoração para com a natureza ao seu redor, fechando os olhos, sussurrou palavras que apenas ela conhecia — uma língua que ele nunca havia ouvido.

Abriu os olhos em um rompante flagrando o Encantador de Sombras a encarando, sorriu para o mesmo e seguiu até a cozinha para ajudar Koko, Novus e Elain.

Azriel desviou o olhar e notou Rhysand o encarando com uma sobrancelha arqueada e sorriso ladino:

"Boa sorte em tentar disfarçar seus olhares". Usou os dons daemati para falar a Azriel o que seus lábios não podiam

"Não sei do que está falando", seus pensamentos ecoaram até a mente de Rhysand.

"Se você não sabe, irmão, não será eu a te dizer."

Antes que pudesse retrucar, o Grão-Senhor, voltou seu foco para o filho que bocejava e finalmente cedia a tia Nestha resmungando um "caminha" da forma manhosa que crianças conseguiam ser. O pequeno despediu-se de todos com um estalar em seus rostos e dando tchau com os dedos gordinhos, o Encantador de Sombras ainda sorria quando o pequeno sumiu escada a baixo com Nestha.

Decidido a se juntar a família, quando foi se servir de vinho encontrou as poucas garrafas que já estavam sobre a mesa vazias, o macho illyriano bufou baixinho quase desistindo da ideia. Mas se lembrou da adega que a Capitã mantinha lá embaixo - a mesma de onde veio o vinho que seu círculo íntimo bebia - , e se a própria Thalassa disse que eles podiam ficar à vontade, então era o que ele faria. Não estava sendo folgado, já que todos da tripulação deixaram claro que a cozinha e a adega eram uma zona livre para todos ali. Animado, ele caminhou até as escadas descendo os lances que o levariam onde pretendia. Por costume suas sombras o esconderam, mesclando sua presença à escuridão.

Ao chegar na adega deparou-se com a imensidão de bebidas que Makaela possuía, vinhos, rum, licor, whiskey a até algumas bebidas transparentes e suspeitas, indo a seleção de vinhos procurou por uma marca e qualidade de sua preferência selecionando três garrafas - duas das quais conhecia e uma diferente para degustação. Bem, se ele já havia descido ali para uma garrafa, não custaria nada pegar mais algumas. Certo?

Se eu fosse você deixaria essa garrafa de Strix aí — dizer que Azriel se assustou com a voz de Thalassa seria um eufemismo, as sombras que deveriam tê-lo avisado de sua presença agora pareciam rir em seu ouvido. Qualquer dia as questionaria sobre a vista grossa que faziam para a Capitã. Estava prestes a responder mas ela tornou a falar. — Tem gosto de merda e vai te deixar com indigestão, ao contrário do Bane Rosé que eu me arrisco dizer ser um pedaço do paraíso.

Ela foi em sua direção dando a volta em seu corpo e parou na mesma prateleira de vinho. Ele ainda estava sem palavras mas ao menos sua expressão era ilegível, querendo ou não tinha orgulho disso, mesmo que seus sentimentos fossem confusos conseguia permanecer com a mesma expressão indiferente.

Virando-se na direção de Thalassa não conseguiu evitar a visão de seu corpo, descobrindo que o mesmo decote elegante em seus seios estavam em suas costas mostrando a tatuagem incrível e misteriosa que havia ali - seus dedos formigaram em tentação para traçar as linhas. O formigamento aumentou quando viu o tecido ciano prendendo um pouco nos quadris volumosos. Mãe acima, o que estava acontecendo com ele naquele dia? Foi necessário apertar as unhas contra as palmas, até formar meia-luas ali, para voltar à realidade.

— Ah, achei. Sabia que estava aqui em algum lugar — se agachou em uma destreza invejável e subiu novamente com cinco garrafas em mãos. — Agora sim, isso aqui são vinhos de qualidade. Vamos, te ajudo a subir com tudo.

Não negou a ajuda por educação, mas se viu obrigado a dizer algo.

— Não era minha intenção parecer que estava roubando da sua bebida, minha família bebeu todas as garrafas lá de cima antes que eu pudesse encher uma taça, por isso desci até aqui.

— Fica tranquilo, Encantador de Sombras, eu dei livre acesso a adega para todos, não tem porquê eu sequer considerar que você estava se esgueirando para roubar.

Ele apenas assentiu lentamente e ambos seguiram para as escadas de volta ao deque, encontrando Nestha no meio do caminho. Esperava alguma atitude hostil por parte dela ou de Thalassa, mas a Capitã não foi nada além de indiferente - até com o próprio Azriel. O clima pesado de antes havia sumido após o ataque do Leviatã, mas os sorrisos que Thalassa distribuía aos quatro cantos haviam acabado, sendo reservados para sua tripulação, Helion, e a própria Elain. Esperava que aquela noite fosse diferente.

