Trem para Barrymore [CONCLUÍD...

By LuckVianna

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VENCEDOR DO GRANDE PRÊMIO - WATTYS 2023 🎖 "NĂŁo pode ser coincidĂȘncia que nossos destinos tenham se cruzado j... More

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PrĂłlogo - "Embarque"
Capítulo 1 - "Do outro lado, o que há?" ‱ Parte 1
Capítulo 2 - "Do outro lado, o que há?" ‱ Parte 2
CapĂ­tulo 3 - "Cartas ao limbo"
CapĂ­tulo 4 - "Borboletas de lugar nenhum"
CapĂ­tulo 5 - "Entranhas do desconhecido"
CapĂ­tulo 6 - "Criminosos a bordo"
CapĂ­tulo 8 - "Nunca subestime a tempestade"
CapĂ­tulo 9 - "Fim do mundo Ă  meia-noite"
CapĂ­tulo 10 - "Trem fantasma"
CapĂ­tulo 11 - "Anjo das duas faces"
CapĂ­tulo 12 - "Jantar dos esquecidos"
CapĂ­tulo 13 - "Brindamos ao abismo"
Capítulo 14 - "Últimas horas antes do fim da linha"
"Páginas não lidas do Diário Montgomery" ‱ Parte 1
"Páginas não lidas do Diário Montgomery" ‱ Parte 2
CapĂ­tulo 15 - "NĂŁo hĂĄ nada do outro lado"
EpĂ­logo - "Desembarque"
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Capítulo 7 - "O sumiço dos girassóis"

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By LuckVianna


26 de outubro. Noite.

Olivia Armstrong agarrou o pincel com os dedos um pouco tensos. Arrastou o objeto sobre a tela em branco e, em poucos instantes, já encarava a construção primitiva de um pequeno girassol. Depois, mais um. E outro.

Poderia passar o restante da madrugada exercendo aquela função sem se sentir cansada. Os girassóis que desenhava eram como pequenas brumas de angústia que deixavam o seu corpo e, pouco a pouco, depositavam-se sobre a tela em forma de manchas amareladas. Os girassóis eram o seu porto seguro.

De repente, o barulho causado por um trovão longínquo assustou Olivia, fazendo-a soltar o pincel. A jovem observou pela janela e, sobre os morros distantes, enxergou um emaranhado de nuvens aproximando-se com rapidez. A tempestade estava mais próxima.

Por um momento, enquanto pincelava os girassóis, pensou nas duas mulheres que haviam sido carbonizadas dos pés à cabeça naquela mesma tarde. A imagem de seus corpos — grudados um ao outro — sendo arrastados para fora daquela câmara, enquanto Charles Bourregard e Lucille Leweys gritavam.

Também foi descoberto, um pouco depois, que ambas as vítimas tinham cortes transversais e perfurações na parte de cima de seus corpos, provavelmente feitos antes de elas terem sido colocadas dentro da câmara. Isso explica o porquê de terem se esforçado tanto para gritar em meio à fumaça: porque já estavam sofrendo há um bom tempo.

Ollie deixou a pintura de lado por um momento e guardou o pincel dentro do casaco — ela sempre o carregava consigo, junto de um pequeno frasco de tinta, como se fossem amuletos. Apanhou a boina que tinha deixado sobre a cama, cobriu o corpo com um casaco escuro e saiu da cabine. As luzes estavam apagadas como costumavam ficar depois das dez da noite. Não havia sequer um passageiro transitando pelos corredores.

Com muito cuidado, a jovem caminhou até a cabine de número cinco no primeiro vagão de passageiros. A porta estava entreaberta. Quando entrou no cômodo, enxergou sobre a cama o cadáver pálido de Elliot Montgomery.

Ninguém havia contado sobre a notícia de que ele estava no trem. E eu entendo o motivo desse fato ter sido omitido. Afinal, Número Dois, você precisa concordar que olhar para um terceiro cadáver em um intervalo menor do que vinte e quatro horas não parece uma atração tão convidativa. Por esse motivo, as únicas pessoas que sabiam que aquele corpo estava no quarto eram Dominic, Thomas, Claire, Olivia e Austin — porque Nic contou a ele.

Ollie cruzou os braços e encarou a carne apodrecendo sobre os lençóis. Havia algo de interessante na maneira como o olhar vazio daquela figura se sustentava. Atenciosamente, então, a garota chegou mais perto dele.

— Também está com problemas para dormir? — uma voz próxima tomou os seus ouvidos.

Ollie virou-se imediatamente. Não havia percebido a presença de Claire Brassard naquele dormitório quando entrou. A ruiva estava sentada sobre a cama oposta, com o corpo inclinado à parede e o rosto sendo coberto pela penumbra.

— Você me assustou. — Olivia levou as mãos ao peito, atônita. — O que é que faz aqui?

— O mesmo que você, acredito. Não consegui pegar no sono e resolvi averiguar se ele continuava aqui. — Claire colocou o rosto sob a iluminação externa, oriunda da lua exuberante que pincelava o céu. — Devemos ser as únicas acordadas no trem a esta hora — sussurrou. — além de Sophie, que continua paralisada do lado de fora do vagão em que Charles e Lucy estão.

— Entendi. Descobriram alguma coisa sobre o rapaz? — perguntou Ollie, sem tirar os olhos do cadáver.

