- Brenda Narrando -
Sabe quando estamos no mar e sentimos ele bastante tranquilo e de repente vem uma onda gigantesca e te joga longe? Era assim que eu me sentia desde quando a Lara se acidentou, em um momentos os meus filhos estão saudáveis e em seguida descubro que a minha filha está correndo risco de vida. O mar calmo? Já faz semanas que não tenho essa sensação. Ao chegar no hospital infelizmente fui informada que a Lara teve outra piora e precisou passar por mais uma cirurgia.
- Pelo amor de Deus - gritei nervosa e senti quando o Marcelo me segurou - O que vocês estão fazendo com a minha filha? - perguntei baixo - Eu deixei ela ontem e disseram que dentro do quadro dela ela estava bem
- Senhora, se acalma - o médico pediu e ri sem humor
- Me acalmar, ele quer que eu me acalme, Marcelo, ele quer que eu me acalme - me soltei e funguei - Me diz como eu vou ficar calma se você mesmo acaba de me informar que retirou parte do crânio da minha filha e alojou no abdômen? - perguntei incrédula - Eu sei que o procedimento pode ser normal pra você só que pra mim é como se - estava falando porém não consegui terminar, me sentei e desabei a chorar, não aguentava mais a incerteza do que poderia acontecer com a Lara e principalmente com o medo, o medo me destruía
- Brenda - Marcelo se sentou na cadeira ao meu lado e eu olhei pra ele, solucei e ele limpou meu rosto, vi o rosto dele vermelho e as lágrimas escorrendo - Eu sei que é ruim ouvir sobre a cirurgia, sei que deve tá com muitos pensamentos e com medo, né? Caralho eu tô com tanto medo - passou a mão no rosto e fungou - É a minha garotinha lá sofrendo, queria levar pra casa e falar que vai ficar tudo bem, mas a única coisa que eu posso fazer é ficar aqui esperando ela melhorar e ela vai melhorar
- Eu só não quero que ela sofra - sussurrei - Sei que ela está sedada e não está sentindo nada, só que não quero me perder em uma busca incansável enquanto ela sofre
- Eu também não - falou baixinho e voltou a olhar pro médico - Pode terminar de falar, doutor
- A craniectomia é o procedimento na qual retiramos parte da calota craniana e colocamos no abdômen do paciente - começou a falar e eu fechei os olhos
- Para - Marcelo interrompeu - Só me diz se resolveu o problema
- Quando o paciente sofre um trauma o cérebro acaba inchando porém a caixa craniana é fechada e por não ter lugar para expandir se torna perigoso - explicou e deu uma pausa - O cérebro dela inchou muito e eu sei que é complicado ouvir sobre a cirurgia mas garanto que foi a melhor decisão
- Entendi - balancei a cabeça - Mais alguma coisa?
- Se a paciente evoluir bem será transferida pra UTI e aí ela poderá receber visitas - falou e eu assenti
- E vocês esperam essa evolução em quanto tempo? - Marcelo perguntou sério
- Ainda essa semana - informou - Mas cada um tem o seu tempo
- Cada um tem o seu tempo - Marcelo repetiu - Como será a recuperação da Lara? Precisará de algum tipo de cuidado especial ou depois que vocês recolocarem o crânio no lugar e ela acordar poderemos ir embora?
- Em neurocirurgia é tudo muito complexo, não posso te afirmar como ela estará quando acordar porque só saberemos quando isso acontecer - falou explicando
- Mas ela pode acordar bem e ir pra casa, né? - insisti e ele confirmou com a cabeça
- Como também pode precisar de reabilitação para se recuperar totalmente - completou e eu respirei fundo - Mas vamos deixar pra conversar sobre isso quando chegar o momento, ok?
- Tudo bem - Marcelo concordou
- Gabriel Narrando -
Se passou 1 semana desde a minha alta e só hoje fui liberado para vir ao hospital visitar a Lara, ao mesmo tempo que eu queria vê-la sentia medo do que estaria na minha frente. Ao chegar no hospital encontrei com o Guilherme e o Felipe, eles informaram que os meus sogros foram na bisavó da Lara levar o Davi mas em breve estarão de volta.
