Psicose (Livro I)

By andiiep

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Melissa Parker é uma psiquiatra recém-formada que encontra seu primeiro emprego em um manicômio judiciário. E... More

Aviso Inicial
Prólogo
Um - St. Marcus Institute
Dois - A holandesa de Cambridge
Três - Inesperado
Quatro - Sutura
Cinco - Insônia
Seis - Happy Hour
Sete - Progresso
Oito - Passado
Nove - Proximidade
Dez - Embriaguez Acidental
Onze - Hormônios!
Doze - Corey vs Brian
Treze - Fotografia
Quatorze - Helvete
Quinze - Perigo
Dezesseis - Triângulo
Dezessete - Sobrenatural
Dezoito - Confusão
Dezenove - Corey vs Brian (parte 2)
Vinte e Um - Render-se
Vinte e Dois - Bipolaridade
Vinte e Três - Mensagem Sobrenatural
Vinte e Quatro - Intimidade
Vinte e Cinco - O inferno converte-se em paraíso
Vinte e Seis - Não Há Compaixão Com a Morte
Vinte e sete - Quebra-Cabeças
Vinte e Oito - O Passado Condena
Vinte e Nove - REDRUM
Trinta - Veritas Vos Liberabit
Trinta e Um - Plano de Fuga
Trinta e Dois - Luxúria
Trinta e Três - Preparação
Trinta e Quatro - Vai Dar Tudo Certo!
Trinta e Cinco - Um Sonho de Liberdade
Trinta e Seis - Scotland Yard
Trinta e Sete - Reencontro
Trinta e Oito - Vigilância Constante
Trinta e Nove - Corpo e Alma
Quarenta - Encontros e Desencontros
Quarenta e Um - Armadilha
Quarenta e Dois - Salvação?
Quarenta e Três - Tentativa e Erro
Quarenta e Quatro - O Infeliz Retorno
Quarenta e Cinco - Do Pó Vieste...
Epílogo
AUTO MERCHAN

Vinte - O plano mirabolante de Corey Sanders

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By andiiep



Era difícil dormir depois de um dia cheio de trabalho do St. Marcus Institute. Na verdade, era difícil dormir no St. Marcus Institute, fosse o dia cheio ou não. Os pacientes gritavam, o vento batia nas janelas e produzia zumbidos estranhos, cômodos aparentemente inofensivos esfriavam até a temperatura inverno polar, fantasmas sussurravam em seus ouvidos... Nenhum desses fatores, entretanto, era tão incômodo para pegar no sono quanto ser beijada intensamente por Corey Sanders.

Esse sim era um motivo para se manter acordada.

Bem acordada.

Primeiro porque sua sensatez a punia lembrando que era a pior profissional da história da psiquiatria. Segundo porque seus hormônios a puniam lembrando o quanto era bom, e que não podia ter na quantidade que quisesse, quando quisesse. E nunca poderia.

O que tornou dormir um ato quase impossível naquela noite, contudo, foi o que Melissa encontrou sobre sua cama assim que adentrou seu dormitório. O objeto cilíndrico preto se destacava entre seus lençóis brancos. Era o batom que havia sumido no banheiro, no dia em que aquela palavra ainda desconhecida fora escrita com ele no espelho.

Melissa fechou as mãos em punho e engoliu em seco, tentando trazer a calma necessária para lidar com aquela situação. Não havia frio ali. Não havia fantasma. Não havia ninguém. Talvez alguém tivesse encontrado o batom. Talvez alguém adivinhasse que era dela... Mais sensato pensar assim, do que deduzir que um fantasma havia levado seu batom até ali. Sem pensar muito sobre o assunto, antes que desistisse da ação, Melissa pegou o objeto e o jogou pela janela, longe o bastante do prédio administrativo. Não queria aquela coisa por perto. Nunca mais.

**

Quando o clarear do dia impediu Melissa de continuar rolando entre seus lençóis, tinha ideia fixa. Tempo para pensar sobre o assunto teve de sobra, devido a mais uma noite em claro.

