Trem para Barrymore [CONCLUÍD...

By LuckVianna

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VENCEDOR DO GRANDE PRÊMIO - WATTYS 2023 🎖 "NĂŁo pode ser coincidĂȘncia que nossos destinos tenham se cruzado j... More

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PrĂłlogo - "Embarque"
Capítulo 1 - "Do outro lado, o que há?" ‱ Parte 1
Capítulo 2 - "Do outro lado, o que há?" ‱ Parte 2
CapĂ­tulo 3 - "Cartas ao limbo"
CapĂ­tulo 4 - "Borboletas de lugar nenhum"
CapĂ­tulo 6 - "Criminosos a bordo"
Capítulo 7 - "O sumiço dos girassóis"
CapĂ­tulo 8 - "Nunca subestime a tempestade"
CapĂ­tulo 9 - "Fim do mundo Ă  meia-noite"
CapĂ­tulo 10 - "Trem fantasma"
CapĂ­tulo 11 - "Anjo das duas faces"
CapĂ­tulo 12 - "Jantar dos esquecidos"
CapĂ­tulo 13 - "Brindamos ao abismo"
Capítulo 14 - "Últimas horas antes do fim da linha"
"Páginas não lidas do Diário Montgomery" ‱ Parte 1
"Páginas não lidas do Diário Montgomery" ‱ Parte 2
CapĂ­tulo 15 - "NĂŁo hĂĄ nada do outro lado"
EpĂ­logo - "Desembarque"
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CapĂ­tulo 5 - "Entranhas do desconhecido"

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By LuckVianna

26 de outubro. Madrugada.

Estava chovendo. Pela primeira vez naquela semana, uma chuva fina e silenciosa cobriu cada centímetro dos vagões — e também foi capaz de limpar o sangue que restou sobre a superfície metálica.

Dominic Cooper havia retornado para dentro do trem há poucos minutos, depois de uma corrida do lado de fora. Passou pela porta no hall de entrada, trocou as roupas molhadas por secas e se deitou depois de verificar se Austin McCarty estava na cama no outro lado do dormitório.

Nic gostava de correr porque, às vezes, correr era tudo o que tinha. Seu corpo podia chegar a certo estado de euforia que continuar parado o faria enlouquecer. Também era por isso que Dominic não gostava de lugares pequenos, do escuro ou de permanecer com os olhos fechados por muito tempo. Precisava estar sempre acordado.

Em geral, o Cooper não era bom lidando com situações que exigiam paciência e calma. Isso nunca funcionou para ele. Inacreditavelmente, no entanto, aquela foi a primeira vez em anos que havia passado mais de vinte minutos sem acordar de repente, assustado, depois de se deitar. Só que não durou muito tempo.

Havia um barulho terrível vindo de algum lugar próximo. Soava como se uma parede áspera estivesse sendo arranhada por alguém. Quando abriu os olhos, o Cooper foi surpreendido pela imagem esquisita de Austin sentado sobre a outra cama, imóvel e com os olhos arregalados. O loiro encarava perdidamente a janela do quarto.

— Os corvos estão aqui de novo... — exclamou.

Austin caminhou até a janela e prendeu com cuidado o tecido que a cobria. Depois disso, o menino espremeu os olhos e torceu para que aqueles pássaros fossem embora. O barulho lhe causava arrepios.

— Você está bem? — Dominic perguntou, ao sentar-se na cama.

— Estou. Acordei há meia hora, com um barulho esquisito. Não eram os corvos. — o loiro caminhou até a porta, impaciente.

— O quê? O que foi que houve? — perguntou Nic.

— Não queria acordar você. Eu ouvi alguém no lado de fora. — Austin guardou as duas mãos no bolso do casaco que tinha acabado de vestir. — Antes disso foi um grito. Depois ouvi algumas pessoas discutindo, uma lanterna passando rapidamente pelo corredor. Vi por debaixo da porta. — explicou Austin. — Acha que devemos dar uma olhada?

— Com certeza. — Dominic pulou da cama e vestiu o primeiro casaco que encontrou. — Alguém pode ter se ferido, ou talvez tenham descoberto alguma coisa. — ele caminhou até a porta e então se virou para o outro menino. — Você não vem?

— Eu... não sei... — Austin hesitou, tentando disfarçar o receio. — Acha mesmo que é seguro?

— Eu diria que não. Mas eu quero ajudar, se for necessário. E não gosto da ideia de você sozinho neste quarto escuro durante a noite. — Dominic ajeitou o cabelo rapidamente e depois caminhou até o corredor. — Eu vou estar do seu lado. Vem ou não? — ele estendeu a mão para Austin.

Os dois meninos se deslocaram pelo corredor estreito e barulhento que os esperava. Quando encararam a porta do vagão do quiosque, que ficava na direção contrária, viram as taças penduradas sobre o balcão balançando de um jeito violento, chocando-se umas nas outras — havia uma janela aberta no canto, potencializando a corrente de vento que entrava. Era muito assustador. Eles tomaram o caminho oposto.

Austin só se soltou de Dominic quando encontraram as luzes das lamparinas, no salão de jantar. Se perguntaram o porquê de as lâmpadas não estarem ligadas, embora tenham percebido logo em seguida: algo ruim havia acontecido e ninguém queria que os demais passageiros fossem acordados.

Capucci fez sinal com o dedo indicador para os dois, pedindo que fizessem silêncio. Quando Dominic olhou para o lado esquerdo, enxergou Olivia Armstrong sentada perto da janela, encolhida e debruçada sobre os próprios joelhos. Claire, Charles e Bethany estavam lá também.

— Eu só demorei dois minutos, Thomas. Foram... foram dois minutos. — explicava a moça, com as mãos trêmulas e os olhos encharcados. — Quando retornei à cabine, Chariot não estava mais lá.

— Fique calma. Nós vamos encontrá-la. — respondeu o rapaz.

— Chariot Green desapareceu? — Dominic falou em voz alta. Foi repreendido logo em seguida, por todos que estavam naquele salão. — Desculpe. Chariot Green desapareceu? — ele repetiu em um sussurro.

Capucci confirmou a situação com um balançar de cabeça. Todos eles, então, caminharam até o quarto de Olivia e puderam presenciar a cena: a janela estava escancarada e a ventania forte era capaz de causar um incômodo aos olhos dos passageiros.