— Não tocamos nele. Thomas não parecia tão contente em encarar essa situação no final da tarde. Na verdade, acho que o que aconteceu com aquelas mulheres foi demais para todos nós. Vamos continuar procurando pela manhã. — explicou a ruiva, se afastando da cama.

— Certo. E como você se sente sobre tudo isso? — Olivia a questionou de maneira íntima.

— Eu... — Claire não estava esperando uma pergunta como aquela. — Eu não sei se faz algum sentido continuarmos tentando entender o que está acontecendo aqui. Eu poderia ter desistido e...

— Não. — Ollie tocou o seu braço. — Não faça isso, Brassard. Thomas me contou algumas coisas mais cedo, sobre tudo o que foi descoberto desde o primeiro dia. Ele está feliz por ter você ao lado dele, caso não saiba disso.

— Ele disse isso? — Claire parecia surpresa.

— Disse. E mencionou o fato de você ter descoberto algo sobre um apagão, e sobre o xarope de milho... — ela sorriu. — Enfim, são coisas que eu nunca teria desvendado. E acho que ele também não. Você está sendo útil aqui, Brassard. Não pense em desistir.

A ruiva assentiu com a cabeça, um pouco desnorteada com aquele comentário. Em seguida disso, ela foi até a porta e desejou uma boa noite de sono à moça de boina. "Tente dormir um pouco. Será um longo dia amanhã", afirmou Claire.

Depois que ela saiu, Ollie permaneceu sozinha no cômodo. A luz da lua ainda a incomodava e Elliot Montgomery continuava ali, do seu lado. Ela realmente precisava descansar um pouco. Mas não havia motivo para que resolvesse pregar os olhos dentro daquele trem. Ao menos, não depois de perder a garota com quem dividia a cabine e assistir a duas outras pessoas sendo queimadas vivas.

Ainda assim, Armstrong seguiu aquele conselho. Colocou o seu corpo sobre a própria cama e, lentamente, perseguida pelo barulho dos trovões e da chuva que começou a cair, ela adormeceu.

Os girassóis permaneceram na pintura ao lado da cama, inacabados.

27 de outubro. Manhã.

Uma batida desesperada se depositou na porta de madeira do quarto de Ollie. Alguém gritava o seu nome enquanto aguardava uma resposta. Em um movimento assustado, a jovem pulou da cama e caminhou até lá.

— Precisamos de você. — a imagem de Thomas Capucci acompanhado de Dominic e Austin, quando a porta foi aberta, era o suficiente para fazê-la se apressar.

Olivia arrumou o cabelo em um movimento breve e, em seguida, apanhou a boina. Quando seguiu os rapazes até o salão de jantar, se deparou com mais algumas pessoas. Todas tinham olhares preocupados e encaravam uma só direção: a parede principal daquele vagão.

— O que foi que houve? — perguntou, esperando que alguém a contasse de uma vez.

— Não percebe? O nosso convidado anônimo deixou mais uma pista. — exclamou Sophie, levantando o dedo indicador e o apontando para a parede.

— Prefiro chamá-lo de "Contador de Histórias"... — murmurou Bethany, baixinho.

Ollie seguiu a indicação e, um segundo depois, repetia a conduta do restante dos passageiros, todos paralisados enquanto apreciavam o que havia sido deixado na parede. Tratava-se de um quadro, um artefato que certamente não estava ali na noite passada. Uma pintura antiga e demasiadamente danificada, com a moldura grudada à madeira e mais nada ao seu redor. Somente isso.

— Alguém faz alguma ideia do que isso deva significar? — perguntou Austin, com as mãos apoiadas à própria cintura.

— Junte isso à foto e às mensagens que recebemos até agora, e temos o óbvio: alguém está realmente tentando se comunicar conosco. — sugeriu Claire, aproximando-se da pintura.

— Foto? Espera. Que foto? — disse Dominic, na defensiva. O garoto rotacionou o olhar pelo restante do grupo e percebeu que ninguém fazia ideia do que aquilo significava. Ninguém além de três daquelas pessoas.

— Encontramos uma fotografia na tarde de ontem. Preta e branca, tirada de dentro deste mesmo trem e apontada para o abismo. — Capucci cruzou os braços enquanto explicava a eles. — No entanto, tudo indica que o registro não é atual.

— Quatro anos atrás... — sussurrou Dominic, ao coincidir a fala com as informações que ele mesmo havia encontrado no outro dia.

— Exatamente. Sendo assim, acreditamos que alguém neste trem, seja o responsável pelos assassinatos ou não, está querendo dizer alguma coisa. Como Bethany sugeriu, temos um contador de histórias entre nós. — Capucci acariciou o próprio queixo.

— Obrigado pelas atualizações, Thomas. — Sophie zombou dele com um gesto de olhar. — E agora? Esperamos até que os nossos detetives contem mais alguma coisa que ainda não sabemos para que, então, possamos seguir com a investigação?

— Não estamos tentando esconder nada, Sophie. — disse Claire, imediatamente. O que de fato era mentira, já que escondiam o corpo de um passageiro na cabine de número cinco.

— Esperem um pouco. — afirmou Olivia, cessando os murmúrios que percorriam o vagão. — Esta pintura... — ela acariciou a moldura do quadro ao chegar mais perto.

— O que tem a pintura? — disparou Thomas.

