Dormir era a coisa que ela mais gostava de fazer na vida.
Quer dizer... Quem não gosta de dormir? São vários os benefícios de uma boa noite de sono, e o melhor? São cientificamente comprovados, portanto, dormir não só é bom pra caramba como também é altamente recomendado pelos médicos.
E a falta de sono é até mesmo considerado um problema de saúde!
Dormir é bom pra cacete!
- Ai, meu Deus! Acorda! - a voz aguda e impaciente chamou mais uma vez, seu colchão afundou ainda mais conforme Mina se inclinava sobre ela para chacoalhar o seu corpo.
A garota se enterrou ainda mais nos lençóis e pelúcias da sua cama em uma tentativa fútil de escapar de uma das suas colegas de classe.
- Espera, Mina, assim não. - outra pessoa falou, Ochako, talvez.
Kiara agradeceu em silêncio quando Mina saiu de cima da cama, aparentemente havia sido coagida a desistir de tentar fazê-la acordar. Já estava sentindo a pequena felicidade de poder voltar a dormir até só Deus sabe a hora quando sentiu algo tocar a pele exposta do seu braço, sentindo de imediato o efeito da gravidade ser anulado sob seu corpo.
Ela tentou segurar em algo, mas acabou puxando o lençol fazendo com que as suas pelúcias caíssem no chão. Choramingando e sentindo falta do calor de sua cama, Kiara se agarrou ao lençol que havia conseguido se agarrar e começou a enrolá-lo ao redor de seu corpo.
- Igualzinho um frango de padaria. - escutou Mina brincar. - Kiara, você combinou! - reclamou agora, a voz soando mais aguda e irritada
Sim, ela havia mesmo combinado. Tinha que parar de firmar compromissos quando estava com os picos de energia no máximo.
- Foi mal. - ela resmungou ainda flutuando, o lençol ainda estava quentinho, então tudo bem. - Preciso dormir para repor as minhas energias.
- Tenta outra, a gente já sabe que você absorve energia por ingestão calórica. - rebateu Mina, e ela estava certa.
Kiara, por outro lado, começou a contemplar dormir sem o peso da gravidade sobre si, não parecia ruim depois dos trinta primeiros segundos. Estava completamente acomodada quando escutou a voz de Uraraka liberar sua individualidade, fazendo-a despencar até a cama, o impacto acabando de derrubar os ursinhos que não havia caído de primeira.
- Tá legal, eu acordei! - reclamou ela, os braços estendidos ao redor do corpo enquanto observava as duas colegas comemorarem.
Kiara nunca foi a pessoa mais sociável do mundo, mas não era tímida e muito menos introvertida. Talvez, preguiçosa, mas isso nunca foi necessariamente um problema para ela. Não era um problema, afinal, tinha sua cota de amigos e estava bastante feliz com isso.
Por isso também não se preocupou muito quando trocou de escola no início do segundo ano, quando um dos alunos havia desistido por não aguentar a pressão de se formar herói. Se tudo tivesse corrido bem, Kiara teria entrado na U.A. ainda no primeiro ano, afinal, sua aprovação nos exames havia sido mais do que suficiente para tal, mas nem tudo acontece conforme o planejado, e apesar de tudo, lá estava ela.
Não tinha a pretensão de fazer amigos, na verdade achava quase impossível. Um ano inteiro havia se passado e certamente a turma já deveria ter se dividido em vários subgrupos os quais provavelmente não estavam dispostos a aceitar uma novata vinda de outro país, mas lá estava ela, de pé às oito da manhã de um domingo porque Mina queria sorvete.
Não que ela fosse amiga de todos os colegas da sua turma, sinceramente não lembrava o nome de metade deles, conversava com certa frequência com Iida e Izuko, havia Shoto também, mas ele conseguia ser tão comunicativo quanto ela, e então Mina e Uraraka, que por algum motivo que ela ainda não entende, grudaram nela igual fungo na unha do pé, e ela era arrastada pelo menos uma vez por semana para uma "reunião" que as garotas costumavam fazer no quarto de Momo, não que ela reclamasse disso, o colchão da garota era divino.