Revirando algumas coisas que estavam em cima da cama de Chariot, Olivia acabou encontrando uma pequena caixa com algo esquisito do lado de dentro: eram insetos mortos. Pequenas borboletas com suas asas ressecadas e um pigmento azul que manchava o interior da caixa.

Ela lembrava-se de que Chariot mencionou gostar muito de insetos como aqueles. Em uma conversa anterior, inclusive, a vítima havia contado que se comunicava com as borboletas — eu e você já sabemos disso, é claro. E agora Olivia podia entender que nada daquilo era real. Estava somente dentro da cabeça de sua colega de quarto. Ex-colega de quarto.

Olivia guardou a caixa dentro do armário sem dizer nada e voltou para perto dos outros passageiros.

— Então... ela escapou pela janela? — sugeriu Bethany.

— É possível. Bem, quero dizer, tudo indica que sim. — concluiu Thomas, apoiando os braços sobre a beirada da janela. — Pode ter ido para a floresta ou em direção ao caminho pelo qual viemos. Não é uma certeza ainda, mas...

Ela ainda está no trem. — murmurou Charles.

— O que disse? — Thomas virou-se para ele.

— Disse que a garota ainda está no trem. Pense comigo, Sherlock. — provocou ele, acariciando o próprio queixo. — Olivia disse que ela estava aflita, com medo, na última vez em que a viu. Não teria saído sozinha pela floresta, sequer teria saído debaixo dessa chuva. Não é mais provável que ela tenha ido, ou melhor, que tenha sido levada para algum lugar deste enorme labirinto? Estamos certos de que só visitamos vinte ou trinta por cento do trem até agora.

— Eu odeio admitir, mas... — Claire interveio. — Charles está correto. A janela aberta é uma pista falsa sem dúvida alguma. Quem quer que a tenha sequestrado, queria que perdêssemos tempo.

— E isso não foi a única coisa, ruiva... — complementou Bethany, enquanto observava a estante ao lado da cama da srta. Green. — Acho que deveria haver uma joia aqui. Não? — ela virou-se para Olivia. O suporte em forma de tórax estava vazio.

— Ah, minha nossa! — Ollie correu até lá. — Não levaram somente a doce Chariot. Levaram também a única lembrança de valor sentimental que ela guardava...

— Entendi. O nosso passageiro anônimo está brincando conosco. — disse Charles. — E agora, o quê? Iniciaremos uma expedição pelo trem, em busca da joia perdida e da garota? — ele satirizou.

— Eu estou dentro. — Dominic ergueu a mão.

— Esperem. Eu não sei se é uma ideia inteligente da nossa parte... — Thomas quis sugerir.

— Thomas. — Claire segurou o seu braço. — Sabe que não ajudaremos muito se continuarmos parados aqui sem tentar alguma coisa. Eu sei que parece um tiro no escuro, mas é o único jeito.

— Eu não quero que aquela garota seja o terceiro corpo a cair. — Bethany recebeu olhares inquietos. — Digo, não quero que haja um terceiro corpo para cair. Vamos procurar por ela de uma vez.

Eles caminharam até o vagão principal. Faltavam mais ou menos quatro horas até o amanhecer e gostariam de retornar antes que os demais acordassem. Bethany e Claire apanharam um casaco em suas cabines, enquanto que Dominic se despediu de Austin — o loiro decidiu que não era tão da ideia de percorrer o interior de um trem desconhecido no meio da noite.

Os dois afastaram-se depois que Cooper repetiu aquele pequeno sinal com os dedos, involuntariamente. Dessa vez, de um jeito engraçado, o loiro devolveu a ele o sinal. "Estou te vigiando".

Estavam prontos.

Bethany pôs a mão sobre a maçaneta que desencadearia o próximo vagão — no sentido sul, pelo qual seguiriam em busca de qualquer pista. Antes de abrir a porta, no entanto, uma passageira adentrou o salão pela entrada oposta, chamando a atenção.

— Charles! — a voz de Margaret foi capaz de percorrer o corredor inteiro em milésimos de segundo. Capucci a repreendeu imediatamente, pedindo para que não causasse pânico. — Charles... procurei você por todo lugar! Levei um susto quando acordei de repente e, ao me virar para o lado, não o vi. Onde esteve?

— Querida, volte para a cama. — respondeu ele, entre dentes. — Estamos lidando com coisas... coisas esquisitas. É mais seguro que fique na cabine até o amanhecer.

— Do que está falando? — Margaret levou as duas mãos à cabeça. — Oh, minha nossa! Mais alguém morreu?

— Ainda não. É o que estamos tentando descobrir. Agora, querida, se nos dá licença... — um suspiro descontente seguiu a sua fala.

— Como assim? Impossível! Querido, não espere que eu volte para o meu quarto depois de saber que alguma coisa ruim aconteceu a alguém neste trem. Não posso deixá-lo correr perigo! — Margaret grudou-se aos seus braços.

— Margaret. — a voz dele se tornou mais grosseira. Charles segurou o braço dela com força, como costumava fazer sempre que sua paciência era abalada pela esposa. — Não se lembra mais do que combinamos antes do início desta viagem?

— Que... que eu não iria perturbá-lo. — respondeu a mulher, cabisbaixa. — E que algumas coisas não são da minha conta.

— Então o que ainda está fazendo aqui? — continuou ele, fitando-a com um ar de superioridade.

— Eu sinto muito. Eu... eu sinto muito. — Margaret se afastou dele sem fazer muitos movimentos. Pouco a pouco, a sua voz melancólica de pedidos de desculpa foi ficando cada vez mais distante, até que ela finalmente desaparecesse no fim do corredor.

O restante dos passageiros permaneceu calado, a não ser pelo olhar desconfortável que Bethany desviava até Dominic, de vez em quando. Ela realmente não gostava da ideia de ter alguém como Charles Bourregard naquele trem.

— Enfim, nós estamos indo. — disse Capucci, ao se aproximar de Olivia. — Ollie, quero que fique aqui e espere até que retornemos. Não sei dizer exatamente em que ponto este veículo termina, mas andaremos o maior caminho possível. E...

