Diferente da semana anterior, as aulas estavam sendo bastante exaustivas e quase todos os professores haviam passado tarefas, o que fez com que a sexta-feira chegasse mais rápido do que Darah desejava.
— Já acabou, Belle? Faltam apenas dez minutos para começar o segundo horário de Magia Híbrida.
— Estou quase desistindo de telecinese. Sou péssima nisso — resmungando irritada, Arabelle levantou do chão, guardou na bolsa a bolinha de gude que estava apoiada em uma pedra e se aproximou de Darah que observava seu treino.
— Você não é péssima, só precisa treinar um pouco mais — consolou Darah enquanto atravessavam o jardim e adentravam na academia, caminhando em direção à sala.
— Não sei se vou conseguir explodir algo usando a mente até a próxima aula de Telecinese. Seria mais fácil escrever um texto explicando como fazer — Arabelle dizia rapidamente com irritação. Então suspirou pesadamente e olhou para Darah. — Como você consegue ser tão boa nisso? Nível três em Telecinese e Luminocinese e nível quatro em Aerocinese. Você deve ser um prodígio — disse com admiração enquanto continuavam a caminhar em passadas ágeis. — Aliás, há quanto tempo que você está no nível quatro de Aerocinese?
— Já tem mais ou menos um mês e meio, então ainda não sei executar as magias desse nível com perfeição. Eu consigo fazer várias, mas tenho certeza que não são exatamente fortes como devem ser as magias dos alunos do terceiro e quarto semestres.
— Bem, já é um começo. Mas eu sei que você conseguirá enfrentá-los se for necessário. — Arabelle deu um sorriso animado.
As sobrancelhas de Darah se ergueram levemente. Ela se questionava como o humor de Arabelle poderia mudar tão rapidamente.
— Aliás, adivinha quem é uma hybrifada?
— Quem? — perguntou Darah com curiosidade. De repente si perguntando porque nunca havia feito essa pergunta.
— Edgar Martins.
Foi como se uma lâmpada tivesse sido acessa na cabeça de Darah.
— Então é por isso que eu senti que ele tinha outro elemento... — murmurou pensativa, lembrando-se do momento em que tentou adivinhar o elemento do mentor quando o mesmo foi declarado como um dos líderes dos grupos de batalha.
— O que você disse?
— Nada importante — respondeu antes de adentrarem na sala e sentarem na mesma mesa que tinham ocupado pela manhã.
Haviam dez velas em quase todas as mesas, uma para cada aluno, as únicas exceções eram as mesas onde estavam as fadas do fogo que, ao invés das velas, tinham os mesmos frascos contento água, terra ou ar da aula anterior. Michael Pretrin aguardou o restante da turma chegar e retomou a aula destacando o quão importante era a concentração.
Não querendo perder tempo, Darah esvaziou sua mente e fechou os olhos, reabriu ao sentir uma espécie de calor na área ao redor do umbigo e percebeu que a chama da vela tremia lentamente. Ela achou que tivesse sido sua respiração, então decidiu afastar o rosto, contudo, a chama continuava a tremer lentamente.
A garota olhou de esgueira para as chamas das velas dos seus colegas, a maioria estavam intactas, sem fazer um único movimento, e as poucas chamas que tremiam provavelmente seriam pelo fato de que os seus donos estavam com as respirações muito próximas às velas.
Darah saiu da sala pensativa. Imaginou ter visto a chama de sua vela apagar algumas vezes, mas quando piscava lá estava a chama, então não sabia se realmente apagara alguma vez ou se sua mente estava lhe pregando peças.
— Vamos para a biblioteca fazer a pesquisa de Luminocinese? — chamou Arabelle. — É a última que...
— Senhorita de LaChance, A-alteza... — Uma voz masculina chamou atrás delas, fazendo-as se virarem para o garoto. — A senhorita Pett me encontrou depois do almoço para avisar que hoje à noite teremos a última reunião antes da nossa primeira batalha amanhã. — Lionel Ford, o garoto de óculos quadrados, fez uma reverência um tanto exagerada ao conseguir sair com dificuldade da sala.