Ah, e havia o garoto com cabeça de pássaro, Kiara adorava ele. Nunca trocaram uma única palavra, era perfeito!
No mais, era isso o que conhecia dos alunos da sua turma.
- Até que fim.
Kiara olhou na direção da voz de Mina, que parecia comemorar sua chegada, não havia mais ninguém além delas ali, o que era compreensível, no fim de semana a maioria dos alunos ia para casa, e era domingo! Quem é o doente que deixa a cama de propósito em um domingo livre?
- Vamos, então? - Kiara chamou, já indo na direção da porta principal do alojamento.
- Você não vai tomar café da manhã?
- Vou sim, vai ser sorvete. - declarou a garota.
A sua individualidade lhe permitia esse tipo de deslize, sua dieta era basicamente nenhuma, ela tinha somente uma média de calorias que deveria ingerir todos os dias para manter a forma, que era pelo menos cinco vezes mais do que o indicado para pessoas normais, mais da metade disso ela consumia através de suplementação alimentar.
Ochako logo a acompanhou seguida por Mina, Kiara estava prestes a alcançar a maçaneta da porta quanto esta foi aberta revelando as pessoas que estavam do lado de fora.
- Oi, Deku, bom dia! - Uraraka foi a primeira a se pronunciar quando viu o rapaz, que parecia ter sido atingido por um desastre natural. e como sempre, Deku saudou a todas com a sua costumeira educação.
- Oh, nerd, sai da frente! - reclamou o possível desastre natural que estava tão, ou mais, arrebentado que Deku.
O loiro passou por todos reclamando de algo, impossivelmente irritado para um domingo de manhã. Se bem que, Kiara pensou, era domingo e eles já estavam naquele estado, se fosse ela também estaria de mau humor. Não que acreditasse que Bakugo precisasse de um motivo para ficar irritado, bem, já havia notado que ele não precisava. Talvez ele já tivesse nascido daquele jeito, com um humor pior que o inferno.
Chegou a essa conclusão depois de, na primeira semana na U.A., ter o chamado de Katsuki. Ele gritou com ela por cinco minutos seguidos. Depois disso, Kiara achou que seria muito bom para os seus ouvidos manter uma distância segura.
Ainda não era capaz de entender como ele conseguiu amigos.
- Manhã agitada? - Kiara perguntou a Deku.
O rapaz deu de ombros, parecia um pouco envergonhado sabe-se lá por qual motivo no mundo. De dez vezes que falava com ele, em onze ele parecia nervoso ou envergonhado.
O garoto coçou a nuca e sorriu.
- Um pouco. É sempre intenso treinar com o Kacchan.
- Eu acredito. - Mina se adiantou. - Ei, estamos indo tomar sorvete, quer ir conosco?
Izuko acabou declinando do convite educadamente, e as meninas o deixaram ir. Kiara se perguntou se as meninas a deixariam em paz caso treinasse com Bakugo também, mas o plano seria inviável considerando... bem, considerando tudo.
Kiara se sentiu um pouco mais acordada quando se sentaram na mesa da pequena sorveteria que ficava próximo a U.A., e apesar de ainda estar mentalmente reclamando por ter tido que levantar cedo em um domingo, gostava da companhia das meninas. Adorava a animação de Mina e o jeito gentil de Ochako, adorava também o fato da segunda parecer um ursinho, mas um ursinho que derrubaria, sem culpa, toneladas de pedra em cima de você.
- Ei, Kiara, você está animada para o acampamento? - perguntou Mina.
Kiara, por sua vez, levou uma colher do sorvete de menta com chocolate à boca enquanto pensava na resposta.
- Quer dizer, o mesmo acampamento onde vocês no ano passado foram atacados e quase sequestrados? - perguntou ela.
Mina estreitou os olhos na direção de Kiara como se estivesse a analisasse em silêncio, depois voltou-se para Ochako.
- Eu nunca sei quando ela está falando sério. - declarou.
Ochako acabou rindo.
- Eu também não sei. - respondeu.