A morte de Marat, 1793. Foi produzida por Jacques-Louis David. — Ollie espremeu os olhos por um instante. — Ah, é claro. Uma das maiores preciosidades deixadas pela Revolução Francesa. — ela se afastou. — Marat era um dos revolucionários. Foi assassinado na banheira de sua própria casa, por uma jovem moça que pertencia ao grupo político oposto. Ela o esfaqueou no peito, e Marat foi encontrado com uma carta em mãos. É um dos mais emblemáticos momentos da revolução.

— Fascinante. No entanto... tem alguma ideia do que possamos fazer com isso? — Thomas questionou.

— Eu ainda não sei. Mas, se estiverem certos em relação à dinâmica das pistas sendo deixadas, é provável que esse quadro tenha um importante papel na suposta história que está sendo contada. — Ollie deu uma rápida olhada na parte inferior do artefato e depois o agarrou com as pontas dos dedos. — Se ninguém se importa, vou ficar com isso por um tempo. Talvez eu descubra algum detalhe implícito, uma mensagem... Estas réplicas costumam ser muito bem finalizadas. Se houver alguma coisa que não deveria estar aqui, eu vou encontrar.

— Maravilha. E vai precisar de ajuda? De... de alguma coisa? — o homem continuou.

— De tempo. Por enquanto, eu só preciso de tempo. — Olivia deixou o corredor com o quadro em seus braços.

— E agora nós vamos torcer... — Bethany cruzou os braços enquanto observava a jovem indo embora.

— Para quê? — disse Dominic.

— Para que ela não seja o próximo corpo a cair. — respondeu.

O tumulto se desfez alguns instantes depois. Olivia Armstrong, agora sozinha em seu dormitório, colocava com cuidado a pintura sobre a cama. Tentou pensar na obra original e começou a traçar uma linha de comparação, imaginando que talvez houvesse algum sinal de diferença. No entanto, nada encontrou. Então o segredo só poderia estar na estrutura.

Enquanto tentava aproximar o quadro da luz do sol, perto da janela, Ollie pôde avistar três pessoas na área externa do trem. Eram Charles, Lucy e por último Sophie, que estava voltando para perto deles depois de deixar o salão.

Sophie e os outros dois haviam passado a manhã trabalhando em uma espécie de memorial para aqueles que se foram — em específico, Margaret e Judith. Enquanto Lucy utilizava uma pá para retirar a terra úmida do solo, Charles observava a cena com duas enormes olheiras no rosto.

O homem não conseguiu sequer fechar os olhos na última noite. Cada vez que tentava, enxergava nitidamente aquelas duas mulheres ardendo em chamas e tendo seus corpos petrificados em seguida. Nunca havia sido um homem de culpa, mas dessa vez era a única coisa que podia sentir.

— Esses corpos não vão se enterrar sozinhos. Pegue uma pá e volte a cavar. — Sophie passou a mão sobre o rosto e depois entregou a ferramenta para Charles. — Você já consegue se mover. É melhor começar a ajudar.

Ela voltou para perto de Lucy e continuou o trabalho. As duas carregaram o cadáver de Aaron, o maquinista, até a primeira cova. Repetiram o processo com os pedaços de Collin Hataway.

— Dê um tempo a ele. É um homem horrível, mas acabou de perder as duas únicas mulheres que foram capazes de amá-lo. — Lucy jogou os cabelos negros sobre o ombro. Havia voltado a vestir o seu disfarce.

— Outras pessoas morreram ou desapareceram antes delas. — Sophie agarrou a pá. — A vida é desse jeito. Pessoas morrem, você chora e depois segue em frente.

— Quem foi? — Lucy disparou.

— Como é? — disse a outra.

— Eu perguntei quem foi. Alguém deve tê-la machucado profundamente para que seja sempre tão fria assim. Quem você perdeu? — insistiu ela.

— Isso não é... — Stewart deu dois passos à frente, chegando mais perto da outra menina. — da porra da sua conta.

— Entendi. — Lucille respirou fundo e voltou ao trabalho. Um momento depois, no entanto, tornou a olhar para a garota. — Se estiver pensando nas coisas que eu disse a você na tarde de ontem, não há mais com o que se preocupar. Já que Judith e Collin se foram, eu sou a única pessoa que poderia contar aos outros sobre aquilo. E isso não vai acontecer.

— Por que diz isso? — perguntou a outra.

— Porque eu não sou uma traidora, é claro. Fizemos um combinado. Ele foi cumprido. — Lucille balançou os ombros e depois apoiou um braço sobre a pá. — Além disso, admiro pessoas com passados interessantes. O seu segredo está seguro comigo... — o seu rosto chegou perto do de Sophie para que ela pudesse sussurrar aquela frase.

Ao terem se aproximado, Sophie notou um corte avermelhado no pescoço de Lucille Leweis. Não demorou para ela se dar conta de que havia outras cicatrizes atrás de sua nuca e que seguiam pelas costas.

Enquanto mantinham contato visual, um vulto foi percebido por Sophie, esgueirando-se para perto dos arbustos no fundo do cenário. Era uma mulher, paralisada em frente ao arvoredo. A garota imediatamente se afastou, ociosa. Soltou a ferramenta que tinha em mãos e fixou os olhos naquela direção, esperando que a figura desaparecesse.

— O que foi? — Lucy encarou o arvoredo. Não havia ninguém lá. — Viu alguma coisa?