- O seu avô me deu uma licença - Guilherme falou de repente e olhei pra ele, o mesmo estava com os olhos inchados de choro - Disse que eu posso voltar quando me sentir bem
- É o certo - falei e ele assentiu
- Mas voltei hoje - falou e eu fiquei surpreso - Preciso manter a minha cabeça ocupada
- Também sou assim - falei e um toque de celular se fez presente
- É a sua mãe - Felipe falou olhando pro filho - Ontem ela veio aqui e eu fiquei de dar notícias. Quer falar?
- Dispenso - Guilherme negou e o Felipe saiu da sala
- Algum problema? - perguntei e ele deu de ombros
- Digamos que pra eu manter uma boa relação com a minha mãe é melhor ficarmos afastados - falou e eu fiquei surpreso - Nos encontramos de vez em quando e conversamos as vezes, é melhor assim
- Complicado - falei e peguei meu celular - Porém é o necessário em alguns casos
- Me colocaram com o Andrade - falou de repente e eu tirei os olhos do celular olhando pra ele - Como você está de licença me colocaram com ele
- O que está achando? - perguntei curioso mas eu já imaginava a resposta
- Estou sentindo a sua falta - falou simples - Ele é um demônio - completou e eu ri baixo
- É sim - concordei - Mas é um excelente professor, foi ele que me treinou e eu aprendi muita coisa com ele
- Pensei que tivesse sido treinado pelo seu avô - falou confuso
- Também - dei de ombros - Ele é o meu mentor e me socorre quando preciso porém quando iniciei o meu estágio fiquei com o Andrade - dei uma pausa - Já viu o meu avô com estagiário?
- Ele não tem - falou pensativo
- Pois é, ele quis que eu tivesse toda experiência que um estagiário comum e eu rodei o escritório todo até parar em definitivo na área que sempre quis - contei - E o Andrade me treinou
- Agora entendi como aprendeu a torturar estagiários - falou e arregalou os olhos quando se deu conta que falou em voz alta
- Eu pego leve - falei e ele negou com a cabeça
- Não, não pega - rebateu e eu arqueei a sobrancelha
- Então sai do escritório - falei simples - Não aguenta a pressão? Sai - dei uma pausa - Só que quando um promotor acabar com a sua raça em um tribunal você não pode reclamar
- Melhor eu ficar - falou e eu ri fraco
- Com licença - uma enfermeira falou - Vocês podem ir lá
- Finalmente - me levantei rápido mas arrependi pela pontada no abdômen - Não vem? - perguntei olhando pro Guilherme que não tinha nem se mexido
- Ah, eu não quero vê-la assim - falou baixo - Eu não consigo
- Tá bom - balancei a cabeça - Vai pensando em uma defesa pra um cliente que está sendo acusado de ter mantido a esposa em cárcere privado, ter estuprado e a torturado - dei uma pausa - Mas ele alega e possui provas que ela nunca esteve presa, ao contrário, ela podia ir e vir, tinha acesso a telefone e internet, e pra fechar ainda recebia visita da família
- Vou pensar - garantiu - Obrigado
- De nada - falei e segui a enfermeira até o CTI
- É só pelo vidro - avisou mas eu já sabia disso, ela se afastou e me aproximei do vidro, foi como se tivessem me dado um soco e eu perdesse o ar
- O que você fez, Gabriel? O que você fez - sussurrei e meu peito doer ao observar a Lara conectada aos fios, com diversos aparelhos em volta, o rosto arroxeado e inchado, a sensação é que ali só tinha um corpo e era inevitável não me sentir culpado - Desculpa, Lara! Me desculpa, amor, desculpa - solucei e encostei a testa no vidro - Eu deveria ter tomado cuidado, bailarina, eu deveria ter esperado antes de avançar, eu sei que o sinal estava aberto mas eu devia ter imaginado que em um domingo à noite podia ter um bêbado maluco por aí e que poderia acontecer um acidente - limpei o rosto e senti uma presença ao meu lado, quando olhei era o Felipe, ele tinha o rosto molhado de lágrimas
- Não foi culpa sua - falou baixo - O único culpado foi o bêbado que pegou o carro e saiu dirigindo
- Eu poderia ter feito algo - falei e ele negou
- Eu vi o vídeo - me olhou - Você não cometeu erros e nem foi displicente
- A sensação que eu tenho é outra - falei e ele colocou a mão no meu ombro, apertou e negou com a cabeça
- Eu me culpo por ter deixado o Guilherme fazer a tal social e assim a Lara ter saído de casa - falou dando de ombros - Mas não tinha como eu saber, né? E não tinha como você saber que um bêbado louco estava se aproximando
- Não tinha - sussurrei e passei a mão no rosto
- Marcelo Narrando -
A Brenda hoje passaria a noite no hospital junto com a Mayara e o Nandinho, o Davi foi pra casa foi pra casa ficar com os irmãos, o Guilherme e o Luan. Aproveitei que ele estaria bem cuidado e fui até a casa da minha mãe, precisava contar para ela sobre o acidente.