— Eu já falei que não precisa dessa formalidade, Lionel.
— E-eu devo mostrar respeito a Vossa Alteza — insistiu.
— Eu sou... sua amiga. É, somos amigos e amigos não se cumprimentam dessa forma, não é mesmo?
Darah torceu para que isso o convencesse a parar de fazer reverências toda vez que a encontrava, pois suas reverências eram tão exageradas que ela tinha medo que ele acabasse caindo e quebrando o nariz por isso.
— Nós somos... amigos? — O olhar incrédulo do garoto passou de Darah para Arabelle. — Você também é minha amiga?
— Claro! Até seremos um trio durante as batalhas. — Arabelle balançava a cabeça em afirmativo e um enorme sorriso iluminou o rosto do garoto.
— Mal posso esperar para contar à minha avó que tenho amigos.
Darah e Arabelle se entreolharam discretamente. A última perguntou:
— Você não tem amigos?
O garoto sorriu sem graça.
— Agora você tem. — Darah deu um sorriso sincero dessa vez. — Estamos indo à biblioteca fazer a pesquisa de Luminocinese, quer vir com a gente?
— Eu já fiz, mas se quiserem, posso ajudá-las.
Elas concordaram e os três seguiram para a biblioteca. Apesar do visível nervosismo de Lionel, o garoto acabou ajudando bastante durante a pesquisa. Às sete horas da noite ele se despediu e saiu da biblioteca. Elas saíram cinco minutos depois, subiram aos dormitórios para guardarem suas bolsas e voltaram para o térreo em direção ao refeitório. Avistaram Lionel solitário sentado ao final de uma das longas mesas e caminharam em sua direção.
— Boa noite! — cumprimentou Arabelle de forma alegre sentando ao lado direito dele. O garoto sorriu. Darah sentou ao lado de Arabelle também cumprimentando Lionel.
Após um jantar agradável e sem muitas conversas, eles saíram do refeitório em direção ao jardim.
— Você é uma fada da água nível dois, não é Lionel? — perguntou Darah enquanto atravessavam o jardim.
— Sim, como Vossa Alte...?
— Darah, apenas Darah. Como eu já disse. Esqueceu que somos amigos?
— Então... Da-Darah. — Lionel se esforçou para conseguir dizer o nome, seu rosto mais branco que o de costume, mesmo vendo o sorriso satisfatório que iluminou o rosto da princesa. — Como sabe?
— Avery perguntou o nível de cada um durante a primeira reunião, lembra?
— E a senhorita se lembra do meu?
— Na verdade, me lembro de todos — ela respondeu assentando-se na grama. Lionel se assentou ao seu lado.
— A senhorita lembra os níveis de todos os vinte e cinco integrantes do grupo?
Darah assentiu com a cabeça e o garoto fez uma expressão confusa.
— É... a memória dela é impressionante! — comentou Arabelle sentando-se junto a eles.
Alguns minutos depois o grupo já tinha se juntado a eles no mesmo local afastado onde ocorrera as duas reuniões anteriores. Avery Pett revisou a estratégia com o grupo e deu por encerrada a reunião 35 minutos depois parecendo bastante nervosa. A única fada do grupo que parecia mais nervoso que Avery era Lionel, o garoto não parava de tremer enquanto voltavam à instituição.
— Não se preocupe, você vai se sair bem. — Arabelle tentou incentivá-lo.
— E se várias fadas vierem para cima de mim? — Os olhos do garoto se arregalaram. — E-eu não sou forte...
— Você não estará sozinho, nós também estaremos lá e iremos ajudar um ao outro.
Naquela noite todos os alunos voltaram cedo aos seus dormitórios, já que o dia seguinte seria longo e cansativo.
Darah puxou suas cobertas na altura dos ombros enquanto observava o céu estrelado pela abertura da janela. Devia ser em torno das nove e meia da noite e todas as suas colegas de quarto já estavam dormindo.
— Darah?