— Não. — Sophie respirava ofegante. Ela espremeu os olhos e tornou a olhar para os cadáveres. — Vamos continuar o trabalho. Tem uma tempestade chegando e eu não quero estar aqui fora quando acontecer.

Dentro do trem, Thomas Capucci caminhava pelo corredor silencioso que ligava o seu dormitório e o de Olivia Armstrong. Já havia passado uma hora desde que a tinha visto pela última vez. Eufórico, então, ele bateu na porta.

— Com licença. Descobriu alguma coisa, srta. Armstrong? — exclamou ele, ao enxergá-la com aquela pintura em mãos assim que abriu a porta.

— Pode ser que sim. Mas, antes disso, preciso perguntar: você descobriu alguma coisa a respeito do homem morto naquela cabine? Digo, o suposto Elliot Montgomery. — Ollie parecia apreensiva. Ela não tirou os olhos do artefato enquanto ouvia o rapaz.

— Pouca coisa. Parece que ele é realmente o rapaz que achávamos que fosse. — Capucci levou as mãos até os bolsos do casaco. — Encontramos um passaporte com identidade verossímil, além de algumas informações sobre o sujeito, embora a foto estivesse danificada. Por quê?

Danificada? — os olhos da jovem produziram um estalo imediato. Algo havia feito sentido, finalmente. — Perfeito. Agora temos uma relação.

Ollie girou o artefato em suas mãos e revelou ao homem parado na porta uma imagem que antes não estava presente na pintura. Era a foto de quatro indivíduos vestidos com roupas escuras à margem dos trilhos, acompanhados de uma enorme locomotiva no fundo. Todos os seus rostos estavam riscados.

— De... de onde veio isso? — perguntou Thomas, espantado.

— A obra era uma pintura falsa, como imaginei de princípio. Havia uma segunda imagem debaixo de A Morte de Marat. Segui as ranhuras na lateral e, após arrancar o tecido superficial, foi isso que encontrei. — Olivia sorriu. — Parece que vocês estavam certos. Alguém quer contar uma história, e agora eu tenho certeza de que Elliot está relacionado a ela.

— Por que acha isso? — insistiu.

— Bem, se estivermos certos, não haveria motivo para que alguém rabiscasse sobre o passaporte de um homem morto. A não ser, é claro, que ele também seja uma pista. — explicou ela. — Preciso averiguar o passaporte, Thomas. Se for possível.

— É claro. Vou buscá-lo. — ele se afastou brevemente da porta, mas voltou até a moça segundos depois. — Antes de ir, eu quero agradecê-la. Obrigado, Olivia.

— Só estou fazendo o meu trabalho. — disse ela, com os olhos voltados para o chão. — Thomas, se não se importar... não perca tempo. Acho que não temos mais uma noite até o próximo assassinato.

Capucci assentiu com a cabeça e depois desapareceu no corredor. Quando se preparava para cruzar a primeira passagem entre os vagões, no entanto, o rapaz foi surpreendido pela presença de Claire Brassard.

— Olá. Alguma novidade? — perguntou ela.

— Ollie descobriu certas coisas. Vou contar a você no caminho. — Thomas colocou a mão sobre o ombro dela e os dois começaram a caminhar.

— Certo. Eu tenho algo a dizer sobre o Elliot. — Claire engoliu em seco. — Ele foi morto com perfurações. É o que indicam as marcas no abdômen, além de um corte que vai do peitoral até a cintura. E provavelmente está morto desde o início desta viagem, embora eu não possa afirmar isso com certeza.

— Perfurações? Interessante. — Capucci arqueou a sobrancelha.

— E quanto à Olivia? Acredita que ela vá conseguir? — a jovem questionou.

— Sinceramente? — Capucci levou as mãos à cintura antes de continuarem a caminhada. — Acredito que no momento ela seja a melhor, senão a única esperança que temos.

27 de outubro. Tarde.

Ollie estava sentada na parte superior do trem, com os pés sobre o vazio da paisagem. Tendo aquela pintura ainda em mãos, a garota observava o abismo assustador. Algo em relação àquela arquitetura natural lhe trazia incômodo desde que chegaram ali. Ela carregava total certeza de que o abismo tinha algo a ver com a pintura, embora soubesse que essa suposição não seria pertinente enquanto não descobrisse o significado do quadro.

— Às vezes o barulho do vento, aqui em cima, ajuda a reorganizar os pensamentos. — Dominic se aproximou dela com as mãos nos bolsos do casaco. — Eu sei que todo mundo deve estar te perguntando sobre o quadro. E isso é cansativo. Então... eu vou só me sentar aqui.

— Obrigada. — Olivia expôs um sorriso sincero antes de virar-se para ele. Em seguida, percebeu que o menino estava carregando algo em suas costas. — O que tem aí?

— Ah... é só uma coisa que encontrei nas bagagens. — Dominic retirou a alça que rodeava seu corpo e mostrou a ela um instrumento musical de cor preta. — É um violão. Eu não sei exatamente como isso funciona, mas... achei que você pudesse me ajudar.

— Certo. Eu vou ignorar o fato de você ter mexido nas coisas das outras pessoas. — Ollie sacudiu a cabeça. — Por que quer a minha ajuda com um violão, Cooper?

— Bem, eu soube que Austin gosta de uma canção muito específica. Aparentemente, era importante para ele antes disso. — explicou ele, com as bochechas vermelhas. — Então... como você é uma expert em artes, eu achei que... sei lá. Que talvez também gostasse de música.