Os beijos de Corey Sanders eram atrevidos, errados e inesperados, roubavam seu senso de realidade com uma facilidade que ia além do vergonhoso... Porém a doutora ainda se lembrava do pedido quase desesperado de ajuda do dia anterior. As exatas palavras dele ainda reverberavam em sua mente:

"Eu preciso de você, doutora. Preciso de você pra me manter preso na realidade. Eu não quero enlouquecer."

E se Corey Sanders estivesse certo todo esse tempo e fosse inocente? E se alguém cometeu aquele crime bárbaro e fez de tudo para incriminá-lo? Poderia Melissa deixar que alguém são enlouquecesse preso entre as paredes frias do helvete?

Por algum motivo inexplicável, sempre achou, desde a primeira análise do arquivo de Sanders, que tinha alguma coisa muito errada com aquele crime. Não que tivesse conhecimento suficiente sobre investigações criminais, mas havia inconsistências relevantes, como a faca encontrada sob o assoalho sem impressão digital conclusiva, o depoimento questionável das duas testemunhas que disseram ter ouvido Barber gritar naquele quarto, a falta de um álibi, então o diagnóstico de psicopatia um tanto apressado, sem muitos fundamentos. Talvez Brian tivesse razão, talvez tenha sido comprado, porque ele não teria uma estadia muito cômoda em uma prisão convencional. Talvez o pai não pudesse suportar a ideia de que tinha um filho preso. Um filho internado em uma instituição para doentes mentais parecia menos absurdo.

Sabia que essa vontade repentina de fazer alguma coisa tinha a ver com aquele último beijo, e que isso deveria ser estancado, para não piorar ainda mais sua situação ridícula. Mas não podia deixar de considerar a hipótese, agora que fora levantada com tamanha energia.

Corey Sanders não era um psicopata, poderia dizer sem muitas dúvidas. Tivera sessões psiquiátricas e convivência íntima (uma vergonha) suficiente com ele para dar esse diagnóstico sem muito medo de errar. Estava, sim, em um leve quadro de depressão, em razão dos anos que passara naquele lugar. Qualquer um com mente sã que chegasse ali para pagar por um crime que não cometera sucumbiria, a mente humana não era invencível, não era tão forte. Não a esse ponto.

O sentimento de injustiça poderia destruir uma pessoa inocente, devastar sua lucidez e, se suas levianas suspeitas estivessem ao menos perto da verdade, tinha obrigação moral de evitar que aquela tortura a Corey Sanders prosseguisse. Era lógico que não era o sistema judiciário inglês, muito menos a polícia, mas se encontrasse alguma coisa, qualquer coisa, que pudesse colocar aquela condenação em dúvida, faria isso. Algo dentro dela gritava em alto e bom som que deveria dar o primeiro passo para mudar a vida daquele paciente atrevido que achava interessante beijá-la escondido.

Concluiu, portanto, antes de qualquer coisa, deveria livrá-lo do ambiente insalubre do helvete. Melissa não tinha ideia do que Corey Sanders fizera para ganhar uma cela no inferno, porém queria acreditar que já era um motivo banal a essa altura. E queria acreditar que um ambiente – ainda que infestado de loucura por todos os cantos – mais saudável como o prédio B, ajudaria na manutenção da sanidade que tanto alegava perder a cada dia.

Depois de seu banho quente, e de se enfiar em suas vestes brancas e jaleco, Melissa foi ao prédio administrativo. Não sabia se encontraria o doutor Thompson no escritório àquela hora, mas resolveu arriscar. As duas batidas educadas na porta foram seguidas de um silêncio nervoso, então, antes do esperado, a voz cansada do velho doutor autorizou sua entrada. A doutora respirou fundo, contando até três para buscar a calma, coragem e cara de pau suficientes para fazer o que estava prestes a fazer. Não sabia se tinha autoridade ou legitimidade para tanto, porém não custava nada tentar.

— Bom dia, doutor Thompson. — ela cumprimentou, ao adentrar a sala que sempre cheirava a charuto.

E naquele dia cheirava também a café.

O doutor Thompson levantou o olhar do livro que examinava, puxando os óculos para a ponte do nariz, e sorriu amigável quando a reconheceu.