°°°

Sua viagem seria bem sucedida e sem infortúnios.

Ao menos era o que o dizia a lenda da Bruma de Ernas, Thalassa sempre teve sua crença fiel a história, mas às vezes ainda desconfiava que sua viagem em alto mar ainda passaria por provações, mas não seria naquela noite que pensaria naquilo.

Trovard tocava o alaúde com mestria, ecoando a parte instrumental em uma introdução lenta e envolvente, até que sua voz tomou ritmo nas primeiras estrofes. Assim como falava, sua voz cantada era retumbante mas de alguma forma suavizou conforme as palavras saíam.

"Open my chest and colour my spine

I'm giving you all

I'm giving you all

Swallow my breath

And take what is mine

I'm giving you all

I'm giving you all"

Vendo a brecha que Trovard deu, Serena seguiu a melodia.

"I'll be the blood

If you'll be the bones

I'm giving you all

I'm giving you all

So lift up my body

And lose all control

I'm giving you all

I'm giving you all"

E como tradição daquela música, Koko e Novus entraram na terceira estrofe para que os quatro cantassem o refrão.

"You hover like a hummingbird

Haunt me in my sleep

You're sailing from another world

Sinking in my sea

You're feeding on my energy

I'm letting go of it

She wants it

And I run from wolves

Breathing heavily

At my feet

And I run from wolves

Tearing into me

Without teeth

I can see through you

We are the same

It's perfectly strange

You run in my veins

How can I keep you

Inside my lungs

I breathe what is yours

You breathe what is mine"

Thalassa sorriu ao sentir aquele arrepio que apenas momentos bons geram, pelo canto de sua visão viu Morrigan se levantar e dançar sozinha mais feliz do que se estivesse em qualquer companhia. Voltando o olhar para frente encontrou os olhos de Caeda parecendo lhe chamar, sua mão esguia e bronzeada estendida para si. Sorridentes, as duas foram para onde a loira estava. As três se moviam em sincronia, saias balançavam, mãos se estendiam e gargalhadas escapavam de seus lábios conforme os outros seguiam os versos da música. Aleksander se juntou às três e não demorou muito para que os Grão-Senhores da Corte Noturna também se envolvessem na música e embora Rhysand e sua Grã-Senhora decidiram ser mais discretos, dançando apenas os dois sob o céu estrelado, ninguém era capaz de contestar a felicidade gritante entre os dois.

Meia dúzia de músicas passaram até que Thalassa decidisse dar uma pausa, indo a mesa de quitutes se alimentar. Enquanto comia pode observar Morrigan bem alegre puxar Cassiane uma Nestha que mesmo tentando esconder queria sorrir, o illyriano gargalhou alto de algo que Rhysand disse para ele quando os mesmo se aproximaram do casal. Enquanto os cinco agora compartilhavam da semanas risadas, a Capitã viu algo que até a fez se engasgar com o vinho.

Caeda e Aleksander que antes dançavam como desconhecidos agora pareciam dois amantes, a fêmea estava com a cabeça descansando no ombro do outro enquanto o mesmo sussurrou algo que a fez corar e sorrir tímida. Corar e sorrir tímida não era algo que se encaixava em uma frase a qual citava Caeda. Mas fazer o que, os olhos da Capitã não mentem. Dois braços magros acenaram para ela descontroladamente, Serena sussurrava gritando enquanto apontava para o improvável, mas – até Thalassa tinha que admitir — belo par.

— Eu sei, eu vi — foi o que Makaela sussurrou de volta enquanto dava uma risadinha sapeca.

Contrariando as más línguas, ela jamais teria ciúmes ou ficaria com raiva daquela situação. Sua história com Aleksander era mais sobre amizade do que romance, começou quando ambos estavam se sentindo solitários e devastados, e não estava dizendo que ele e Caeda tinham que se casar só porque estavam potencialmente juntos, longe disso. Apenas se sentia em paz caso eles optassem por isso. Quando notou o par lhe observando lançou um sorriso enquanto erguia a taça em comprimento.

Após finalizar o prato , a fêmea prendeu os cabelos e foi se sentar ao lado de Elain. O que antes era uma roda agora estava deformado, restando apenas os cantores, Azriel — quem mantinha o olhar vago no céu acima —, Helion havia se recolhido mais cedo, pelo único motivo que o faria se recolher de algum lugar. Ver Calliope. O espelho estava sendo o que apaziguava os sentimentos gritantes entre os dois.

— Não quis se juntar a dança ? — questionou à mais nova das Archeron.