— Ah... entendi. — Ollie retirou a boina e jogou os cabelos sobre os ombros. — Na verdade, eu estudei na Academia de Artes de Morrowborn. A sua sorte é que, embora as artes visuais não tenham muito a ver com música, eu sei como um violão funciona. Qual é a canção? — a garota segurou o instrumento enquanto esperava-o responder.

— Ah, isso é mais legal do que eu pensei. Enfim, a canção é Runaway Train. — Dominic se sentou ao lado dela.

— Certo. Você deveria começar conhecendo o instrumento. — Olivia levou as mãos do rapaz até o violão. — Inicie colocando os dedos sobre os espaços demarcados. Está vendo?

Os dois jovens passaram um bom tempo conversando enquanto Dominic se esforçava para não propagar um som horrível no instrumento cada vez que tentava seguir as notas. Falaram sobre como se sentiam em relação àquela situação — de maneira inédita, porque ninguém naquele trem costumava falar sobre como se sentia.

Ollie contou a Dominic que a Academia de Artes de Morrowborn não era definitivamente o seu maior orgulho. Ela se consagrou como uma das grandes artistas da instituição, embora nunca tenha se sentido devidamente reconhecida. Isso porque, embora houvesse amor na arte, e refúgio, e paixão, as pessoas com quem Olivia dividia o seu trabalho não eram tão gentis. Foi por isso que ela não ficou tão triste com o fechamento da Academia, quando a crise começou. Então deixou para trás a capital e pretendia encontrar conforto em uma cidadezinha "que parou no tempo". Podia ser que a arte, por si só, não dependesse dos grandes edifícios acinzentados e dos outdoors da metrópole para existir.

A jovem Armstrong retornou para a sua cabine algumas dezenas de minutos depois, antes tendo encontrado com Thomas para que ele lhe entregasse o passaporte de Elliot, como prometido. Ela se sentou frente à janela e, alternando o olhar entre a vista externa — que dava para o pequeno amontoado de girassóis entre as árvores — e o quadro que tinha mãos, tentava fazer a sua cabeça continuar funcionando.

• O abismo que sussurra sem parar.
• Cinco assassinatos.
• Recados escritos em "capítulos".
• Uma foto tirada da janela do trem.
• O corpo de Elliot Montgomery escondido debaixo do corredor.
E por último, a pintura de um grupo de pessoas com os rostos borrados.

— Eu sei que você quer me dizer alguma coisa. — Ollie segurou a pintura com as duas mãos, enraivecida. — Então me diga! Me diga!

Quando largou o artefato sobre a cama no lado oposto do quarto — aquela que pertencia à Chariot —, Olivia se deu conta de que a presença dela fazia muita falta. Chariot era extremamente inteligente, embora fosse difícil adivinhar o que ela estava pensando.

— Você teria resolvido este enigma antes de mim. — a garota cruzou os braços e suspirou pesadamente. Depois, Ollie se deitou na cama de Chariot.

Ela apanhou o passaporte e o colocou ao lado da pintura. De acordo com a data de nascimento do suposto Elliot Montgomery, exposta em seu documento, a idade daquele cadáver poderia facilmente ser condizente com a idade de uma das quatro pessoas na foto — embora ela não pudesse dizer com certeza se eram homens, mulheres ou jovens. Então ainda era um tiro no escuro. Mas o que isso deveria significar? Que Elliot era uma vítima? Ou era quem estava contando a história? Ou, talvez, as duas coisas? Contudo, ele também estava morto agora, o que tornava tudo mais complicadas.

Ollie não podia tomar nenhuma dessas hipóteses como verdade ainda. Por isso averiguou a pintura mais uma vez. Agora, de um jeito inesperado, ela passou a enxergar um detalhe que antes não havia visto.

Recapitule comigo, Passageiro Número Dois: eram quatro rostos na parte inferior da ilustração. Atrás deles, o trem e por fim a floresta. O que Ollie não havia percebido era que um "pedaço" da pintura havia sido encaixado de cabeça para baixo. Encaixado? Ela se deu conta, então: não era um quadro. Era um maldito quebra-cabeça!

Olivia arrancou a peça que estava virada para baixo e notou, em seguida, que o quadro era dividido em várias outras pequenas peças unidas em uma montagem quatro por quatro — ou seja, dezesseis peças. A garota começou a desmontar a paisagem, enlouquecida.

E assim como imaginou, lá estava uma terceira imagem. Cada peça, quando rotacionada até o lado contrário, tinha o fragmento de uma nova figura. Olivia inverteu os pequenos quadrados e passou a colocá-los nas posições que aparentavam fazer algum sentido.

Depois de algum tempo, o mosaico permitiu que a Armstrong enxergasse a imagem de um poema. Quando encaixou corretamente as primeiras peças da parte superior, alguns trechos começaram a aparecer.

"Capítulo 7:
Dois foram abandonados ao terror.
Sete dias felizes na..."

Finalmente alguma coisa fazia sentido. Era isso! Quando a frase estivesse completa, haveria uma resposta. Um pico de adrenalina se apropriou do corpo da moça ao perceber que estava mais perto do que nunca de descobrir o que tudo aquilo significava. Ollie caminhou de um lado para o outro do quarto, procurando com os olhos pelo próximo sinal naquela pintura.

