Eu não sou sua princesa

By koralreis

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O sobrenome de Sarah Lee estampa as fachadas dos hotéis mais bem avaliados do país. Para a adolescente da alt... More

Notas da autora
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Aviso!!

Capítulo 07

61 1 0
By koralreis

Sarah Lee


Antônia afaga meus cabelos enquanto me entrega a mochila.

Ter a diretora recolhendo seu material em sala de aula aniquila qualquer possibilidade de o assunto ser abafado. Não que eu realmente tivesse esperança de que ninguém fosse saber o que aconteceu, porque tenho certeza que Theo não deixaria o assunto morrer de qualquer maneira.

Mas acho que me perco no meu próprio personagem, quanto mais meu cérebro se esforça para tentar me convencer de que tudo está sob controle, eu meio que acredito. O problema é que desse jeito a ficha demora mais para cair, isso não pode ser bom.

— Eu acredito em você — ela diz massageando meu ombro enquanto me conduz pelo corredor. — Falei pro seu pai que foi um acidente, mas espero que você entenda que eu precisava ligar pra ele.

— Eu sei...

— Não é tão ruim assim, Lee. — Theo fala logo atrás de nós. — Ela liga pros meus pais o tempo todo, faz parte.

Pode fazer parte da vida dele, mas definitivamente não faz parte da minha.

Sigo em minha caminhada da vergonha em silêncio, sentindo os olhos que me julgam através das fotografias que tomam conta de toda a extensão da parede, enfileirando os alunos espetaculares onde um dia sonhei ter minha foto pendurada e hoje não me acho digna de tal feito.

Quando atravesso a porta, um vento gelado e inesperado invade meus pulmões, mas nada dói mais do que ver o carro de meu pai me esperando, com seu motorista a postos para me receber.

Meus pés travam porque não estou preparada para esse encontro e Theo esbarra em mim, me segurando pelos ombros e tropeçando desajeitadamente tentando não nos levar ao chão.

O motorista de meu pai encara os sapatos em uma tentativa fajuta de fingir que não viu nada, mas a vergonha que sinto já não cabe mais em mim. Obrigo minhas pernas a se moverem mesmo com a mobilidade reduzida e deixo as mãos e a voz de Theo para trás.

Emmanuel abre a porta para mim. Ele não se oferece para tirar minha mochila como Claudio sempre faz e tudo bem, porque não acho que ele conseguiria mesmo. Meus dedos se apertam ao redor das alças e deslizo pelo banco de couro com o coração esmagado entre as costelas.

— Você me tirou do trabalho no meio da manhã. — É tudo o que meu pai diz.

Encaro seus pés ao lado dos meus. O sapato de bico fino, brilhante e engraxado batuca o chão do carro em um ritmo impaciente.

— Desculpa, pai.

Ele desliza o braço para me alcançar, acaricia minha bochecha e puxa a alça da mochila por meu ombro enquanto pede para que eu coloque o cinto de segurança.

Só então o motorista dá partida.

— O que você estava fazendo com Theo Bittencourt? — ele pergunta.

Engulo em seco porque flashes invadem minha cabeça e reproduzem sensações musculares inconvenientes. Theo excitado na biblioteca e depois entre minhas pernas.

— Fomos até a biblioteca pegar uns livros que o professor pediu.

— Não sabia que vocês eram amigos — ele arrisca.

— Não somos — me apresso em dizer. Talvez apressada demais, porque meu pai geme um "uhum" pouco convencido.

— Ele é problema, filha. Você sabe disso, não sabe?

— Sim, senhor.

— Olha pro pai — ele pede com a voz tenra. Obedeço e seus olhos azuis me encaram exatamente do jeito que imaginei que estariam. Decepcionados. — Não quero você envolvida com ele, entendeu? A Adriana vive reclamando que ele é um caso perdido, não quero que ele acabe levando você pelo mesmo buraco.