As duas haviam encurralado Kiara na primeira semana de aula, Mina (e as outras meninas) estava eufórica com a aluna nova, que poderia ser considerada um hiper upgrade considerando que ela estava na turma devido a desistência de Mineta do curso de heróis. E era uma garota! Adorava seus amigos, mas era cansativo às vezes ficar ao redor de tantos garotos, porque.. bem... são garotos.
E Kiara era legal e engraçada do jeito dela, quer dizer, não sabia se era o sotaque, mas era difícil às vezes determinar quando ela estava falando sério ou não. Dificultava um pouco ela falar quase sempre como se tudo fosse uma grande idiotice, mesmo quando ela não queria soar assim.
Kiara franziu a sobrancelha como se estivesse em dúvida.
- Ué, pensei que vocês tivessem sido atacados ano passado. - declarou ela ainda parecendo confusa.
- Nós fomos... - respondeu Ochako. - E aí, animada?
Kiara voltou a prestar atenção no seu sorvete.
- Não muito. - resmungou. - Que tipo de acampamento de verão é esse onde você treina todos os dias?
Aquela era a preocupação?
Mina riu diante da resposta óbvia, é claro que Kiara não tinha gostado da ideia, era a pessoa mais preguiçosa que conhecia, acreditava que se a deixassem dormindo em algum lugar, a encontrariam na mesma posição quando voltassem. E de um jeito estranho, mesmo com toda aquela indisposição para viver, tanto Ochako quanto Mina sabiam que a garota era brilhante. E pensar que acreditou que a novata teria dificuldades em acompanhar o resto da turma.
Mas lá estavam elas, à uma semana do acampamento de verão, que teoricamente seriam as suas férias.
- As férias mais filhas da puta já vistas na história da humanidade. - reclamou Kiara, como se estivesse lendo os seus pensamentos.
O mais provável, na verdade, é que ela estivesse pensando sobre o mesmo assunto que ela.
- E é por isso que eu sinto saudades do Brasil. - murmurou. - Disso, e de comer pastel.
- Mas e os seus pais? - perguntou Ochako.
- Ah, é. - exclamou Kiara como se só agora se desse conta disso. - Tem eles também, e do idiota do meu irmão.
Ainda não conseguia acreditar que ele iria casar, sinceramente achava que sua cunhada conseguiria coisa melhor na vida que um garoto que escolheu o nome da irmã com base no filme Rei Leão, o dois. Pensando bem, o que poderiam dizer dos pais que delegaram a tarefa de escolher o nome da filha a uma criança de oito anos?
Mas apesar de reclamar bastante, Kiara estava um pouco animada para o acampamento, seria uma coisa diferente e ela gostava de coisas novas. Mudar de ares nunca foi um problema, e ela não era de fazer corpo mole para as coisas que considerava importante, ela poderia reclamar, certamente reclamaria muito, porque reclamar é de graça, mas ela se esforçava e se esforçava bastante para tudo.
Exceto, talvez, para levantar cedo em um dia de domingo livre.
- Você deveria ao menos ter cumprimentado as meninas.
Bakugo parou antes de alcançar o segundo patamar das escadas somente para encarar o idiota por cima do ombro.
- Foda-se? - respondeu irritado.
Não precisava ser educado com gente que não conhecia direito, bom, Mina ele conhecia bem demais até, e a cara de lua também, mas não tanto quanto a etzinha rosa. Resumindo bastante, ele só não conhecia mesmo a novata. Mas não teria tido outra atitude mesmo se a conhecesse, não estava a fim de falar com ninguém e não seria a opinião do idiota do Deku que mudaria alguma coisa.
- Bom dia. - olhou para o lado, assustado.
- Cacete, se for para continuar aparecendo assim de repente coloca um sino no pescoço!
O meio a meio o encarava com aquela cara de nada que ele carregava para cima e para baixo, parecia um tonto.
- Ah, ele perdeu de novo? - ele perguntou a Izuko, que respondeu com um sorriso nervoso.
O loiro passou por ele irradiando ódio puro e genuíno, iria se trancar no quarto ou acabaria mandando um dos seus amigos pelos ares.
Batendo a porta com força, Katsuki finalmente se deu liberdade para se livrar de toda a sua raiva e frustração.
No quarto ao lado, Kirishima acordou assustado quando Katsuki socou a parede.
(...)