— Doutora Parker... Bom dia! A que devo a visita?

— Eu... Hm... — Melissa pigarreou — Vim fazer um pedido. — então sorriu incerta — Estou atrapalhando alguma coisa? Posso voltar mais tarde...

— Não, de modo algum! Sente-se...

Melissa fez o que lhe foi requisitado e teimou com a insegurança em manter o mínimo sorriso em seus lábios. Não queria demonstrar nervosismo.

— Então... Qual a natureza do seu pedido? — ele fechou o livro e apoiou as mãos cruzadas sobre o mesmo.

Parecia mais bem humorado do que o usual, e isso incentivou a doutora a prosseguir com seus planos.

— Eu... Gostaria, antes de tudo, de saber se poderia um pedido dessa natureza...

— Qual o caso?

— Tenho um paciente que... Bem, eu realmente acredito que o lugar em que se encontra aqui no St. Marcus contribui bastante para sua deterioração e debilidade mental... — começou Melissa, preferindo encarar seus dedos suados que se entrelaçavam nervosos.

— O engraçado, doutora Parker... — o doutor Thompson a interrompeu. O tom divertido em sua voz a fez erguer o olhar até ele, apenas para encontrá-lo sorrindo de modo curioso — É que há uma semana você tinha problemas com Corey Sanders e não queria mais atendê-lo, então depois voltou atrás e agora acha que ele merece um descanso do helvete?

Melissa engoliu em seco, sentindo-se culpada pelo olhar curioso e acusador que recebia. De repente quis voltar atrás e nunca ter tido aquela ideia maluca.

— Como sabe que eu falo de Corey Sanders?

— Eu acho que o único paciente que você tem que despertaria esse tipo de interesse seria Corey Sanders. Duvido muito que vá querer tirar Megan Janeth McPhearson do helvete...

— Eu só acho que... Ele merece uma chance de ficar de fora do helvete. Se não der certo, é claro, eu sou a primeira a concordar que volte para lá, mas seria interessante para o tratamento dele. Acho que as saídas de lá durante algumas horas da tarde não são o suficiente para deixá-lo em paz...

— Três dias longe de lá não é o suficiente para deixar alguém em paz, se quer saber... — o doutor Thompson deixou de lado o sorriso, para dar lugar ao tom profissional de sempre. — Posso saber o que a levou a chegar a essa conclusão, doutora Parker?

— Eu acho que ele vem evoluindo bastante nos últimos tempos... Tem falado com as pessoas e frequentado as sessões de terapia em grupo... Embora tenha tendência a arranjar confusão com o doutor Peters, mostra-se bastante sociável com os demais, na verdade, o contrário do que representam os pacientes do helvete. Acho que ele tem condições de socializar sem causar possíveis danos. Ele já tem a permissão para sair, então acho que há segurança suficiente para deixá-lo permanecer do lado de fora.

— Você sabe qual o motivo que o enviou ao helvete?

— Não, não constava no arquivo dele, por algum motivo desconhecido. - Melissa balançou a cabeça em negação — O senhor pode me contar? — pediu.

O doutor Thompson pensou por alguns instantes. Instantes esses que deixaram Melissa ainda mais nervosa, curiosa e então ansiosa.

— Eu gostaria que você mesma perguntasse a ele o que ocorreu. — o doutor Thompson disse, enquanto buscava um pedaço de papel dentro de sua gaveta. O estômago de Melissa deu um pulo — Vou autorizar a entrada dele no prédio B e gostaria que soubesse que Corey Sanders está total e inteiramente sob sua responsabilidade. Vou confiar nos seus instintos e esperar que nada de mau aconteça. — enfim ele baixou o olhar sobre papel e começou a preenchê-lo na lentidão senil de sempre.

— Espero não estar errada também... – comentou a doutora, enquanto analisava a bela decoração do escritório do doutor Thompson, à espera da autorização.