É estranho que meus pais tenham uma espécie de relacionamento com os pais de Theo. A impressão que dá é que qualquer nova fofoca que nos envolva, vai romper a bolha do colégio e vai chegar em nossas casas. Talvez isso seja corriqueiro para Theo, mas para mim seria o inferno na Terra. Se já foi difícil fingir para minha mãe que não era nada demais ter uma duzia de alunos comentando sobre minhas notas. Imagina o que vai ser quando eles começarem a inventar motivos para justificar minha agressão?

— Sarah, você promete que vai ficar longe do garoto?

— Sim, senhor — respondo automaticamente. — Quer dizer, estudamos na mesma turma, o senhor sabe e...

— Só fique o mais longe possível antes que ele te enfie em alguma encrenca.

— Sim, senhor.

Meu pai suspira, massageando os olhos cansados. Acho que é a primeira vez que presto atenção em como o tempo vem consumindo sua feição.

As sobrancelhas douradas ainda emolduram os olhos de maneira dura e quase sombria, escondendo as pálpebras por completo. Mas as rugas, que costumavam aparecer no canto externo de seus olhos durante seus sorrisos largos e gentis, agora continuam lá, permanentemente, mesmo quando está sério.

A pele ao redor dos lábios parece um tanto quanto flácida, deixando os sulcos de suas bochechas mais evidentes, fazendo ele parecer mais magro do que já é. O maxilar largo e o queixo angulado ainda sustentam sua seriedade.

E as sardas claras que herdei e tanto amo, espalhadas pelas maçãs do rosto e nariz, agora parecem mais evidentes em sua testa também.

Ele passa a mão pelo cabelo dourado, garantindo que todos os fios permaneçam penteados para trás.

— Tenho uma reunião — ele avisa. — Dez minutos atrás.

Engulo em seco me sentindo a pior filha do mundo. Por dezessete anos eu carreguei a alcunha da filha que não dá trabalho sem perceber que isso poderia ser tão frágil quando um castelo de cartas.

A mera aproximação de Theo fez tudo ruir e acho que agora consigo ver isso pela perspectiva de meu pai. O quão fraca e influenciável eu fui, depois de ele se esforçar tanto para criar alguém forte e esperto o bastante para não se deixar levar por um garoto mimado.

Quando eu era um pouco mais nova, minha mãe costumava argumentar que "era por isso que famílias conservadoras preferem filhos homens para assumir os negócios". No ápice da minha ingenuidade eu acreditava que ela falava aquilo como uma maneira de me libertar, de poder entregar as rédeas da minha vida em minhas mãos.

Eu pensava que ela estava tentando dizer algo como "ela não precisa ser quem nós precisamos que ela seja" e agora posso ouvir nitidamente o que ela estava dizendo. Eu não consigo ser o que eles precisam.

Meu pai sempre replicava dizendo que eu era perfeita. E novamente minha inocência me fez crer que eu era perfeita do jeito que eu era. Mas ele só estava tentando dizer que eu era perfeita para o papel.

E de tanto ouvir que eu era perfeita, eu não conseguia ser outra coisa, se não o modelo exato de excelência que fazia meu pai proferir tais elogios.

Toda vez que eu apresento qualquer coisa menos que excelente, ele não me diz nada e então eu sei que não fiz meu melhor, que não fui boa o bastante. Não fui perfeita.

Então isso me consome, mas também se retroalimenta, fazendo com que eu trabalhe mais duro e compense na próxima vez. Eu estou sempre pensando no que devo fazer a seguir para superar o que fiz anteriormente.

Eu não tenho certeza que posso recuperar o que acabei de perder. Ou ao menos não sei se tenho tempo para fazer isso, já que vou ter que começar tudo de novo, do zero. Carta por cartar. Da base até o topo.

— Desculpa, pai — digo recolhendo meu baralho metafórico.

— Sua mãe já está te esperando em casa — ele avisa.