— Thomas, preciso que saiba de uma coisa antes de sair deste vagão. — sussurrou Olivia, o interrompendo. Ela se certificou de que ninguém estava encarando eles dois. Diferente do que pensou, porém, havia alguém ouvindo aquela conversa: Dominic.

— Pode me contar qualquer coisa. — respondeu o rapaz, concentrado.

— Mais cedo, um pouco antes de eu ter deixado Chariot sozinha na cabine... — um nó se formou em sua garganta. — ela me mostrou uma coisa. — Olivia tirou um pedaço de tecido do bolso do casaco. — Aqui está. Chariot desenhou isso em uma de minhas pinturas porque não conseguia explicar exatamente o que queria. E, a propósito, eu estava indo atrás de você quando a deixei.

— Quem são essas pessoas? — questionou Thomas, agarrando o tecido.

— Eu também gostaria de saber. Mas... a não ser que eu esteja enlouquecendo, acho que está bem claro a identidade de um deles. — Ollie apontou para o boneco que tinha cabelos avermelhados.

— É. Eu entendi, Olivia. — Capucci guardou o pedaço de tecido com ele e olhou para os lados rapidamente. — Não se preocupe. Quando eu voltar, descobriremos o que isso significa. E... antes de ir, quero pedir mais uma coisa.

— O que foi? — Olivia concentrou o olhar no rapaz, tentando estabilizar a própria respiração.

Quero que fique de olho. — ele sussurrou. — Seja lá quem fez isso com a Chariot, com o Collin e com o maquinista, é quase absolutamente verdade que continua no trem. Sendo assim, tome cuidado e... permaneça em alerta.

— Eu vou. — Ollie segurou as mãos de Capucci com força por um momento. Depois disso, arrumou a boina sobre os cabelos e se afastou.

Bethany, Dominic, Claire, Thomas e Charles saíram do salão de jantar pela porta que ficava no sentido sul. Quando chegaram no quiosque, Bethany observou o caminho através da pequena janela de vidro na porta e pôde avistar uma sequência de vagões exatamente idênticos, vazios e escuros. Um arrepio percorreu o seu corpo.

Então eles seguiram. Dominic foi o último a cruzar a passagem, despedindo-se da "área compartilhada" do trem e adentrando de uma vez o desconhecido. Esqueceram-se, algum tempo depois, de que a situação era tão horripilante. Claire cedeu ao papo infantil e asqueroso de Charles Bourregard — o homem tinha algum tipo de dom para deixar qualquer um sem paciência. Quanto aos outros três, andavam juntos alguns passos atrás.

— Precisamos falar sobre um detalhe para o qual ninguém está dando muita atenção... — disse Bethany, em voz baixa. Ela cruzou os braços enquanto seguiam o grupo.

— O que foi? — perguntou Capucci. Ele e Dominic se aproximaram da garota o suficiente para que o restante não ouvisse a conversa.

— O jeito com que Charles Bourregard trata a esposa. Não é estranho para nenhum de vocês? — sugeriu ela. — Ele é um absoluto idiota! Não entendo o fato de ninguém ter feito nada até agora.

— Ela está certa. E eu não me surpreenderia se um homem que odeia a própria a esposa fosse, na verdade, um assassino. — Dominic deu de ombros. — São duas coisas que combinam.

— Para ser sincero, estou esperando pelo momento em que ele vai passar dos limites e eu poderei agredi-lo tendo um motivo. — Capucci começou a falar, impaciente. — E acho que será em breve.

— A propósito... — Nic tomou a palavra outra vez, um pouco nervoso em falar sobre aquilo. — Thomas, eu ouvi você e Olivia conversando antes de sairmos. Ela afirmou que deixou Chariot sozinha por só dois minutos antes de ela desaparecer, não foi?

— Correto. — respondeu o homem.

— E também disse que estava indo falar com vocês sobre o que ocorreu... — Nic suspirou. — Mas ela não foi. Voltou para a cabine ao invés disso, e então se deu conta de que a menina havia desaparecido. Não soa estranho?

— Legal. Isso é um bom ponto. — Bethany o interrompeu. — Todos no trem são suspeitos, não são? É o que sempre dizem. E eu realmente suspeito de todos nós, com exceção do bilheteiro... porque seria óbvio demais. — ela suspirou. — Mesmo assim, se o corpo da esposa de Charles for o próximo a cair... não digam que eu não avisei. — ela apertou o passo.

Fascinado pela inconveniência — e abusando dela —, Charles Bourregard agarrou a atenção dos outros quatro de repente. Ele desferiu um chute contra a porta que separava o próximo vagão, na tentativa de abrir passagem.

— Está emperrada. Alguém gostaria de me oferecer alguma ajuda? — ele observou a alavanca na estrutura. O metal de apoio estava grudado à fechadura. Em seguida, o homem virou-se para Bethany, que era a pessoa mais próxima. — Tem certeza de que não quer tentar, donzela? Pode precisar colocar as suas mãos na massa em um momento futuro, quando estiver fugindo de um assassino. Comece a ajudar.

— Não se preocupe comigo, Charles. Tenho certeza de que não serei idiota o suficiente para deixar que uma porta emperrada decida o meu destino. Mas eu agradeço pela oferta. — Bethany semicerrou os olhos e tentou não encará-lo por muito tempo. Aquele sujeito lhe deixava enjoada.

O homem desferiu outro pontapé contra a fechadura. Assim, a passagem se abriu e eles puderam atravessá-la. Dominic manteve as mãos debaixo do casaco e procurou não tocar em nada que não parecesse seguro. A sensação de estar naquele corredor estreito e silencioso o deixava nervoso — nunca se deu bem com espaços pequenos, como eu já disse.

Cerca de dez ou quinze minutos se passaram. Os cinco passageiros observaram detalhadamente cada espaço presente naqueles vagões: não havia nada de interessante. O mais estranho é que eram quase todos iguais. A única diferença notável, conforme se afastavam cada vez mais, é que o ambiente estava ficando mais frio.

Dominic percebeu que a claridade da lua também estava desaparecendo, enquanto agarrava o próprio corpo para não congelar. Ele olhou para as janelas e notou que algumas delas tinham pedaços de madeira pregados sobre a estrutura.

— Por que acham que cobriram as janelas destes vagões? — perguntou Bethany, observando o cenário.

