Tenham uma ótima leitura :-)
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Petrificado como uma estátua achava que os olhos lhe mentiam. O corpo daquela mulher sequestrava-lhe as palavras. Um trovão forte rosnou no céu tempestuoso e com toda força que tinha, Ohali empurrou o cadáver para ao lado pulou do contentor e correu. Quase que foi atingido com um enorme ferro que se partiu do telhado e levantou uma cortina de poeira. Teve um ataque de tosse por instantes e mal podia enxergar. Fechou olhos e ergueu os braços até face para traspassar a pequena tempestade de poeira que se formara. Quando saíu do compartimento onde estava aventurou-se a enfrentar o pequeno pântano, porém quanto mais corria mais as poças de lama puxavam-no para baixo.
- Socorro! - gritou quando caiu, ficando todo enlameado.
Ohali caia cada vez que tentava pôr-se em pé, parecia que a chuva e as trepadeiras daquele lugar armavam encarcerá-lo, porém, depois das vãs tentativas de se levantar decidiu engatinhar até alcançar a saída. Os relâmpagos serviram-lhe de lanterna enquanto ele tacteava o chão lamacento.
- Irina?! - Gritou quando pareceu-lhe ver a silhueta da mãe, mas os clarões evidentemente o mostraram que estava alucinar.
- Irina! Mãe por favor ajuda-me! - gritou chorando. Mas como podia a tempestade ter pena dele? A própria chuva ocultava as suas lágrimas! Se o Ohali estivesse a chorar ou não, ninguém poderia saber. Ohali continuou a gritar pois era mais fácil acreditar numa ilusão do que encarar a realidade de que ninguém estava lá para o ajudar.
Como reposta aos seus desesperados gritos só havia os trovões incessantes. Quando ele menos esperava os clarões iluminaram de uma tal maneira que ele conseguia ver a passagem e tudo a sua volta. Enfiou-se na abertura, por instantes ficou preso - o corpo rechonchudo não ajudava decerto. Fez um grande esforço até que o arame rasgou boa parte da sua camisa. Por fim conseguiu escapar e rumou a sua casa.
Acelerou os passos e chegou finalmente ao quarteirão próximo da sua casa. No extremo da sua correria
tropeçou e cambalhotou contra uma das casas causando um estardalhaço.
Uma senhora abriu a porta olhou-o dos pés à cabeça e reconheceu o rostinho pálido e assustado de Ohali.
- Entra filho - disse a mulher.
- Obrigado! - respondeu Ohali aos soluços.
- Senta-te filho.
- Humbita, traga uma toalha por favor - disse.
Depois de o terem secado e cuidado dos ferimentos. Ohali, cabisbaixo, aconchegava-se na manta enquanto bebericava o copázio de chá de camomila que o ofereceram tentando não encarar os olhos da senhora e da filha
que o olhavam fixamente a espera de explicações.
- Beba mais filho - Disse a Sra. São quebrando o silêncio. - Vai acalmar-te.
- Que fazias lá fora com essa tempestade? - indagou Humbita.
Ohali fitou o chão e depois a ela e não respondeu.
- Ouça filho, se não quiseres falar está tudo bem não vamos...
- Eu só estava a fazer um recado aqueles tontos é que sempre querem me bater agora não tenho, Irina vai me... E depois aquele lugar... Aquela mulher...
- Calma filho - disse a Sra. São acariciando-lhe o ombro. - Ninguém vai te machucar.
- Que lugar? Que mulher? - perguntou Humbita intrigada. Ela observou muito bem como as pupilas do rapaz se dilatvam e como a pele ficava arrepiada a cada palavra que dizia.
- Humbita para! - murmurou a Sra. São com um olhar muito severo.
- A Irina vai me bater - Balbuciou o rapaz soluçando.
- Irina? - perguntou Humbita.
- Não sejas parva! A mãe dele! - Observou Sra. São enrugando o rosto.
- Oh, a filha da falecida Suzana - lembrou-se Humbita.
O nome Suzana ecoou nos ouvidos de Ohali, ele nunca soube do nome da sua avó, Irina nunca mencionara.
Ohali contou sobre o acontecido, mas omitiu a parte de ter visto um cadáver e ouvido os supostos assassinos não se sentia nada confortável em falar sobre aquilo, muito pelo contrário, ele queria esquecer tudo o mais rápido possível.
- Ah coitado! - disse a Sra. São abraçando o rapaz.
- Basta! - vociferou Humbita batendo com os punhos na mesa. - Vê nos bandidos que esses miúdos estão a se tornar mãe?
- Que mais podemos fazer filha?
- Devia ter acabado com a raça desses pirralhos quando tive a chance.
- Ah! Sejamos realistas filha!
- O problema é que a mãe é demasiado piedosa com esses cães!
- Não sejas...
- "Parva" - atalhou Humbita. - é só isso que sabe dizer mãe?
- Já chega! - berrou Sra. São.