— Você podia ter ido pra reunião e ela podia ter vindo me buscar — murmuro.

— Você sabe muito bem o escândalo que ela teria feito nesse colégio.

— Acho que eu teria merecido.

— Você jogou mesmo o livro no piá? — ele pergunta um pouco impaciente.

— Claro que não, pai. Foi um acidente, eu juro.

— Então que bem faria sua mãe ir lá? Isso só faria as pessoas falarem ainda mais sobre o que aconteceu.

Seu tom é duro, impaciente. Meu pai odeia violência mais do que qualquer outra coisa, nunca levantou a mão para nós e nunca permitiu que outras pessoas o fizessem em sua presença. É um homem bom e justo e eu o decepcionei.

Me encolho ainda mais no banco, os cabelos se espalham por minha bochecha e os deixo assim.

— Quero que você compre algo e mande para os Bittencourt, como pedido de desculpa.

— Os pais ou o filho?

— Todos eles, tenho certeza que você vai pensar em alguma coisa.

Seu tom é um pouco mais leve agora e me incita a olhar para ele de soslaio. Ele sorri torto e pisca um olho para mim.

— Tenho certeza que foi um acidente, mas me preocupa porque acidentes assim nunca tinham acontecido com você antes, Sarah.

Seu tom de voz parece tentar me tranquilizar, soa mais como um pai preocupado do que com o homem de negócios que precisou ir limpar a bagunça da filha inconsequente.

— Não vai acontecer de novo pai. Eu juro.

Ele balança a cabeça devagar para cima e para baixo sem deixar de me olhar. Acho que procura um sinal de que tenho mesmo capacidade para arcar com esse juramento.

O que espero que eu tenha, mas estou morrendo de medo de não ter. Porque só agora consegui processar a orientação que me foi dada. Preciso mesmo me afastar de Theo e a simples consciência disso me faz notar outra coisa. Algo pior.

Queria não ter que fazer isso.

Theo me faz sentir... coisas. Das quais não entendo ou reconheço, mas é uma espécie de adrenalina que me movimenta, que faz eu sentir como se não estivesse constantemente patinando sem sair do lugar. Quando o enfrento sinto que estou indo em alguma direção, que estou me posicionando de alguma forma. Isso faz eu me sentir bem.

Mas precisa acabar.

Essa é toda a conversa que temos e respiro aliviada porque uma etapa acabou. Outra mais estridente e neurótica ainda está por vir.

Meu pai atende à alguma ligação a qual me forço a não prestar atenção. Foi ouvindo o que não devia que descobri que ele estava comprando um hotel do Bittencourt e foi isso que me colocou em problema para começo de conversa.

— Sarah? — ele chama a minha atenção alguns minutos depois. — Quer almoçar com o pai hoje?

Ele tem um quase sorriso no rosto, um jeito polido de me avisar que vamos engolir a comida o mais rápido que pudermos antes de ele precisar ir para alguma reunião importante.

Encaro minha mochila entre nós no banco. O que meus pais acham que seja mérito da escola por me manter tanto tempo ocupada estudando, na verdade, é consequência de uma péssima decisão que tomei um dia, em uma viagem escolar.

Ela parece ainda mais pesada depois dessa conversa.

O ponto é que agora tenho sempre que fazer tudo em dobro e ainda não terminei o projeto de geografia do Pierre.

— Podemos fazer isso outro dia? — peço, chateada.

Ele suspira aliviado. Não é que ele não queira passar tempo comigo, mas já faz anos que eu aprendi a não competir com seu trabalho e não fico mais exigindo sua atenção.

Ele faz um sinal para o motorista que entende que precisa desviar do caminho para me deixar em casa.

Encosto a testa na janela e vejo passar por nós a Curitiba indecisa de sempre com suas variações absurdas de temperatura. Hoje o dia está cinza e deprimente. Frio como se fosse o auge do inverno, ainda que estejamos prestes a entrar na primavera.