Melissa apertava o papel que autorizava a saída de Corey Sanders do helvete entre seus dedos escondidos pelo bolso do jaleco. A caminho de sua visita rotineira ao prédio A, ponderava com os dois lados de sua consciência se era, de fato, segura a transferência dele. Não tinha assim tanta certeza do domínio de sua sanidade. Tinha, sim, uma forte impressão, como produto de uma conclusão de seu sexto sentido e de sua desconfiança sobre os motivos que o levaram até ali, mas não via maneira de confiar tão cegamente em algo tão vago.

Além disso, Melissa não sabia o que Sanders fizera paga ganhar uma cela no helvete. E talvez fosse algo grave, uma vez que, de fato, não constava em seu arquivo, e ali deveria estar cada movimento seu, desde aqueles que o levaram até ali, até todos os que fazia a partir de então. Por que essa situação fora omitida?

Melissa pensou nos milhões de modos diferentes que poderia abordar Sanders para perguntar sobre o assunto, mas não encontrou um que fosse sutil o suficiente. Resolveu, ao menos por enquanto, continuar acreditando nos seus instintos.

Sem hesitar, entregou o papel de transferência de Corey Sanders a Pete, o carcereiro chefe, na entrada do helvete, e tratou de fazer seu caminho para bem longe dali.

Ao chegar ao prédio A para seu plantão, Melissa conseguiu livrar a mente do único pensamento que a ocupava quase todas as horas de seu dia: Corey Sanders. Seu lado profissional, que conseguiu aclamar com certa dificuldade, falou mais alto naquele momento, então adotou a postura médica que deveria. Tinha destino certo quando colocou os pés no lugar, formado por corredores brancos e compridos, que lhe davam calafrios com frequência. Devia desculpas e explicações a alguém, e sentia que tinha que fazê-lo o quanto antes.

Julia Sheffield, a essa altura, já não lhe assustava tanto, e no final das contas, Melissa havia criado certo carinho pela garota. Embora o crime que cometeu fosse tão frio e perverso quanto o de um paciente que habitava o helvete, não havia como não cultivar certa simpatia para com sua inocência e bom humor característico.

A porta estava aberta quando Melissa chegou ao quarto da garota, e ela se encontrava aninhada em uma bola no canto de sua cama. As mãos envolviam os joelhos, sobre os quais apoiava o queixo. As costas batiam contra a parede toda vez que ela ia e voltava, para frente e para trás. Os olhos estavam perdidos, lunáticos, encarando um ponto aleatório do quarto, com um interesse pouco saudável.

Melissa cruzou os braços ao encostar o corpo no batente da porta. Sua expressão se tornou culpada e sofrida. Uma parcela de culpa daquele novo estado catatônico de Julia Sheffield, completamente o oposto do que ela sempre foi, era sua. O peso em suas costas era incômodo, e dobrou quando o olhar insano de Julia Sheffield veio de encontro ao seu. Melissa sentiu as pernas vacilarem, porém se manteve firme, demonstrando segurança com um sorriso, que tentou não parecer forçado.

— O que está fazendo aqui? – a voz de Julia Sheffield soou fria.

E também ameaçadora. A doutora não se deixou abalar.

— Vim ver se você está bem.

— Pareço bem para você?

Melissa suspirou, analisando o estado deplorável de fraqueza e debilidade em que garota se encontrava. Mais alguns quilos foram adicionados ao peso sustentado por suas costas.

— Eu realmente sinto muito...

— Não, você não sente. Você mentiu para mim esse tempo todo...

— É uma situação complicada, Julia. Tentamos todos os tipos de abordagem com você, mas, por algum motivo que ainda não conseguimos descobrir, você apaga tudo e volta ao começo, e todo o esforço despendido é jogado no lixo. Por isso, dessa vez, optamos por mudar o método, por deixá-la viver nesse mundo que sua cabeça criou como um mecanismo de defesa para evitar que sofra ainda mais. Fizemos isso somente para evitar que você ficasse de jeito.

— Eu matei meus irmãos. — Julia soltou uma risada irônica e sem alegria, ignorando a explicação de Melissa — Como é que eu não consigo me lembrar disso? — e seu olhar insano exalou desespero.

— Você sofreu um trauma muito grande... Nossa mente às vezes escolhe apagar nossas piores memórias, para nos privar de estados depressivos.