— A melhor hipótese deve ser que os abandonaram... — sugeriu Dominic. De repente, se deram conta de que a lamparina de Thomas era o único ponto de luz restante.

Criança, isso não faz o menor sentido. — Charles se aproximou do garoto. — Estes vagões pertencem ao mesmo trem o qual utilizamos para chegar aqui. Por que estariam grudados à locomotiva se tivessem sido abandonados?

— Sei lá. Pelo menos estou tentando ajudar. — Dominic passou por ele e se afastou. — Se conseguir listar cinco coisas que fazem sentido desde que chegamos aqui, você merece um prêmio, Bourregard.

— Encontrei alguma coisa! — a voz de Claire se tornou presente. A ruiva voltou até os outros quatro com o rosto sendo atingido pela lamparina e esticou a própria mão, revelando um pedaço de tecido.

— Me lembro disso. — Thomas apanhou o tecido. — É um laço de cabelo. Chariot Green estava usando isto ontem à tarde.

— Interessante. Primeiro encontramos o laço, depois o corpo. — Charles suspirou, com as mãos na cintura.

— Estou começando a achar que foi uma péssima ideia ter se juntado a nós nesta madrugada, Charles. — exclamou Capucci. — Você era melhor quando ainda não havia aberto a boca.

— Ah! Essa é a forma como você demonstra amor e carinho, detetive? — Charles espremeu os olhos e o encarou, inclinando a cabeça. — Fico feliz que goste da minha companhia.

— Eu já avisei, Charles... — respondeu o homem.

— Silêncio... — sussurrou Bethany. Os dois rapazes continuaram discutindo. — Silêncio! — gritou ela.

Havia uma porta que era diferente das demais pelas quais haviam passado para chegar até ali. Era uma porta metálica, espessa e com um tipo incomum de maçaneta — algo parecido com uma alavanca. Bethany grudou os ouvidos sobre a estrutura.

— Ouve alguma coisa? — sussurrou Dominic.

— Não... nada além do vento. — disse ela. — Chariot... Chariot, está aí? — Bethany concentrou-se no barulho que vinha do outro lado.

— Não é como se ela fosse respondê-la, srta. Hayes. — murmurou Charles, seguido de uma tosse premeditada.

— Certo, seu desgraçado. Você acabou com a droga da minha paciência. — Bethany se afastou da porta e começou a caminhar na direção do homem.

Claire foi quem a impediu de cometer um ato precipitado. Ela e Capucci agarraram os braços de Bethany e obrigaram Bourregard a permanecer longe. Enquanto isso, Dominic voltou a identificar o som anômalo vindo daquela passagem. Ele percebeu que cada vez que Bethany pisava sobre o chão amadeirado, tentando se soltar dos outros dois, a parcela inferior da porta se mexia. Significava que não estava totalmente trancada.

Então ele averiguou inteiramente a área pertencente à porta. Quando passou os dedos pela extremidade inferior, Dominic sentiu alguma coisa: havia uma elevação sob a borda da estrutura.

— Está emperrada... mas talvez... — comentou ele, sozinho. Porque o restante estava envolvido com aquela briga generalizada.

Dominic então puxou com toda a sua força a barra metálica inferior e percebeu a porta sendo empurrada levemente para a esquerda. Por fim se deu conta de que não estava trancada. Era uma porta deslizante.

O menino repetiu o movimento e puxou outra vez, agora direcionando a força para o sentido certo. A porta se abriu. Uma brisa gélida e barulhenta ultrapassou o corpo dos cinco passageiros que estavam no corredor, causando um arrepio imediato.

— Ele conseguiu. — exclamou Thomas, aproximando-se da passagem. Quando virou-se para o resto do grupo, porém, identificou o medo corroendo seus olhares. — Foram vocês que escolheram vir até aqui. Entrem de uma vez.

Capucci foi na frente. Dominic estava na sua cola e os outros três mais para trás. O cenário era ainda mais escuro, congelante e visivelmente desagradável que os vagões anteriores. Suas paredes equidistantes causavam a sensação de sufocamento.

O Cooper percebeu, depois de um tempo encarando o espaço sob a luz da lamparina de Thomas, que aquele não era um vagão comum. Aparentemente, era uma sala em desuso.

— Também estão sentindo este cheiro? — Bethany cobriu o nariz com as duas mãos, espremendo os olhos.

— Acho que é algum tipo de câmara. Não me perguntem o que costumava ser guardado aqui, mas provavelmente esta sala não é aberta há um tempo. — explicou Nic.

— É possível que costumassem carregar cargas aqui dentro. Embora este seja um trem de viagem, era comum que isso acontecesse alguns anos atrás... — sugeriu Charles, averiguando o ambiente ao redor. — Contrabando, talvez. Por isso as janelas bloqueadas e os vagões abandonados.

— Tudo aqui soa tão estranho. Digo, quais as chances de isso ser... por acaso? — Claire os encarou. — É impossível que não haja uma ligação entre o culpado pelos assassinatos e este... este covil.

Enquanto teorizavam acerca da situação, Bethany se afastou do restante do grupo e começou a observar as paredes. Utilizou a lanterna para perseguir alguns rastros deixados sobre a estrutura e, enquanto passava o dedo indicador sobre as marcas, percebeu que não haviam sido causadas por objetos. Eram arranhões, sinais de unhas humanas.

A Hayes afastou ligeiramente os olhos da parede. Apontou a lanterna para o espaço seguinte e, assim que o fez, teve uma surpresa. Ela jogou o próprio corpo para trás imediatamente, emitindo um grito abafado e derrubando a lanterna no chão.

— Meu... meu Deus! — disse, com os lábios tremendo.

Dominic juntou a lanterna e a ajudou a levantar. Quando o garoto voltou os olhos para aquela direção, sentiu o mesmo desespero internalizado que Bethany. Havia um conjunto de correntes presas à parede. Um pouco abaixo, manchas escuras e impregnadas no chão.

— Minha nossa. — Capucci se aproximou dos dois jovens, colocando a lamparina sobre a estrutura. — Acho que este lugar contém mais história do que pensamos.

Dominic engoliu em seco. O rapaz afastou-se dos demais e tentou concentrar-se em respirar fundo — aquela sala pequena estava deixando-o ansioso de novo. Enquanto apoiava as mãos sobre o chão empoeirado, sentiu alguma coisa debaixo de seus dedos. Por trás da poeira e de uma pintura mal feita, havia um relevo diferente do restante do solo.