Isso não impede meu corpo de carregar pequenas cargas do calor de Theo, especialmente nos pontos onde seu contato foi mais intenso. Meu cotovelo, meus ombros, minha cintura, o meio das minhas pernas.

A imposição de meu pai veio em boa hora. Eu preciso mesmo ficar longe dessa encrenca e do jeito que estou me sentindo a respeito dele, eu não teria a força necessária para decidir isso sozinha.

Me sentindo ligeiramente mais leve, me despeço beijando sua bochecha e pulando para fora do carro.

— O que você pensa que tá fazendo, Sarah Lee? — minha mãe me recepciona antes mesmo que eu tire meus calçados na porta. — Agora que o ano letivo tá acabando, você decidiu relaxar?

— Foi um acidente, mãe — repito automaticamente.

— Um livro de mil e duzentas páginas?

— Por que o número de páginas é tão relevante? — murmuro mais para mim mesma, mas chega aos ouvidos atentos de minha mãe.

— Com quem você acha que está falando, mocinha?

— Desculpe, senhora.

— Primeiro falam que você tá pagando pelas suas notas e você não faz nada, agora você bate no caçula do Bittencourt...

— Foi um acidente e eu...

— Você tá usando drogas? — ela me interrompe.

— Mãe? — me surpreendo com a reviravolta. Minha língua coça de vontade de perguntar se por acaso é ela quem está usando drogas para ter uma ideia absurda dessa. — Claro que não.

— Onde foi que eu errei então? Pra merecer um desgosto desse?

Abaixo a cabeça me sentindo um lixo.

— Desculpe, senhora — repito em um sussurro envergonhado.

— Sarah Lee, o que a gente te dá não é o bastante? — ela pergunta magoada.

— Mãe, por favor, foi um acidente, o livro caiu da minha mão. Eu não tô usando drogas, eu não tô relaxando, eu continuo fazendo meus deveres e...

— E deixando que as pessoas coloquem nosso sobrenome em situações embaraçosas.

Respiro fundo. A cabeça da minha mãe é mais dura que um diamante, o que só me desanima mais ainda. Porque se ela já moldou tão rapidamente essa nova visão sobre mim, eu estou mais fodida do que pensei que estaria.

— Vou dar um jeito nisso — digo pouco convencida de que seja o suficiente para aliviar a tensão dela.

— É bom que dê mesmo, porque você já sabe o que vai acontecer se eu ou seu pai tivermos que fazer isso por você.

Ela sai batendo o pé e fico ali na entrada da casa, segurando a mochila em uma das mãos, sem ter a menor noção de como as coisas saíram do prumo do nada.

Ouço o crepitar da lareira na sala e acho um exagero que minha mãe tenha mandado acender para não ficar nem dez minutos sentada me esperando.

Ainda não me movi quando ela volta com a bolsa sobre o ombro e um molho de chaves na mão.

— Você não vai a lugar nenhum hoje, hein. A gente conversa mais tarde.

Ela beija minha testa e acaricia meu cabelo. Olho para ela com a visão do meu pai ainda fresca em minha mente, para constatar que o tempo está passando para ela também.

As rugas dela são nos cantos internos dos olhos e o canto externo dos lábios parece se curvar para baixo, não de tristeza pelo estresse que a estou fazendo passar, mas porque seu rosto também parece querer se render à gravidade.

Ela sai pela porta atrás de mim e Madalena aparece colocando a cabeça para fora da porta da cozinha.

— Vem almoçar Sarah, a Renata fez risoto de funghi hoje.

— Posso comer na sala? — pergunto pensando em me esparramar no tapete felpudo e me cercar de livros pelo resto do dia.

— Você que manda, chefinha. — Ela volta para a cozinha e eu me arrasto para perto da lareira.

Deixo o calor do fogo me abraçar e me dou conta que é o mais perto que vou chegar de ser acolhida hoje. O celular vibra na mochila e aproveito a distração antes que eu me sinta carente demais.