"Bem, nem todas", pensou.
— Sim?
— Em relação ao Lionel, você também sentiu...?
— Que devo protegê-lo? — perguntou sem desviar o olhar das estrelas, lembrando-se do momento em que conversara com o garoto de olhos pretos pela primeira vez na biblioteca e do que ela dissera pela tarde sobre não ter amigos. — Sim.
Arabelle não disse mais nada, e Darah também não. Ela não conseguia deixar de sentir empatia pelo garoto, pois ela mesma só tivera apenas uma fada que realmente poderia considerar como um amigo durante toda a sua infância, mas ainda se sentiu solitária em alguns momentos. E as palavras de Lionel deram a entender que ele não tivera nenhum amigo.
Darah não sabia quase nada sobre o passado de Arabelle, ainda não chegaram nesse estágio de amizade, mas presumia que ela era tão sociável no passado quanto era no presente. Arabelle era bastante gentil e demonstrou ser empática, duas características que se destacavam na mãe de Darah e que a princesa sempre admirou.
Absortas em pensamentos, as garotas não tardaram a adormecer. A lua iluminava o gramado bem cortado do jardim com uma fraca luz que foi se tornando cada vez mais fraca à medida que a noite caia. Algumas horas depois o sol se levantava, sobrepondo-se às nuvens e a qualquer outra estrela do céu.
Darah abriu os olhos lentamente para se acostumar com a luminosidade e levantou logo em seguida, acordou suas colegas de quarto, seguiu para o banheiro e encarou o próprio reflexo no espelho enquanto escovava os dentes. Seis minutos depois ela voltou para a cama, onde vestiu uma blusa azul-marinho justa até a região do umbigo e folgada como em forma de capa até na altura do joelho, uma calça marrom e uma bota preta – a segunda farda para ser usada nas batalhas em grupo e nas aulas de Combate com Armas.
Desceram para o refeitório dez minutos depois. Darah e Arabelle caminharam até Lionel enquanto suas colegas de quarto sentavam-se ao lado de outras fadas no centro da mesa.
— Qual bolinho está melhor? — Arabelle tinha acabado de sentar ao lado do garoto.
— O de arroz. — Lionel hesitou antes de continuar. — V-vocês não precisam sentar comigo, sério.
Lionel agora olhava para o lado. Várias fadas estavam olhando para eles, mais especificamente para o garoto corado, lançando alguns olhares maldosos em sua direção.
— Acho que tem várias fadas que gostariam de sentar perto de vocês — continuou Lionel que passara a olhar fixamente para a xícara à sua frente, e quando foi pegar o objeto para tomar um gole de chá, ele desequilibrou a xícara por um momento e quase a derrubou, mas conseguiu segurar a tempo.
Nenhuma das duas garotas poderia discordar do que ele dissera. Darah era da realeza, então tinha uma popularidade especialmente grande, e Arabelle era muito sociável e já tinha várias amizades pela academia, além de ser dona de uma beleza bastante chamativa, o que atraia ainda mais admiradores.
A princesa lançou um olhar de repreensão para o grupo de alunos que continuavam a observá-los. A maioria desviou o olhar depois disso.
— Mas nós queremos sentar perto de você — disse Arabelle com simplicidade.
— Um trio anda quase sempre junto, ou você nunca leu Harry Potter?
Lionel deu um meio sorriso com o comentário de Darah, mas continuou parecendo desanimado até o momento em que saíram da instituição, quando o desânimo do garoto deu lugar ao nervosismo enquanto eles atravessavam o jardim voando em direção ao Morro Araxá.
— Estou nervoso... — repetiu Lionel pela... Darah havia parado de contar depois da décima vez.
— Também estamos, Lionel. — Havia um leve tom de irritação na voz de Arabelle e Darah não pôde culpá-la. Todos, especialmente os alunos novos, estavam nervosos. Ouvir Lionel repetindo as mesmas palavras várias vezes não estava ajudando em nada, só aumentava o nervosismo que ela mesma sentia à medida que se aproximavam do Morro Araxá.