— Não é muito o meu estilo, o palco é todo de Nestha, e seu, quando o assunto é esse — deu de ombros.

— Entendo que não queira , mas não é só sobre a dança, é sobre a música, a arte, a liberdade dos movimentos. — Poderia parecer estupida falando aquilo mas Thalassa não se importava, amava movimentar o corpo no ritmo da música e até quando não tinha melodia. Era uma paixão e paixões não podem ser explicadas , apenas sentidas.

— E é por isso que o destaque vai para vocês, você e minha irmã compartilham do mesmo fervor até para falar da dança.

Não conseguiu negar aquilo. Se deu por vencida nos argumentos e começaram uma conversa animada, onde Elain contava sobre as gêmeas — as quais Thalassa admitia que não decorou os nomes —, e como elas faziam questão de ajudá-la quando não estavam a serviço de Azriel ou Rhysand.



°°°



— Thalassa, você nos prometeu histórias, dança e muito vinho. Já tive a dança e o vinho , agora quero a glória das narrativas — a voz de Feyre se sobressaiu após o quarteto cantante encerrar com as músicas. Ela vinha tentando timidamente quebrar o gelo que se formou após a discussão sobre Elain.

Não concordava com ela sobre o tratamento com a irmã e não abriria mão de sua opinião até que Elain decidisse o que era melhor pra si, mas como a Grã-Senhora disse aquela seria uma noite sobre lendas, mistérios e histórias do passado de Prythian. Era o que Cassian fazia no momento, falava com animação e vigor sobre as batalhas que já havia travado.

Rhysand já havia contado alguns causos que deixariam qualquer humano de boca aberta, Novus contou sobre mitos os quais ouvia de seus colegas em seus tempos de soldado e até Morrigan se aventurou ao falar de disputas internas na conhecida Corte dos Pesadelos. Mas era o General quem mais se animava ao falar daquilo.

— ... e ele mirava diretamente em mim, então eu tornei aquilo mais pessoal, e de general para general nos enfrentamos. Ele não teve a menor chance. Foi sangrento e primitivo, e que a Mãe me perdoe, mas também foi satisfatório. — Nestha agarrou sua mão após isso como apoio e encorajamento silencioso.

— Quero treinar com você um dia, General, saber se toda essa voracidade é só para os campos de batalha — obviamente Thalassa sabia que a voracidade de Cassian era em todos os quesitos. As pessoas tinham o hábito de julgá-lo como o bobo do Trio Illyriano, e era o que o tornava o mais perigoso. Afinal, não era por sua simpatia que era o general de Rhysand.

Sua cabeça já estava alta e nem havia cheirado ou fumado nada além de suas cigarrilhas de cereja. Cyrus já havia se retirado, então não empecilhos para falarem sobre qualquer merda que queriam.

A maioria estava sentada nos bancos de madeira, mas alguns seguiram o exemplo da Capitã se sentando no chão.

— Se prepare, amanhã estarei aqui te esperando antes do primeiro raio de sol surgir, então você saberá que sou ainda melhor do que dizem — um sorrisinho vampirino surgiu nos lábios cheios de Cassian em uma pose metida, quando Thalassa estendeu a mão para apertar a sua seu sorriso era ainda maior. — Será um prazer te vencer, Capitã.

— E será um prazer maior ainda te fazer perder vergonhosamente, General.

— Certo crianças, podem ir parando — Morrigan estava claramente alterada, se os sorrisos que ela mandou para os golfinhos que viu mais cedo era algum indicativo. — Agora, Thalassaaaaa, eu conheço de cor cada história que qualquer um da minha família irá contar, ilumine essa velha alma com algo novo.

— Não acho que qualquer coisa que eu disser será mais atrativo que suas histórias.

— Ah Thalassa, não seja uma estraga prazeres, vamos lá, porque não conta para eles sobre a sua versão da origem dos Daemati, ou sobre a profecia do Destruidor de Mundos? Ou até mesmo a sua origem, tenho certeza que qualquer um julgaria, no mínimo, como algo relevante. — A nuance maliciosa na voz de Darwin era única, o repto em seu olhar gelado e vazio parecia instigá-la, a desafiando.

Não me provoque criatura estúpida. Não irá gostar do resultado. Foi o que Thalassa pensou ao encará-lo.

Eu gosto de brincar com você. Foi o que o macho parecia querer falar com o olhar.

— Não sei se fico mais curiosa com a tal Profecia, ou a Origem dos Daemati, sempre achei que fosse apenas algum dom específico que só alguns foram agraciados. — A Quebradora de Maldições olhou para o parceiro em busca de respostas onde o mesmo só deu de ombros sem saber como responder.