6 de setembro

Geórgia: Ei, tudo bem por aí? 13:11

Respiro fundo.

Muito fundo.

Controlando a vontade de arremessar o celular no meio da brasa do outro lado da sala, mas a culpa não é do celular e isso provavelmente só me colocaria em mais problema. As chances de eu passar o feriadão trancafiada em casa estão em 200% atualmente.

É óbvio que ela já sabe o que aconteceu. Agora se ficou sabendo pela própria mãe, por alguma outra menina ou até mesmo por Theo, pouco me interessa.

Eu ainda não sei como falar com a Geórgia depois de descobrir que ela contou o que sabia sobre meu negócio com Pierre. Sinto a pressão empurrando meus olhos para fora, a dor aguda se enraíza pela testa e maçãs do rosto.

Também não posso me dar o luxo de ter uma crise de enxaqueca agora.

Tiro o primeiro caderno que alcanço na mochila e sorteio a primeira matéria para trabalhar.

Madalena chega logo em seguida com meu prato quente nas mãos.

— Se deixar cair no tapete, eu te mato antes que sua mãe me mate.

Sorrio para ela com vontade de dizer que não tenho mais cinco anos de idade, embora tenha sido uma ótima idade para qual eu gostaria de poder voltar.

Naquele tempo eu podia chorar sem ser considerada fraca, mas porque o choro ainda era a melhor comunicação para dizer que as coisas estavam ruins. Eu ainda podia contar com meus pais resolvendo tudo por mim e me pegando no colo até eu me acalmar.

Mas, parando para pensar, vejo que o que parecia divertido na época, já era um prelúdio para a vida a qual meus pais queriam que eu vivesse. Eu não tive muito tempo para ser criança porque pulava de uma atividade para a outra, todos os dias, o dia inteiro.

Eu ia para o ballet, para a natação, para a aula de inglês, de música, de teatro, de francês (por que eu precisava aprender francês aos cinco anos?). Fazia acompanhamento com fonoaudióloga, nutricionista e outros tantos profissionais. Eu entrava em consultórios médicos pelo menos uma vez por semana.

Fui bombardeada de cuidados, ou preparos, que só mudaram um pouco o aspecto, mas continuam presentes, constringindo minha vida, limitando meus dias. Eu não fui uma criança e tampouco estou sendo uma adolescente.

Eu nasci adulta.

E apesar disso, aos dezessete, ainda sou nova demais para me responsabilizar pela minha própria vida.

É isso. Eu nunca vou ter a minha própria vida.

— Você tá bem? — Madalena pergunta, preocupada.

— Tô sim, Madá. Só tô muito cansada — minto quando ela rompe meu fluxo de pensamento.

— Você tem o feriado inteiro pra fazer essas coisas — ela aponta para meu material. — Por que não come e sobe pra descansar um pouco? Quer que eu peça pra preparar um banho de banheira pra você? Podem acender a lareira do seu quarto e pedir pra Renata fazer aquela pipoca doce que você gosta...

É quase estranho que um funcionário tenha memorizado um passo a passo de como melhorar meu humor. Isso só me deixa ainda mais carente e nesse estado sei que não vou conseguir fazer nada produtivo.

Me sinto tão boba por querer colo com esse tamanho. Por de alguma maneira esperar que meus pais abram as asas e permitam que eu me aninhe neles. Que me façam cafuné nos cabelos, que me beijem a testa e que digam que tudo vai ficar bem.

Como posso ter sido preparada e endurecida para todo o resto, mas continuo mole a respeito disso?

Vai ver esse é o meu defeito. Isso é o que vai me arruinar se eu não acabar tomando uma atitude drástica.

Atitude essa que eu ainda preciso descobrir.

Acabo aceitando a oferta de nossa governanta e passo o resto do dia chafurdando em romances água com açúcar, eles me fazem ter tanto ódio das mocinhas que é de certa forma revigorante.