— É ridículo! – Julia rolou os olhos — Eu tinha que me lembrar isso... Não é um simples detalhe da minha vida que não tem importância deixar passar... E era sua obrigação me fazer lembrar!

— Como eu disse, tentamos essa abordagem por algum tempo, os médicos que a atenderam antes de mim relataram isso em seu arquivo, mas não estava funcionando. Precisamos testar todas as alternativas, para recuperar o máximo da sanidade de nossos pacientes. E não sabemos por quanto tempo você estará lúcida como está agora. — a doutora lamentou, o tom de voz compassivo.

— Agora eu sei por que Jamie é tão carrancuda... Ela sabe o que fez. — Julia voltou a encarar um ponto aleatório do quarto novamente, balançando o corpo magrelo e frágil para frente e para trás, como fazia antes.

— Não gostaria de vê-la dessa maneira, Julia. Quero que se mantenha forte, para que possamos trata-la, para que possamos entender seus motivos, e fazer o possível para que tenha uma qualidade de vida melhor do que a que tem agora.

— Tarde demais, doutora Parker. Agora, se me dá licença...

— Deixa eu te ajudar? — Melissa ainda tentou.

— Eu não quero sua ajuda. – Julia voltou a encarar a doutora e o rancor em seu olhar quase cortava a pele onde se fixava — Não quero mais nada que venha de você. Saia daqui, por favor. — disse por último, e o tom frio e odioso em sua voz fez Melissa obedecê-la de imediato.

Melissa desencostou o corpo do batente da porta, lançando à garota um último olhar de arrependimento. Em seguida, virou as costas e saiu caminhando pelo corredor.

Péssima ainda era uma descrição positiva, perto de como Melissa se sentia naquele momento. Havia fracassado com um paciente. Não tinha ideia do quão doloroso e decepcionante poderia ser. A sensação era a de ser a pior pessoa do mundo, como se não fosse merecedora de sua formação. Talvez devesse voltar para Oxford, para debaixo da saia de sua mãe e ajudar o pai no escritório. Talvez a psiquiatria não fosse sua verdadeira vocação, apenas um sonho que viveu por um tempo, mas que logo se transformou em um pesadelo.

Tinha uma paciente que a odiava e não queria sua ajuda; tinha um paciente que saiu de seu controle e achava que poderia beijá-la e provocá-la quando bem entendesse. Ficou perguntando qual seria seu próximo feito brilhante, enquanto adentrava o banheiro social do prédio A.

Precisava jogar um pouco de água gelada no rosto, para se livrar da tortuosa sensação de ser a pessoa mais inútil do mundo. Apesar de achar aquele banheiro tão ou mais assustador que o do prédio administrativo, Melissa entrou. As paredes de azulejos brancos se tornaram escuras com o passar dos anos. Entre os rejuntes, o dominante era o preto da sujeira. Talvez as zeladoras não gastassem muito tempo com a limpeza por ali. Talvez elas não passassem por ali há um bom tempo. O cheiro, obviamente, não era dos melhores. A iluminação, algo característico do St. Marcus Institute, era precária. O frio não provinha dos acontecimentos sobrenaturais que vinham perseguindo Melissa, mas das grandes janelas de vidros quebrados, que deixavam o vento entrar.

Melissa respirou fundo, encarando seu reflexo derrotado no espelho. Desviou o olhar em seguida, deixando que a água gelada que saía da torneira congelasse seus dedos. Estava feliz, entretanto, que a tremedeira de frio não vinha do "fantasma" que resolvera atazana-la nos últimos dias.

A felicidade pela constatação, entretanto, esvaiu-se no segundo seguinte, dando lugar ao arrependimento. Talvez se não tivesse se lembrado do tal "fantasma", e agradecido por sua ausência, as luzes precárias do banheiro não começassem a piscar como, de fato, passaram a fazer.

O barulho era aquele mesmo que uma vez já a atormentara na sala do arquivo. Como se um inseto burro lutasse para sair batendo contra o vidro de uma janela. A temperatura já baixa, despencou. A fumaça de vapor que saía dos lábios embaçava o espelho. Melissa fechou os olhos, jogando a água gelada que escorria da torneira em seu rosto. Talvez acordasse de mais aquele pesadelo. Talvez se libertasse de mais aquela brincadeira de sua mente perdida.