— Eu acho que encontrei mais alguma coisa! — gritou Dominic, embora não tenha recebido atenção de nenhum deles. — Que... que droga é essa? — sussurrou para si mesmo.

O garoto retirou o restante da poeira superficial e teve uma melhor visão daquela estrutura. Era uma espécie de escotilha fixada à parte inferior do trem. Nic afastou seus olhos daquilo quando sentiu um breve arrepio.

Ele talvez não fosse um especialista em locomotivas, mas com certeza sabia que não fazia o menor sentido que uma passagem estivesse acoplada ao chão daquele vagão — a não ser, é claro, que existisse alguma coisa do outro lado além de trilhos e terra árida.

— Façam silêncio. — a voz de Claire chamou a atenção dos outros quatro.

Um som estridente invadiu aquela sala, tão alto como se realmente tivesse a intenção de ser percebido por eles. Bethany e Charles se afastaram, e Dominic saiu de perto da passagem. Em um instante, estavam os cinco parados no meio do corredor, encarando todos os lados daquele vagão — inclusive as janelas bloqueadas. E então, a lamparina de Thomas se apagou.

Ele não teve tempo de impedir que acontecesse, porque provavelmente foi por conta de uma corrente de vento. Agora estavam completamente no escuro. Ninguém disse nada e nem se moveu por cerca de dez segundos.

Capucci sentiu quando a mão de Bethany alcançou a sua. Ela parecia tão assustada que era como se tivesse visto um fantasma. Em seguida, ouviram o barulho de novo, mas agora era diferente: algo como um rangido vindo de alguma área próxima àquele vagão. Os cinco uniram-se em um círculo humano, cada um virado para um canto do cenário frio e desagradável.

— Alguém trouxe uma lanterna? — Claire falou em voz baixa.

— Eu a deixei... em algum lugar. — Dominic esgueirou-se até o chão e começou a tatear o cenário na intenção de encontrá-la.

O garoto voltou para perto dos outros alguns instantes depois. Acendeu o aparelho e, imediatamente, puderam ter uma visão breve do ambiente à volta deles: tudo era exatamente estático e silencioso.

— Acredito que não sejamos os únicos aqui. Deveríamos voltar agora. — sugeriu Charles, ainda paralisado.

— Nós passamos por cerca de quinze vagões até chegar aqui, Charles. Estamos muito longe. — Claire respondeu.

— E daí? Quer que fiquemos esperando pelo amanhecer? Seja lá quem for o nosso convidado, eu não vou esperar até que nos transforme em carne moída. — o homem começou a andar na direção pela qual vieram. — Sabe, Thomas, achei que vocês fosse um pouco mais corajoso. Alguns anos atrás, quando precisei servir à guerra, costumava ouvir que homens assustados não retornavam aos seus lares com honra. E você me parece um homem assustado, agora.

— Você é um completo idiota, Charles. — disse Thomas.

— Que seja. — ele resmungou, voltando a seguir o seu caminho.

— Você ficou doido? Pretende voltar sozinho e sem proteção alguma? — exclamou Bethany.

— Se está tão preocupada comigo, por que não me acompanha? — ele rebateu.

— Dispenso a oferta. Estou genuinamente curtindo este passeio, na verdade. É sério. Eu gosto do barulho dos trovões lá fora e do clima de mistério. — Bethany acariciou as pontas do seu cabelo. — A única coisa que me incomoda é a sua presença. Então, se ainda quiser sair daqui e ser assassinado antes de chegar no salão de jantar, vá em frente.

— Querida, não me subestime. Não agora. — Charles agarrou algum objeto dentro do bolso do casaco. O restante do grupo se afastou instintivamente quando perceberam que era um revólver. — Não se preocupem. Não usarei esta belezinha com nenhum de vocês, a não ser que me deixem sem paciência. — Charles manuseava a arma enquanto olhava para os lados, atento.

— Devia ter nos dito que trouxe uma arma! — Capucci caminhou até ele. — Eu não acho que você seja a pessoa mais civilizada para carregar algo assim.

— Está certo, Sherlock. Eu não sou. E é isso que me permite andar com uma dessas. Bom, talvez agora eu me pareça um pouco mais com você: um homem sem honra. Mas... quem se importa? — o sorriso revoltante do rapaz fez com que Thomas fervesse raivosamente. — E sabe o que é mais... — Bourregard foi surpreendido quando aquele barulho retornou.

Dessa vez vinha do corredor à frente. Os dois homens viraram-se para lá com a pequena lanterna de Nic em mãos, iluminando o caminho. Na outra extremidade do vagão, puderam avistar uma silhueta se escondendo atrás da porta.

— Eu disse! Alguém nos seguiu até aqui. Ei! — Charles engatilhou o revólver e saiu correndo naquela direção.

— Bourregard! — gritou Thomas.

É claro que o primeiro homem não obedeceu. Em razão disso, Thomas e Claire dispararam atrás dele. Bethany, por último, espremeu seus olhos para que pudesse enxergar algo na penumbra que restou enquanto a lanterna se afastava: Dominic ainda estava no chão. Havia uma escotilha trancada à frente deles e uma sala inteiramente vazia. Além disso, assim que os outros três se afastassem o suficiente, não sobraria iluminação alguma. Precisavam sair dali.

— Nós estamos indo, Nic. Precisa vir comigo agora! — Bethany agarrou seus ombros.

— Não... não. Não! Tem alguma coisa aqui embaixo. — as mãos do rapaz continuavam grudadas à estrutura metálica debaixo deles. — Eu preciso... preciso continuar.

— Não temos mais tempo, Nic! — insistiu ela.

— Você não entende! Eu preciso... preciso... — os olhos cansados de Dominic perderam de vista o relevo da escotilha. De repente, estavam os dois jovens imersos ao escuro.

Ele se rendeu ao apelo da amiga no instante seguinte, porque não tinha alternativa, afinal. Assistiu à silhueta deformada daquela sala ficando cada vez mais distante enquanto Bethany o puxava para longe de lá. E ele nunca se sentiu tão bravo consigo mesmo por não ter continuado.