- Foi bem aqui! - sublinhou Humbita. - Nesta sala. Mãe nós tínhamos uma arma na gaveta, e você o que fez? Nada! Nada!
- Basta! Não sejas parva - insistiu a Sra. São.
- Sabe mãe, devia ter dito isso a si mesma quando viu o pai morrer nas mãos desses sujos delinquentes e não conseguiu fazer nada!
Humbita levantou-se exaltada entrou num dos comôdos atirando a porta abruptamente. Ohali olhou confuso para Sra. São e decidiu oferecer-lha o chá.
- Não, Obrigada! - respondeu.
- Olha filho eu posso te oferecer um pouco petróleo. Volto já.
- Ok!
Quando ficou só. Ohali aproveitou para contemplar a sala. Olhou em redor além das belas mobílias rústicas viu os os retratos de uma família muito feliz. A foto que mais lhe chamou atenção foi a do Senhor com o uniforme.
«É dele que ela estava a falar?» palpitou.
Não conseguia imaginar como aqueles patifes poderiam roubar o sorriso tão nobre daquele homem.
- Aqui tens! - disse Sra. São aparecendo subitamente atrás do rapaz - que deu salto de susto.
- Muito obrigado, mesmo! - respondeu Ohali. - A Sra. São é sempre tão amável comigo. Obrigado por tudo mas não vou precisar do guarda-chuva.
- Por quê? Deixa-me te acompanhar ao menos.
- Não obrigado - disse.
- Está a chover muito filho, olha bem para ti! a tua roupa! Como vais explicar?! A tua mãe de certeza que te bate não confio nada nela - Insistiu a Sra. São. - vais precisar da minha companhia filho, de certeza!
Ohali encarou-a por alguns instantes e depois apontou para a foto. A Sra. São emocionada, levou as mãos a boca lacrimejando; a foto mostrava Humbita com uma farda na academia militar nos seus vinte e poucos anos abraçando o pai. O mais extraordinário foi que a luz do candeeiro se intensificou de tal maneira que a penumbra deste formou um coração que envolvia o retrato.
***
- Ohali...
- Ohali!
- Ohali!
Despertou dos pensamentos recentes e quando se apercebeu estava na sala a frente do candeeiro a ouvir os berros de Irina.
- Coloca a tua maldita cabeça no lugar - gritou. - A sopa está pronta.
- Não estou com fome - disse.
Irina relanceou-o confusa e deu de ombros. Ohali foi até ao baú onde guardava as coisas e tirou de lá uma um lápis e o bloco de desenho que Sra. São lhe oferecera há algumas semanas.
Enquanto Irina servia-se, Ohali esboçava a senhora do retrato na sala que antes desconhecia o nome. Apagava e reesboçava, observava calmamente cada traço do semblante risonho da avó. Para alguém da sua idade, os seus esboços eram deslumbrantes.
- Suzana - Disse Ohali quebrando o silêncio. - Era assim que ela se chamava?
A Irina paralisou por alguns instantes quando ouviu nome da mãe, fitou-o e nada disse.
- E...Eu gostaria de tê-la conhecido - balbuciou. - Quer dizer, e...eu mal te conheço...
- Para! Para imediatamente - resmungou a Irina.
- Eu gostaria de a conhecer mãe - insistiu.
Ohali nunca conversara com a mãe, o máximo que ele ouvia dela eram ralhetes.
- Suzana Conceição foi o nome dela - murmurou a Irina. - E acho que está muito melhor onde quer que ela esteja.
Ohali ficou boquiaberto nunca antes a Irina se abrira com ele desta maneira. Ele viu os olhos delas a reluzirem, quase que ela lacrimejava.
- E o teu pai? - indagou Ohali curioso.
- Já basta de perguntas! - Agora agora venha servir a porcaria da sopa - Disse cutucando os olhos.
- Não tenho fome!
- E quem é o meu pai?
Irina pegou numa caçarola ao seu lado e atirou-a com tanta força provocando um estrondo na porta que se sobrepujou ao som da chuva por alguns segundos. Felizmente Ohali havia esquivado e não se atreveu a fazer mais nenhuma pergunta.
- Traga a caçarola - vociferou a Irina.
Quando Ohali apanhou o objecto do chão Irina aproveitou o momento para espiar o que ele desenhava, e qual foi o espanto dela quando viu o a magnífica capacidade que o seu filho tinha. Sim! Ela via o rapaz a rabiscar na folha todos os dias é o que ele sempre fazia, mas nunca imaginara que os desenhos fossem tão realistas. A expressão da Irina passou de estupefacta para fruiosa. Ela rasgou o desenho, agarrou Ohali pelas golas, já semi-rasgadas, e disse:
- Quem te deu autorização de desenhar aquela velha. Não sabes de nada seu pirralho, não sabes de nada.
- Desculpa! Eu só queria...
- Cala a boca!
Quando Irina estava prestes a esbofetear Ohali ouviu-se um violento bater da porta por mãos impacientes.
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