Quando vejo o quão cega elas são, tolas e ingênuas. Quando não percebem as tramoias que armam para elas, quando confiam em quem não deveriam, quando dão chances a quem não merece. Eu sinto tanto desprezo e tanta certeza de que sou mais esperta que isso que fica quase fácil ignorar que os finais felizes são apenas um resultado do que a ficção faz pelo ser humano.

A ficção nos entrega o que não podemos ter.

E não podemos ser essa pessoa que passa o tempo todo tomando no cu e ainda fica com o príncipe encantado no final.

Não são os outros que vão mudar por mim, para me agradar, sou eu que preciso me adaptar à pressão, é assim que os diamantes são moldados. É isso o que meus pais vêm tentando me ensinar.

Eventualmente ignoro todas as mensagens de Geórgia e converso apenas com Malu. Tecendo críticas ferozes sobre os romances que ela mesma me indica.

MaLu: Garota, para de ser chataaaaaa 19:43

Sarah: Ela ficou GRÁVIDA e tentou esconder 19:43

MaLu: Mas ela achava que não ia ter que contar pq ia entregar o bebê pra adoção 19:43

Sarah: Mais um motivo pra não ter porque esconder. 19:44

É uma gravidez, como alguém esconde algo tão importante assim de uma pessoa que é ainda mais importante? 19:44

MaLu: Vc acha que não mentiria pra alguém se pudesse viver uma ilusão que é mil vezes melhor que a realidade? 19:45

Sarah: A realidade é uma merda, Malu. 19:44

Não digo mais nada porque eu minto o tempo inteiro, sobretudo para mim mesma e é exatamente esse e o motivo que me leva a saber que "viver a ilusão" não compensa.

Especialmente quando você é alguém que pode ganhar ainda mais ao revelar a verdade. Quando se é um personagem de ficção que tem um final feliz garantido. Que se envolve com pessoas que estão ali única e exclusivamente para impulsionar seu amadurecimento.

Eu não sou um personagem de ficção, porque personagens de ficção impulsionam a própria narrativa e eu estou aqui, só seguindo o roteiro que me foi dado, onde toda a vida acontece comigo e eu só preciso saber a coisa certa a ser dita nas oportunidades que aparecem.

E por falar em coisa certa, a mensagem que recebo é um lembrete de que falhei miseravelmente.

Theo Bittencourt: E aí, Lee. Espero que esteja tudo bem. 19:50

Não sei de onde vem sua preocupação, mas temo que não seja de nenhum lugar bem-intencionado.

Theo pode ser muito confiante, mas tenho certeza que não é nada confiável.

Seu comportamento errático e irregular me deixa confusa e desestabilizada toda vez que ele decide interagir comigo. Vai ser bom romper com isso antes que vire um ciclo. Antes que eu fique comprometida demais em revidar.

Theo Bittencourt: E espero que vc tenha aprendido a lição 19:51

Respiro fundo.

Filho da puta manipulador de primeira.

Confirmo agora que tudo o que Theo fez foi friamente calculado para puxar meu tapete no momento certo.

Eu acho que me enganei pela fisiologia dos corpos, pela maneira como ele pareceu sempre aceso ao me tocar. Pelo peso da sua mão em mim, o calor e o ar denso que nos envolve toda vez que ele se aproxima. Pensei que esse é o tipo de coisa que não se finge, não se encena.

Mas não deve ser difícil para Theo separar o que acontece em cada uma de suas cabeças.

Preciso focar no que meu pai disse e manter distância de Theo.

Logo essa coceira no meu baixo ventre não vai mais lembrar a sensação de tê-lo tão perto e tudo não vai passar de uma fase breve e ruim na minha história.

Talvez eu possa me recuperar, talvez eu ainda conquiste a foto naquele corredor. Se eu tiver isso, então tenho tudo.

Theo Bittencourt que se foda.

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