Contudo, enquanto sentia que o líquido congelava também seu rosto, a sensação de que mais alguém estava ali a atingiu como um soco no estômago. Seus músculos paralisaram. A essa altura, Melissa já deveria saber o que fazer, já deveria estar acostumada... Porém, cada vez que acontecia, parecia ser pior. O medo era um poderoso anestésico e não havia remédio contra. Ela só conseguia sentir o peito subindo e descendo, no desesperado ritmo de sua respiração forçada. Quando um vento gelado a envolveu e fez bater todas as janelas e portas, Melissa abriu os olhos. Estava mais inconsciente pelo susto do que, de fato, pela falta de comando de seu cérebro.

Assim que seus olhos encontraram o reflexo pálido e assustado no espelho, percebeu que, pela primeira vez, desde que tudo aquilo começara, não estava sozinha. Havia alguém atrás dela. Verdadeiramente materializado. Logo ao seu lado, sussurrando algo em seu ouvido. Melissa, no entanto, não foi capaz de distinguir as palavras profundas e doces que ecoaram pelos azulejos sujos do banheiro.

Primeiro, porque o barulho das janelas batendo, e das portas acompanhando esse mesmo ritmo, deixava-a transtornada.

Segundo, um sussurro doce e profundo daqueles, também a fez tremer de medo e arrepiar em cada mínima célula que formava seu corpo.

E terceiro... Porque se encontrava em um estado tal de desespero, que nem ao menos era capaz de arregalar os olhos e gritar.

A forma que pairava ao seu lado era translúcida, parecia que iria esvanecer a qualquer segundo.

E foi o que aconteceu, no momento em que Melissa reuniu a coragem suficiente para ignorar o medo e se virar. Apenas para constatar que não estava ficando louca, que havia mesmo alguém ali.

Mas não havia.

Repentinamente, as janelas e portas pararam de bater, o frio cessou e as luzes se estabilizaram, como se nada tivesse acontecido. Melissa ainda ofegava e tremia, prova de que foi tudo real. Ela olhou em volta, buscando qualquer vestígio daquela presença, contudo fora embora e levara toda aquela palhaçada de filme de terror barato consigo.

Melissa, em uma reação de nervosismo extremado, riu, balançando a cabeça em negação. Zombou de si e do tipo de imaginação que desenvolvera desde que chegara ao St. Marcus. Quando resolveu jogar um pouco mais da água gelada no rosto, para acordar de vez daquele tormento sem pé nem cabeça, tomou talvez o maior susto de todos.

O espelho estava rachado ao meio, deixando seu reflexo assustado, também deformado. E o mais engraçado não era o fato de que não ouviu barulho algum de um espelho se partindo, mas que entre os cacos que se dividiam em milhares de linhas desconexas, havia uma palavra escrita, reluzindo em letras vermelho sangue.

JUSTITIE

Melissa deu dois passos para trás, ainda perdida na análise daquela cena que julgava, sem sombra de dúvidas, a mais absurda e sem sentido de toda a sua vida. E assustadora também, obviamente. Suas duas mãos foram na direção de sua têmpora, enquanto ela fechava os olhos e respirava fundo uma, duas, três vezes.

"Isso não é real, isso não é real, isso não é real"

Era o que repetia em voz baixa e desesperada. Quando tornou a abrir os olhos, seu desejo havia se realizado. Tudo estava em seu devido lugar, como se nada tivesse acontecido.

E foi ali que Melissa se deu conta de que estava alucinando. Que vinha alucinando perigosamente todo esse tempo. Era claro que nada daquilo poderia ser real. Talvez devesse começar a se medicar, antes que tivesse que fazer companhia para as internas do prédio A.

**

Corey tinha um problema, e seu nome era Brian, de sobrenome Peters. Já não bastasse sua situação, onde estava, pagando por um crime que não cometera, não bastava o intenso desejo que sentia pela doutora Melissa Parker, não bastava o fato de que era um desejo proibido, quis o destino que mais uma atribulação entrasse para sua lista.