Os dois atravessaram os próximos vagões sem olhar para trás. Quando Bethany e Dominic alcançaram os outros, se depararam com a feição grosseira no rosto de Thomas Capucci, que indicava uma única coisa: falharam. Charles não conseguiu alcançar quem quer que fosse o dono ou dona da sombra que viram.

Cansados, então, os cinco dispensaram outro discurso sobre a atitude equivocada de Bourregard e puseram-se a continuar a caminhada. Levaram um bom tempo para chegar à parte frontal do trem outra vez.

Na área comum, encontraram apenas o silêncio costumeiro da madrugada. Amanheceria dali a uma hora e meia, mais ou menos, e não podiam fazer nada senão adentrar as suas cabines e esperar que o amanhã fosse menos assustador.

Todos do grupo se afastaram, silenciosos e revoltados, com exceção de Capucci e Dominic. Eles caminharam sozinhos pelo corredor e ultrapassaram o primeiro vagão. Ao cruzarem a passagem, foram surpreendidos pela presença de Judith Petit. Ela parecia apressada, eufórica — diferente da melancolia que carregava consigo nos últimos dias.

— Ah! Rapazes. O que fazem aqui a esta hora da madrugada? — o sorriso forçado em seu rosto entregava que aquela pergunta não havia sido espontânea.

— Nós... — começou Dominic.

— Procurando por uma garota desaparecida. Mas você já sabe disso, não sabe? — Capucci cerrou os olhos como se quisesse que alguma coisa fosse arrancada daquela mulher. Desde que Olivia disse a ele sobre a pintura, o rosto de Judith só o lembrava de uma coisa: perigo.

— O... o quê? Como? — as bochechas de Judith tomaram uma coloração avermelhada. Ela encarou o chão, depois os próprios sapatos, as janelas e qualquer outro ponto que não fosse o rosto do rapaz. — Não sei do que está falando. Se me dão licença, rapazes, eu atrasei as minhas preces da madrugada e por isso... por isso... eu preciso ir. Com licença. — a mulher de cabelos vermelhos deixou o corredor antes que os dois pudessem dizer mais alguma coisa.

— Boa noite, srta. Petit. — exclamou Thomas, embora soubesse que ela não iria escutá-lo. — Vem, Nic. Vamos falar com a Olivia.

Os dois seguiram andando até o dormitório de Ollie. Capucci deu duas batidas na porta e esperou que a moça o atendesse, mas isso não aconteceu. Ele bateu outra vez, e nada. Então empurrou a porta com força. Quando o fez, se deparou com o cômodo vazio e a janela entreaberta. Uma leve sensação de desespero agarrou o corpo de Thomas.

— Vocês voltaram! — uma voz se aproximou deles dois. Era Olivia.

— Olivia, que bom que está aqui. É uma longa história sobre o que aconteceu nesta madrugada — Thomas tomou fôlego. — mas... nós não... é...

— Não a encontraram. — sussurrou a moça, cabisbaixa. — Tudo bem. Eu já esperava que esse fosse o desfecho, e agradeço por tentarem. Bem, enquanto estiveram fora — Ollie sacudiu a cabeça, retomando o raciocínio. — eu fiz o que me pediu, Capucci. Mantive os olhos abertos.

— Ah, é? E o que descobriu? — ele recostou-se na parede.

— Semelhanças. Não posso afirmar absolutamente nada com certeza, mas... eu comecei a prestar mais atenção nos detalhes. — Olivia tirou do casaco uma página de jornal. Era a manchete que falava sobre os "saqueadores de Morrowborn". — Lembra-se do que falei a você na outra tarde? Eu entendo se quiser achar que isso tudo é loucura, mas...

— Os saqueadores. É claro. — o homem agarrou a manchete. — Céus. São exatamente...

Três pessoas. — Dominic interveio, observando uma imagem dos criminosos no centro da página. Eram retratos falados, provavelmente adquiridos através de denúncias antigas. Havia aproximadamente sete ou oito desenhos dispostos pela página. — Assim como a pintura que Chariot fez.

— Correto, sr. Cooper. — Olivia abriu um sorriso. — E, bem, embora esta manchete tenha sido impressa sem o uso de tintas coloridas, eu posso dizer com propriedade que há algo chamando a minha atenção em um destes relatos. — a mulher passou o dedo sobre a primeira fileira, contendo três imagens diferentes de uma única mulher, com certeza porque foram feitas em épocas diferentes. — Observem a segunda imagem. A cor utilizada no cabelo...

— Vermelho. Santo Deus, deve ser vermelho. — Thomas coçou os olhos cansados. — Eu odeio admitir algo do tipo, mas é possível que três criminosos estejam neste trem. E não só um. Bethany teve sua pulseira roubada na primeira tarde, durante o apagão, e uma joia de Chariot também foi levada. São sequências de acontecimentos que podem confirmar a hipótese em questão.

— Loucura. Isso... é loucura. — Dominic respirou fundo. — De qualquer forma, digamos que a nossa moça de vermelho seja realmente Judith Petit. Quem são os outros dois? Não consigo acreditar que uma criminosa, se estivesse planejando alguma coisa, faria uma viagem sem seus companheiros.

Charles. — sussurrou Olivia. Os dois rapazes a encararam, na esperança de que aquilo fosse um palpite. Mas não. Aquilo era uma afirmação! — Charles!

Thomas e Dominic viraram-se para trás imediatamente. Viram, em meio à penumbra do corredor, Charles Bourregard esgueirando-se para fora da cabine de Judith Petit. O homem encarou os três outros passageiros e começou a correr em direção aos vagões norte.

Dominic esperou que Thomas fizesse algo, mas o rapaz continuava parado. Então ele mesmo fez: passou pelos dois e disparou em direção àquele sujeito. Somente um pensamento rodeava a sua cabeça enquanto corria: alguém que não tem nada a esconder não estaria tão preocupado em não ser pego.

Charles passou pela porta de transição entre os vagões e a empurrou com toda a força. Quando o Cooper alcançou a porta, tardou a abri-la — estava emperrada. O garoto precisou forçar a estrutura.

E foi o pequeno tempo gasto nessa ação que o fez perder o alvo. Quando cruzou o caminho, Dominic não enxergou mais nada além das janelas vagamente iluminadas pela lua e as mesas vazias do salão de jantar.