- Oi, meu filho - sorriu quando entrei no quarto
- Oi, mamãe - falei e fechei a porta, me aproximei da cama e deixei um beijo na testa dela
- Estou te achando triste - falou me observando
- A senhora sabe quem é a Lara? - perguntei e ela riu
- Lógico que sei quem é a minha netinha - falou e eu por um momento desejei que ela dissesse que não - O que aconteceu com a Larinha?
- A Lara sofreu um acidente de carro - falei baixo e os olhos dela se arregalaram - Foi bastante grave e ela está precisando de muitos cuidados
- Acidente? - perguntou me olhando - Eu quero vê-la
- Ela não pode receber visitas - expliquei - O caso dela é muito delicado
- Não, Marcelo - negou agoniada e as lágrimas caíram - É mentira isso
- É verdade, mamãe - falei e segurei a mão dela - Não se lembra que disse uma vez pra Lara que ela teria um sofrimento muito grande?
- Acidente, meu filho? Não - negou rápido - Não sabia de acidente algum - começou a chorar desesperada - Se fosse um acidente eu falaria e trancaria ela em um quarto se precisasse mas nunca foi - se calou e ficou um tempo me olhando - Me desculpa, filho, perdoa a mamãe
- Como assim? - perguntei confuso
- Eu não pensei em nada - falou baixo - Você sabe que tenho meus pensamentos mas nunca pensei nada em relação a acidente com a Lara
- Mamãe, se acalma - abracei a mesma e acariciei o cabelo dela
- Ela tem que ficar bem - sussurrou em meio ao choro
- Tem sim - falei baixinho e fiquei por alguns minutos ali com ela até a enfermeira entrar e dar o remédio pra ela dormir, saí do quarto e quando cheguei na sala estava a minha irmã, ela tinha o rosto abatido e óbvio que eu sabia que era por conta da Lara, ela me pedia notícias o tempo todo porque não consegue entrar em hospitais sem passar mal
- Precisamos conversar - minha irmã falou e eu logo fiquei preocupado
- Pode falar - falei e me sentei
- A pressão da dona Elisa está muito baixa há alguns dias e eu estou seguindo todas as recomendações do médico mas continua muito baixa - a enfermeira da minha mãe começou a falar e passei a mão no rosto - Se não melhorar ela precisará ser internada e ela já está com a idade muito avançada
- Seja direta, por favor - pedi e eu já estava esgotado de tanta coisa ruim
- É algo sério para todo mundo mas na idade da dona Elisa se torna pior - explicou - Ela não tem forças pra aguentar um quadro grave e dependendo da evolução o médico pode querer seda-la para evitar sofrimento
- Eu não acho que ela deva ser sedada - escutei a voz baixa da minha irmã e olhei pra ele - Você conhece a mamãe, Marcelo, se realmente chegar nessa questão eu acho melhor entrar com cuidados paliativos e os últimos momentos dela ser lúcida
- Como ela gostaria - engoli a seco - Ela tem consulta amanhã, né?
- Tem sim - minha irmã confirmou - E as chances dela precisar internada são grandes
- Meu deus - coloquei a mão no rosto - É porrada em cima de porrada
- As coisas vão melhorar - minha irmã segurou minha mão - A Lara irá se recuperar em breve, Marcelo, eu sei que ela irá melhorar
- Tá igual a mamãe? - perguntei e ela riu fraco
- Não - negou com a cabeça - Mas eu realmente sinto
- Eu espero tanto que você esteja certa, Clarice - falei baixo - Não consigo nem imaginar se a minha filha
- Ei, não fala, não fala isso - me interrompeu rápido - Vamos ter fé e esperança
- É difícil - falei e ela me abraçou