De repente, quando se aproximou da porta do quarto, ouviu um barulho vindo do corredor. Normalmente ela ignoraria qualquer coisa que acontecesse do lado de fora e voltaria ao seu trabalho. Mas naquela tarde, envolta pela sensação de esperança, Olivia abriu a porta.

Seus olhos não encontraram nada, sequer uma alma viva. A claridade das janelas já havia adquirido uma coloração cinzenta — anormal para o fim de tarde costumeiro, mas coerente com a tempestade que estava chegando. Ollie agarrou a maçaneta e, quando preparava-se para voltar para dentro, enxergou uma silhueta no final do corredor do lado esquerdo. Alguém estava na porta de entrada e desapareceu quando a garota avistou o sujeito.

Olivia trancou a porta do quarto e caminhou até a janela. A essa altura, as árvores já empurravam umas as outras com a ventania forte que fazia. Gotas de chuva começaram a manchar a terra sob os trilhos. Entretanto, o que chamou a sua atenção foi a visão que teve dos arbustos bem à sua frente: os girassóis não estavam mais lá.

Acompanhada de um arrepio congelante, a garota se afastou da janela. Não era possível que estivesse louca. Aquelas flores estiveram ali, amontoadas em meio à paisagem verde, desde que chegaram — Ollie as viu, eu as vi e você as viu, Passageiro Número Dois. E agora, de repente, não restava uma sequer. Somente as raízes ressecadas e maltratadas.

O vento não faria isso — não teria força o suficiente. Alguém os arrancou e isso aconteceu durante os últimos minutos em que esteve naquela cabine.

Atordoada, Olivia encarou o esboço da pintura de seus girassóis, que deixou perto da janela na noite passada, e notou uma divergência grandiosa desde a última vez que havia olhado para ela. As flores não eram mais amarelas, mas vermelhas. Alguém devia ter derramado alguma substância sobre a pintura de Ollie enquanto ela esteve fora.

— Não pode ser. — sacudindo a cabeça em negação, a garota levou os dedos até a pintura de girassóis e tocou na tinta. — Sangue. — murmurou.

Seus batimentos aceleraram. Com um sentimento esquisito em relação àquele recado, Armstrong agarrou o quadro que havia deixado na cama e a sua boina. Vestiu-a, saiu pela porta e começou a andar rapidamente enquanto olhava com atenção para a obra.

— Vamos lá. O seu tempo está acabando, Olivia. — disse a si mesma.

Ela andou em passos rápidos até a cabine de Claire e bateu na porta, mas ninguém atendeu. Como uma segunda tentativa, Ollie andou mais alguns vagões e clamou pelo nome de Thomas, que deveria estar no dormitório. Mas não estava.

Quando retornava para o seu dormitório, a garota ouviu uma sequência de diálogos feitos em cochichos. Ela olhou pela janela do salão de jantar e notou que duas pessoas estavam do lado de fora, perto dos arbustos. Eram Bethany e o bilheteiro.

— Mas o quê... — pensou Olivia, arqueando a sobrancelha. O que aqueles dois teriam para conversar?

Depois de colocar o ouvido perto da parede, a Armstrong ficou em silêncio e tentou identificar a conversa.

— Estou falando sério, rapaz. E espero que não esteja brincando comigo. — Bethany abordava o sujeito com as mãos na cintura. — Você contou alguma coisa a alguém neste trem, ou não? Sabe que estamos correndo muito mais perigo agora do que estávamos na hora em que fizemos este acordo.

— Eu prometo, srta. Hayes! Prometo! — o homem entrelaçou os dedos em súplica. — Ninguém sabe. Fico de boca fechada o tempo inteiro, mesmo quando me fazem perguntas perigosas repentinamente. Ninguém sabe de nada.

— Continue assim. — Bethany deu uma última olhada para o rapaz, de cima a baixo, e depois o deixou.

Olivia se afastou da janela e voltou a caminhar em direção ao outro vagão. Não sabia exatamente o que pensar sobre aquilo, a não ser o óbvio: cada viajante naquele trem mentiu sobre alguma coisa desde que chegou ali. É claro! Tão gentis, sorridentes, ingênuos e...

— Mentirosos. — Olivia cerrou os olhos.

Bastava saber quem estava mentindo sobre ser o Contador de Histórias. Mas, de qualquer forma, Ollie sabia que o quebra-cabeça em suas mãos importava mais do que aqueles dois sujeitos esquisitos do lado de fora. Então continuou andando.

Por uma sequência de momentos imersos em bizarrice e horror, Olivia Armstrong esteve completamente sozinha. Ela olhou para as duas direções do corredor e não enxergou nada além do vazio.

No instante seguinte, porém, avistou cinco dedos de uma mão sendo deslizados sobre a borda da passagem de transição dos vagões, no final daquele corredor.

Ela tinha os olhos arregalados. Correu na direção oposta e procurou abrigo em alguma das cabines. Todas elas estavam trancadas, inconvenientemente, com exceção de uma. A Armstrong não esperou: empurrou a porta e girou a maçaneta logo depois de entrar.

Quando olhou para o lado esquerdo — depois de recuperar o fôlego —, se deu conta de que aquele era o banheiro estreito do primeiro vagão. Tudo ficou silenciosamente congelado por um curto espaço de tempo.

Não houve passos, sussurros, batidas. A garota pôde se afastar da porta e teve alguns momentos para pensar no que faria. Ela só precisava gritar. Gritar, é claro. Porque alguém a ouviria.