Lembrava-se com clareza das palavras de Peters:

"— Ainda apreciando de longe o que não pode ter, Sanders? — disse ele, quando ambos saíram do consultório de Melissa.

Um sorriso irônico transbordava por seus lábios curvados.

— Não deveria tratar a doutora Parker como um troféu para esfregar na minha cara, isso é digno de pena.

— Digno de pena é ver você pensar que pode ter alguma coisa com ela. Continue assistindo e chupando o dedo, porque nunca a terá.

Corey riu.

— O que acha que ela diria se soubesse que a enxerga como mero objeto de exposição? Não parece ser a cara dela aceitar esse tipo de comportamento primitivo, Peters. Muito pelo contrário... Além do mais, parece que ela não está tão a fim de você...

Brian soltou uma risada nervosa.

— Não se meta no que não diz respeito a você.

— Talvez seja a hora de retirar seu time de campo, antes que passe ainda mais vergonha.

E no segundo seguinte, seu corpo era jogado contra a parede e o braço do imbecil Brian Peters pressionava seu pescoço, enquanto sua outra mão ameaçava um soco.

Foi quando Melissa chegou, trazendo com ela a calma necessária para estabilizar os ânimos agitados."

Corey sorriu ao se lembrar da expressão num misto de repugnância e ódio do doutor Brian Peters. A verdade era que não gostava de vê-lo forçando a barra com Melissa. Não que Corey não tivesse tentado ferrenhamente se aproximar da doutora, mas o caso era diferente. Ela queria, ela correspondia aos seus sorrisos, aos seus desafios, ela flertava com ele na mesma proporção, apesar de parecer se sentir culpada logo depois. Eram médica e paciente, afinal, e a conduta era terminantemente proibida, mas Corey não podia evitar, e Melissa também não. O problema era de ordem técnica, não sentimental.

Já Peters... Corey sentia que, em um dado momento, talvez a doutora tivesse achado interessante a ideia de ter um relacionamento com ele. Contudo, parecia ter passado, a julgar pelas cenas que Corey presenciara. E pelo modo como a via trata-lo, tentando sempre se afastar, quando o outro chegava perto de mais.

A pior parte, todavia, era perceber que, talvez, a partir do momento em que ela fora designada sua psiquiatra, e que ele percebera o laço que criaram, o interesse de Peters fosse voltado a fazer Corey sofrer, talvez não tivesse nada a ver com Melissa. Eles tinham um passado, tinham uma rivalidade que surgiu inesperadamente, mas que Peters ainda não tinha encontrado um modo de superar. Logo ele, o psiquiatra, que deveria saber controlar seus ímpetos. Peters era impetuoso além da conta, e desde o instante em que colocara os pés no St. Marcus, tomara como objetivo de vida infernizar a vida de Corey. Como se não estivesse infernizado o suficiente por aquele triste fim que levara.

Fato era que não gostaria de ver Melissa ser usada daquela forma. Era sujo, baixo, um tipo de comportamento absolutamente reprovável, que queria bem longe dela. Ela não merecia isso. Merecia alguém que quisesse ficar com ela por ser quem era, aquela mulher forte, respondona, desafiadora, doce, atenciosa, inteligente. Corey poderia começar uma lista de suas qualidades e não saberia quando terminar...

Foi nesse momento que percebeu que era muito mais do que desejo o que pulsava em seu coração. Não era apenas a sensação de que ela fazia sua porcaria de vida parecer uma praia paradisíaca caribenha quando estava por perto. Não era apenas a sensação de que ela curava o tormento que era sua cabeça cada vez mais atraída pela insanidade. Tinha algo a mais, algo muito poderoso, algo com que seu coração jamais antes havia convivido, por isso não sabia definir. Lá no fundo, uma voz sabia o que era, e estava tentando fazê-lo entender.

Queria levar aquilo mais adiante, queria dizer a ela o que fazia com sua vida. Melissa precisava saber, e se o sentimento fosse recíproco, Corey seria o homem mais feliz da Terra, preso em seu pior e mais cruel lugar. Um paradoxo que só a existência da doutora Melissa Parker poderia explicar.