Thomas o alcançou um tempo depois. Colocou a mão sobre o ombro do menino e suspirou, impaciente.

— Tudo bem. Não teríamos o que fazer senão perguntar a ele sobre o que sabe. — disse Capucci. — E adivinhe qual seria a sua resposta? Algo irrelevante, é claro. Encontraremos o que precisamos quando amanhecer, Nic. Vai ficar tudo bem.

— Eu acho que ainda posso alcançá-lo. Deve estar em sua cabine agora, contando mentiras à esposa de novo. — disse o outro, entre suspiros.

— Vá descansar. Você passou a madrugada em claro. — Capucci guardou as mãos no bolso do casaco e saiu do vagão.

Sozinho, Dominic Cooper se sentou no chão daquele vagão e permaneceu em completo silêncio por algum tempo. As paredes pareceram tão pequenas e estreitas que ele poderia quebrar a janela do vidro mais próximo. Não importava se lá fora não era seguro.

Aquela situação o deixou atordoado de novo. Dominic se levantou, então, caminhou até a parte da frente do trem e saiu pela porta da cabine do maquinista. Usou a escada lateral e caminhou sobre os vagões.

— Austin? — exclamou. Aquela era uma surpresa pela qual Dominic não esperava.

— Olá. — respondeu o loiro, sentado sobre a beirada da estrutura. — Achei que fossem demorar mais algumas horas.

— É... não conseguimos encontrar muita coisa. O que está fazendo aqui? Achei que não gostasse de ficar sozinho. — disse ele, ao se sentar perto do outro.

— E não gosto. — Austin deu de ombros. — Mas, nesta noite, as estrelas resolveram aparecer. E eu achei que fosse interessante dar atenção a elas. — explicou. — É estranho, não? A chuva parou de repente. Quase como... como se o céu quisesse que víssemos isso. — ele apontou para o plano azul pontilhado sobre suas cabeças. Austin permaneceu em silêncio por um momento. Depois tremelicou, com as mãos enfiadas no bolso do casaco, e começou a cantarolar alguma canção antiga. — Here I am... just drowning in the rain... with a ticket for a runaway train.

— Gosto dessa. — Dominic sussurrou, sem querer atrapalhar o silêncio que os abraçava.

— Era a minha favorita... antes de eu ir parar bem longe de casa. O pequeno Austin era obcecado por canções sobre viagens. — o loiro sorriu.

— E por que foi embora? — perguntou Nic.

— É história para outra noite estrelada. Sabe, Nic, eu gostaria de saber com quem estou dividindo a cabine. Quem você era antes daqui? — brincou. Austin balançava suas pernas sobre o abismo. — Anda. Eu quero saber alguma coisa sobre o pequeno Dominic.

— Eu acho que o pequeno Dominic não era alguém tão interessante assim. — o rapaz se deitou sobre a superfície úmida do trem e pôde enxergar as estrelas em cima dele. — Ele não era muito bom nessa coisa de descobrir quem é. Acho que não teve muito tempo para pensar nisso, na verdade. Entende?

— Continue. — pediu Austin.

— Bem, o pequeno Dominic viveu em uma fazenda esquisita no interior do país a maior parte da vida. Ele era feliz... um pouco, pelo menos. — Dominic trocou de posição e tirou as costas da estrutura. Agora podia encarar o abismo escuro. — E aí ele descobriu que o próprio pai era um canalha. Também soube que a sua mãe era a pessoa mais triste do mundo, e que ele, o pequeno Dominic, era o único motivo de ela ainda não ter tirado a própria vida.

— Então o seu pai... — o outro sussurrou.

— Ele a matou algumas semanas depois. Estava bêbado, como sempre. Encontrei a minha mãe pendurada no centro da sala. Mas sei que ela não tiraria a própria vida naquela noite. Não... não faria isso comigo. Foi ele. — os olhos do rapaz encheram-se com água. — O nome dela era Dalilah. Dalilah Cooper. É um nome bonito, não acha? — os cabelos de Nic voaram com o vento quando ele virou-se para o amigo. — Foi ela quem me ensinou sobre... o gesto com os dedos e o olhar. Era algo que me fazia sentir seguro.

— Eu sinto muito. — disse Austin.

— Bem, depois disso aquele desgraçado apanhou uma espingarda e me fez jurar que eu nunca mais voltaria lá. Eu corri. — Nic ergueu o rosto. — E acho que tenho corrido a vida toda, desde então. "Quando sentir que está com medo, não olhe para trás. Corra até que suas pernas não aguentem mais e até que o seu coração pare de bater". Foi ele quem me disse isso, antes de acabar com a vida da minha mãe.

— Então... esse é você. — Austin tinha seus olhos recheados por um brilho infinito, como se quisesse saber quem era Dominic Cooper.

— Acho que sim. No final das contas, o pequeno Dominic não soube se era corajoso ou se era um covarde. Às vezes as duas coisas. E, no fim, também não era nenhuma. Enfim, acho que essa coisa de destino não foi boa com ele. — disse.

— Acho que não pode afirmar isso com tanta certeza, Cooper. Você não tem esse direito. Digo, eu não sei se acredito em destino. Talvez seja bobagem. Mas talvez Dominic Cooper esteja exatamente no lugar em que deveria estar agora. — um sorriso sincero foi posto no rosto de Austin.

— Talvez esteja certo. — Nic continuou a encarar o abismo. E que tarefa difícil. Porque sentia-se como se fosse ser puxado a qualquer instante.

Os dois ficaram calados. Dominic não expressou nenhuma reação durante os próximos sessenta segundos, enquanto Austin inclinava-se para observar o abismo. Uma gota de lágrima escorreu pela bochecha do Cooper — tão pequena e insignificante quanto eram aqueles dois garotos, agora, sentados sobre um vagão debaixo da imensidão da madrugada.

— Obrigado por isso. — Dominic inclinou a cabeça sobre o ombro de Austin, respirando fundo em seguida. — Você é uma boa pessoa, Austin McCarty. E se Judith estiver certa no fim das contas, e estivermos sendo julgados pelas coisas que fizemos, como... como se este trem fosse um purgatório, então eu espero que você escape. — eles não tiveram contato visual. Ao passo que Dominic falava e suas frequências respiratórias alinhavam-se uma à outra, tudo o que fizeram foi assistir ao demoníaco abismo no seu processo de expulsar o vento. — Droga, Austin. Eu estou com medo de como isto tudo vai acabar.