No instante seguinte, uma batida na porta. Olivia hesitou em sair do lugar na primeira reação, mas ouviu uma segunda batida mais forte ainda. E uma terceira. E ainda outra. Suas pálpebras nunca desejaram tanto que aquela garota mantivesse os olhos fechados e fugisse do perigo, mas Armstrong insistiu em continuar encarando a porta.

As batidas continuaram. A fechadura estava sendo empurrada com força e não havia ninguém por perto. Ao menos não havia ninguém que quisesse ajudá-la.

— Socorro! Socorro, por favor! — Ollie deixou a sua boina cair no momento em que precisou colocar o corpo contra a porta para segurar a estrutura.

Não tinha mais tempo. O que separa Olivia Armstrong da maioria das outras pessoas, aquelas que temem e aquelas que fogem — como eu e como você, muito provavelmente —, foi que ela decidiu que usaria os últimos minutos em um beco sem saída para resolver um mistério que nem mesmo a ajudaria a tempo.

É claro. Porque saber o que tinha naquela pintura enigmática não a salvaria do assassino do outro lado da porta. Mas era uma descoberta com potencial para salvar os seus companheiros de viagem. E foi por isso que Ollie continuou. Ela segurou as lágrimas, manteve os lábios trêmulos presos um ao outro e voltou a ler as escrituras debaixo da tinta do quadro.

Dois foram abandonados ao terror; Sete dias felizes na história... prosseguiu ela. Após encaixar as peças inferiores, o restante da mensagem apareceu: — O primeiro momento; De uma vida com zero memórias.

Não fazia sentido. Fosse pela adrenalina correndo em suas veias agora, pelo maníaco do outro lado da porta ou pela sua ingênua incapacidade, algo na cabeça de Olivia Armstrong não se encaixava!

Então ela começou a se lembrar. Assim, como se a história retrocedesse a um certo dia. "Um certo dia... um dia específico...", pensou consigo. Não era só uma história sendo contada em forma de poesia. Havia uma data implícita.

"Dois foram [...]"
"Sete dias [...]
"O primeiro [...]"
"Zero memórias [...]

— Vinte e sete de outubro! — gritou ela, cobrindo a própria boca logo em seguida. — Dois, sete... um e zero.

Os olhos arregalados de Ollie tomaram nota do que aquele poema queria dizer: alguma coisa aconteceu em vinte e sete de outubro. E ela sabia o que era. Porque agora, afinal, lembrava-se de grande parte da história.

A garota redirecionou o olhar até a parte inferior do quadro uma última vez. Logo abaixo da última peça, escondido com cuidado, havia um pedaço de papel. Olivia o retirou da estrutura com cuidado e o desenrolou.

— Ah... minha nossa. — ela engoliu em seco. — Minha nossa!

Tratava-se de uma carta. Havia um longo e complexo texto escrito por um sujeito que se identificava no rodapé do cartão. Infelizmente, o destinatário era tratado como "anônimo", embora a identidade do remetente fosse o suficiente para que Olivia soubesse quem estava por trás daquilo. Era um passageiro que estava no trem.

— Descobri. — a sua voz silenciou-se no momento seguinte.

Algum tempo depois, a fechadura da cabine foi quebrada, e o silêncio entornou aquela saleta como se nenhum grito tivesse saído de lá. O restante do corredor também permanecia vazio.

— Com licença! Você viu Olivia Armstrong? — Thomas perguntou, ao esbarrar com o bilheteiro na saída do primeiro vagão, coincidentemente perto do último cômodo em que ela havia estado.

— Não, senhor. Eu... eu preciso ir. — o sujeito saiu andando apressado.

Confuso, Thomas pensou em deixar o vagão e buscar pela passageira no lado de fora, talvez — onde a tinha visto com Dominic mais cedo —, não fosse por um rangido repentino que o fez mudar de ideia. Vinha da porta do banheiro.

Quando se aproximou, ele viu que a fechadura havia sido quebrada e uma corrente de ar atravessava a passagem com rapidez. A claridade no céu já havia diminuído a essa hora, o que dificultou a sua visão. Ainda assim, não podia fingir que não viu o que tinha lá dentro.

Capucci afastou-se ligeiramente da porta. Na verdade, o homem sentiu como se seu corpo tivesse sido expulso daquele pequeno cômodo. Agora grudado à parede do corredor, ele deixou que suas pernas perdessem a força e o fizessem cair no chão, de joelhos. Mas não tirou os olhos da cena por sequer um instante.

Dominic foi o segundo a chegar. Os gritos incômodos do garoto — que, por algum motivo, estava preso à ideia de que podia salvar a jovem Armstrong de algo que já havia acontecido — apareceram em seguida. E isso perturbou Capucci, com seus lábios trêmulos que não diziam nada. Nenhuma palavra.

Outras três garotas, Sophie, Bethany e Claire, vieram ao encontro dos rapazes quando ouviram os gritos. Austin McCarty, por sua vez, foi o primeiro passageiro a colocar um fim no terror instantâneo instaurado no trem. Ele agarrou a maçaneta e puxou a porta para que assim ninguém mais pudesse observar aquilo. Com "aquilo", Passageiro Número Dois, eu me refiro à queda de Olivia Armstrong. Ao fracasso da sua tentativa de salvar aquele trem e as pessoas que estavam nele. Também me refiro à quebra de expectativa de Thomas Capucci, que, no início daquele dia, havia dito com todas as palavras: "Olivia Armstrong é a nossa única esperança".