— Quando ainda não era Grão-Senhor procurei em livros ou até mesmo pessoas com o dom para tentar entender a origem. Mas é tudo muito raso, ninguém realmente sabia algo concreto para levar a busca adiante. Se você sabe algo Thalassa, mesmo sendo apenas uma lenda, eu gostaria de saber, estou disposto a pagar pela informação — ela poderia dizer que ele estava brincando, mas Rhysand a encarava tão sério que fêmea sentiu os pelinhos do braço se arrepiando.

— Não me ofenda oferecendo dinheiro por algo tão supérfluo — estendeu a taça quando viu Rhysand encher a própria com vinho. — O que minha mãe contava era que um grupo chegou aqui por um portal, eles surgiram antes mesmo do primeiro Grão-Senhor. Uma época de reis e rainhas que mandava e desmandava conforme suas vontades, mas nada se comparava a eles. Estavam atrás de poder, o máximo que conseguissem. Eram gananciosos, austeros, e enganavam qualquer um com a beleza gritante, mas beleza nenhuma era capaz de esconder suas intenções. O Rei Mergis foi quem recebeu os disputados viajantes, ele estava deslumbrado com aqueles seres, ainda mais com seu líder, Norai — que para o Rei, era a criatura mais encantadora que seu olho já haviam visto — , eles tinham a mesma aparência de feéricos mas se chamavam por outro nome, um que há muito foi esquecido. — Thalassa engoliu em seco quando a mentira saiu de seus lábios. — Após sua chegada uma série de eventos calhou, intrigas, disputas, brigas e então vieram as guerras conhecidas hoje em dia como Armada Primordial. As coisas começaram a mudar em um conselho de guerra em que foi mencionado o Caldeirão e como ele poderia melhorar as coisas, o interesse de Norai foi instintivo, escandaloso demais para ser discreto, foi então que um dos generais passou a questioná-lo sobre a atitude. Suas perguntas foram demais para Norai lidar, então sem que pudesse evitar seus olhos brilharam no mais completo negrume e no segundo seguinte o general estava no chão, olhos, boca e nariz sangrando e um coração silencioso. Foi quando o encanto de seres de outro mundo estarem ali foi quebrado, Norai se negou a falar qualquer coisa após ser trancado na ala mais baixa do castelo.

"Seus acompanhantes então passaram a serem interrogados, suas intenções, de onde vieram e o que podiam fazer. Os tolos perceberam que mesmo que já tivessem pensado, jamais fizeram aquelas perguntas sobre os viajantes, mas como era possível? Como um Rei tão glorioso quanto Mergis deixou aquilo passar? Conforme eles iam sendo interrogados e mantidos presos os dias iam passando e assim antes que percebessem a guerra findou. Aquela altura o encanto com os viajantes se extinguiu e memórias confusas surgiram no lugar, pensamentos que eram uma certeza mas jamais foram concluídos, o Rei se deu conta de que o tempo inteiro seus pensamentos eram compartilhados, assim como os de sua corte, se sentiu violado, as coisas mais privadas de sua vida foram expostas de forma severa.

Ele foi diretamente até Norai, interrogou o macho que secretamente adorava ter em sua cama, sentindo-se completamente traído, Norai confessou que era apenas um peão ali. Seu povo estava espalhado em cada superfície daquele mundo em busca de poder, após terem devastado o próprio mundo, quando ficou sabendo do Caldeirão seu líder decidiu ir atrás da fonte interminável de poder deixando diversos grupos espalhados pelo mundo. Os dons de todo aquele povo variava mas o que tinham em comum era a capacidade invejável de entrar na mente de qualquer um, manipular seus pensamento e atitudes, ninguém tinha dimensão de até onde seus poderes podiam ir. Então Mergis teve que tomar a decisão."

"Decretou a execução de Norai e todo seu clã localizado em seu castelo e enviou um comunicado urgente aos outros reis através de mensageiros, quando a notícia se espalhou eles já estavam sabendo que foram descobertos, e não poderiam fugir para seu mundo devastado de volta, então se esconderam. Mas anos já haviam se passado da sua chegada até ali, eles procriaram com os humanos e feéricos daquele mundo. Então o que entendemos disso é que cada daemati é um descendente dos viajantes, embora eu ouse dizer que seus poderes hoje em dia estejam dissolvidos demais se comparado ao que era na época de Mergis e Norai."



°°°

Eu sei, é muita cara de pau aparecer aqui depois de um ano como se nada tivesse acontecido. Eu não tenho nenhuma desculpa, eu apenas não conseguia escrever e levei literalmente um ano para escrever esse capitulo então possivelmente terá muitos erros e falhas, e ele ainda não está com o tanto de palavras que eu gostaria mas peço paciência. Tentarei atualizar o mais rápido possível mas não farei promessas.


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