— Eu também, Nic. — os cabelos de Austin foram empurrados pelo vento frio. — Eu também...

26 de outubro. Manhã.

Claire Brassard se abaixou sobre a madeira velha do corredor. Primeiro se certificou de que ninguém a havia seguido até ali e então, depois, voltou os olhos para o sangue encrustado na superfície.

Na sua opinião, havia algo de errado com aquilo. A impressão que ela teve mais cedo, quando passaram por ali, e a que tinha agora, observando o fato de uma perspectiva muito mais próxima, só podiam significar uma coisa: uma pista falsa — pela segunda vez naquela madrugada.

Claire aproximou o dedo indicador do líquido viscoso — o que sobrou dele — e respirou fundo. Pensou duas vezes antes de fazer aquilo, embora não soubesse outro jeito de provar aos outros que estava certa. Então agiu.

A ruiva arrastou a ponta do dedo sobre a camada mais superficial da substância e em seguida levou até a própria boca. Que nojo. No entanto, assim que ela parou de espremer os olhos com repúdio, teve a resposta de que precisava: aquilo não era sangue, era xarope de milho.

— Eu sabia. — sussurrou para si mesma.

A Brassard limpou as mãos no casaco e se preparou para sair andando. Em menos de cinco minutos o clarão do sol alcançaria o trem mais uma vez — como havia feito nas últimas duas manhãs. E Claire estava pronta para contar a Capucci que, embora Chariot Green ainda corresse perigo, agora eles tinham uma pista.

Ela sabia que o sangue não pertencia ao maquinista — a única vítima feita antes de aquela poça aparecer —, e agora também sabia que ele não era do suposto "Elliot Montgomery". O que significava, como consequência, que se existisse de fato o cadáver de um rapaz com esse nome, ele muito possivelmente estava na parte frontal do trem. E não na direção que aquele rastro falso apontava.

Claire interrompeu seu caminhar quando ouviu um barulho nas proximidades. Por um momento, pensou que fosse algo parecido com o som de uma faca sendo arrastada sobre alguma estrutura metálica. Não pôde identificar se vinha da porta da frente ou da de trás, então girou seu rosto rapidamente para as duas direções, confusa.

Foi surpreendida, em seguida, por um toque em seu ombro. Ela não conseguiu saber de onde veio aquele sujeito, mas seu coração acalmou-se assim que o reconheceu.

— Dominic! O que é que está fazendo aqui? — Claire o olhou nos olhos com a respiração ofegante.

— Ah, eu... eu estava no lado de fora com o Austin. Desci pela escada na lateral — ele apontou para o lado direito. — e entrei pela passagem mais próxima. O que você está fazendo aqui? Encontrou alguma coisa sobre a Chariot?

— Não. Eu... — Claire encarou a poça de sangue. Ela tentou explicar o que havia descoberto, mas seu peito ainda palpitava incansavelmente.

— O que foi que descobriu, Brassard? — Dominic apoiou-se sobre os próprios joelhos ao redor da poça. Então olhou atentamente para o sangue grudado à madeira.

— Eu explico depois. Agora me escute, Dominic! — ela chamou a atenção do rapaz. — Você... você disse que veio daquela entrada, não foi? — apontou ela. — Eu ouvi alguma coisa no corredor. Viu alguém antes de chegar aqui?

— O quê? Não, eu... — Cooper preparava-se para terminar a frase quando o barulhou voltou a incomodá-los.

A Brassard estava em completo estado de choque. Quase como se soubesse que algo de ruim aconteceria a eles dois. Por outro lado, o menino apoiou-se sobre os próprios joelhos e ignorou o estado frenético em que se encontrava a outra garota. Alguma coisa no chão o chamava a atenção.

— Claire, acho que encontramos Elliot Montgomery. — disse ele.

— Do que está falando? Você não está entendendo, Nic. Acabei de averiguar esta cena outra vez. O sangue na madeira é falso! É... é outra pista falsa! — a ruiva voltou a olhar para frente, assustada. — Vamos embora.

— Pista falsa? Eu acho que não. — ele sorriu. — Mas acho que a pessoa por trás disso é mais esperta do que pensamos. Por que não esconder alguma coisa no único lugar em que ninguém procuraria?

Claire voltou o olhar para o garoto. Agora ela entendia do que se tratava: logo debaixo daquela crosta de xarope de milho, iluminado pelo breve reflexo do sol no lado de fora, um buraco na madeira foi reconhecido pelos dois jovens. Havia uma fenda que seguia da parede até os seus pés.

Cooper agarrou a extremidade da tábua principal e a puxou com toda a sua força. Não havia prego ou parafuso que a prendesse ao restante — e isso provava que estavam certos. E assim, Passageiro Número Dois, no chão amadeirado do segundo vagão de passageiros, durante o amanhecer de vinte e seis de outubro, o cadáver de Elliot Montgomery foi encontrado.

Os dois permaneceram quietos, paralisados. Claire virou-se para a porta da frente uma última vez. A claridade externa, naquela manhã, tardou a aparecer por completo. Como se quisesse que aqueles dois passageiros assustados continuassem no escuro do vagão vazio.

Do outro lado da porta entreaberta, Claire pôde avistar a lâmpada fraca do vagão seguinte. O objeto balançava devagar, provocando um rangido estridente. Não era capaz de iluminar o caminho inteiro, mas foi o suficiente para que a ruiva e o garoto de lenço branco enxergassem uma silhueta parada na porta do vagão.

Dominic não teve coragem de sair da posição em que estava. Claire muito menos — tudo o que fez foi descolar seus lábios um do outro, preparando-se para gritar. A silhueta que enxergaram pertencia a um homem. Mais do que isso, era de um dos passageiros daquele trem.

O silêncio os entornou. O homem deu um pequeno passo e adentrou o corredor em que estavam. Charles Bourregard, sob a iluminação amarela pálida, segurava um revólver na mão esquerda e uma faca pequena na direita. Havia sangue escorrendo por todo o seu rosto, inclusive sobre os olhos.

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