A esperança, portanto, estava morta agora. Porque Ollie também estava.

Dentro daquele cômodo estreito, a confirmação: o cadáver de Olivia foi inclinado sobre a banheira horizontalmente. Perna e braço direitos pendurados para fora, enquanto o restante do corpo apoiava-se na parte interna do compartimento. O sangue ocupava a superfície de todo o seu corpo — em específico os seios, onde um corte havia sido feito, partindo de duas enormes perfurações.

Olivia tinha os olhos fechados, embora carregasse consigo desde que subiu naquele trem um olhar tão esclarecedor que não se perderia assim tão facilmente. Na mão esquerda, ela segurava um fragmento de papel envelhecido. Talvez uma pista. Um enigma cuja resolução não tinha sido concluída a tempo. Não se sabe, e nenhum deles teria a chance de saber agora.

O último detalhe que puderam notar antes que Austin fechasse aquela porta foi a meia dúzia de flores amarelas espalhadas pelo chão do banheiro. Eram girassóis. Os mesmos que sumiram dos arbustos mais cedo. Que irônico, de certa forma. Agora Olivia poderia entender por que eles haviam sido roubados.

E este, finalmente, era o sinal. O vento soprando tão forte e as árvores tão inquietas, as paredes da locomotiva vibrando sem parar — este era o sinal! O sinal de que algo não funcionou. De que estavam perdidos, é claro. De que não tinham mais para onde fugir.

A tempestade estava a dez minutos de invadir aquela região. Mesmo assim, Capucci e os outros decidiram ir até o lado de fora da locomotiva — não podiam continuar sequer mais um minuto presos àquele cativeiro.

Dominic caminhou até a beirada do abismo junto de Austin. Os dois encararam-se antes de levar os olhos até aquele buraco. Nunca pareceu tão assustador apreciar os raios no céu se preparando para atacar o pequenino trem na beira do abismo.

Enquanto isso, Thomas ajoelhava-se perante a enorme máquina à frente deles. Com duas bolsas de água sob os olhos, o homem encarou o farol e expulsou de seus lábios um grito de pavor.

Nós fizemos tudo. — murmurou, entre dentes. — Não entendo, então. Não entendo! Se algo precisava ser feito, se... se éramos pecadores, como Judith Petit imaginava, por que resolveu nos dar essa chance? Por que ainda estamos aqui? — continuou ele, sem tirar os olhos da locomotiva.

Claire se aproximou do rapaz e juntou-se a ele, pondo a mão sobre seu ombro. Ela esperou o momento certo para dizer alguma coisa, embora não soubesse como. Porque Thomas tinha razão.

— Diga-me! — gritou, apavorado. — Diga alguma coisa! Diga o que é preciso ser feito!

O diálogo entre o homem e a máquina chamou a atenção do restante do grupo, que observava assustado a cena. Pouco a pouco, convencidos pela aversão à ideia de permanecer ali fora quando a chuva começasse, cada um dos passageiros deixou os trilhos e voltou para dentro. Foi exatamente como se estivessem aceitando o destino estático de permanecer, para todo o sempre, naquela espécie de limbo que era o trem para Barrymore.

Exceto Thomas.

Ele voltou para dentro do trem em silêncio, ainda que a sua garganta ardesse com as futuras quatro palavras que diria — e que modificariam quase inteiramente aquela situação.

Eu sinto muito, Passageiro Número Dois, por não ter contado cem por cento desta história na primeira vez em que nos conhecemos. Bem, eu precisava que você visse isso com os próprios olhos. Ou que ouvisse com os próprios ouvidos.

Quando Thomas chegou ao salão de jantar, respirava ofegante como se tivesse acabado de se lembrar de alguma coisa muito terrível. Seus sapatos encharcados haviam deixado marcas no carpete, e a água presente em suas vestes continuava a escorrer.

Do lado de fora, a tempestade começou. Um azul acinzentado tomou conta do cenário, e ali dentro, presos como ratos, os oito passageiros restantes encaravam o ex-policial mentalmente desequilibrado com um olhar de julgamento sobre eles.

Entreolhares nervosos foram propagados e depois jogados para cima do homem. Com cuidado, ele deu mais um passo à frente e falou de uma vez por todas o que devia ter sido dito quando embarcaram.

Não há mais girassóis, Passageiro Número Dois, se é o que quer saber. Só há sangue, mentira e pecado a partir daqui. No entanto, continue. Porque enquanto narrava a segunda noite desse inferno, eu disse a você que Thomas Capucci não era o único a ter mentido no vagão do quiosque, quando todos se conheceram. Bem, eu vou ajudá-lo a confirmar essa hipótese agora. Portanto, permaneça no trem se quiser saber como isso tudo termina.

— Não podemos continuar mentindo. — Thomas exclamou com firmeza, interrogando-os com o olhar. Nem sequer um suspiro foi ouvido do outro lado. — Todo e qualquer passageiro que ainda está neste trem, vivo, é culpado. Estávamos na viagem com destino a Barrymore, em vinte e sete de outubro, quatro anos atrás. E somos cúmplices de assassinato... porque vimos aquela criança sendo empurrada no abismo e não fizemos nada.

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