Para isso, enfrentaria todas as dificuldades que o St. Marcus Institute lhe impusesse, e atingiria seu objetivo final com inegável sucesso. Não poderia esperar tanto, pois sua próxima sessão com Melissa estava muito longe. O beijo dela ainda queimava sua boca, queria mais dele, sentia... Saudades. A palavra rolou incômoda em seus lábios, até que se amoldou a ela, e não poderia parecer mais apropriada.

Precisaria fazer isso na sessão de terapia em grupo daquela noite. Mas um lugar mais reservado era necessário, não poderia simplesmente falar na frente de todo mundo que, por algum motivo, estava... apaixonado por sua psiquiatra. A primeira reação seria afastá-lo de Melissa para sempre. E provavelmente demiti-la logo em seguida.

Corey teve o dia todo trancafiado no escuro proposital de seu quarto para pensar em um bom plano, o que efetivamente fez. Não tinha ideia se seria tão eficaz quanto a teoria, mas arriscar era a palavra chave ali. Por isso, quando Pete chegou a seu quarto, próximo do horário das oito da noite, seu coração batia acelerado de ansiedade. Andava em círculos há mais de quinze minutos.

— Nunca antes o vi tão animado para uma sessão de terapia em grupo... — Pete franziu o cenho em desconfiança, enquanto algemava o inquieto Corey.

— Não estou animado. — Corey resmungou, mal conseguindo conter o sorriso maroto.

— Conheço você por tempo suficiente para saber como se sente, Sanders. — Pete rebateu.

Caminhavam pelo corredor do helvete, em direção à sua abençoada saída. Ao sair dali, o ar já era mais puro e o clima bem menos pesado. Era como se saísse um piano de suas costas.

— Então não vai se sentir incomodado por me ajudar com algo... — Corey arqueou a sobrancelha e lançou-lhe o olhar esperto de quem planeja aprontar algo.

— Estou aqui para olhar por você, mas sabe que não posso me complicar, Sanders...

— Não vou pedir nada que possa complica-lo, Pete. Não quero arranjar confusão...

— O que quer que eu faça? — Pete perguntou, soltando um suspiro derrotado, depois algum tempo pensando em silêncio.

— Apenas que atraia a doutora Melissa Parker para fora da sala de terapia de grupo... Do resto cuido eu.

— E eu não posso perguntar por que diabos você quer que eu faça isso, posso? — o olhar do outro foi desconfiadíssimo.

— Eu não vou arranjar nenhum tipo de confusão. — Corey sorriu com falsa inocência. — Pode ficar tranquilo... Sabe que eu não faria mal algum a ela...

— Eu sei, mas tenho medo de que possa fazer outras coisas... Sabe que não pode se envolver dessa forma com ninguém. Principalmente com uma médica.

— Só faça o que eu pedi, tudo bem? Não vou fazer nada de que possa me arrepender depois, pode acreditar.

— Farei isso, mas você sabe que não é por você, não sabe?

— Eu sei. — Corey assentiu, e deu um tapa amigável no ombro de Pete — Mesmo assim eu agradeço.

— Para onde eu devo atrair a doutora Parker, afinal de contas?

— Eu não sei... — Corey deu de ombros — Que lugar, além de seus próprios consultórios, os médicos mais frequentam no prédio administrativo? Um que seja bastante isolado?

— Eu não sei muito da rotina dele, mas acho que eles passam bastante tempo no arquivo, se precisam pegar as fichas dos pacientes...

— Então que seja o arquivo...

A sala da sessão de terapia de grupo era ocupada por oito, dos dez pacientes que deveriam estar ali, quando Corey chegou. Os dois guardas brutamontes de sempre guardavam a porta. A doutora Melissa Parker se encontrava sentada em seu devido lugar, lendo algo atentamente em sua prancheta.

Corey sorriu, sentando estrategicamente ao lado de uma quase catatônica Julia Sheffield. Do seu outro lado, estava uma senhora grande com cara de nazista que conhecia muito bem a história. E a predisposição para achar que qualquer corpo feminino era o de uma das amantes do marido que esquartejou.

O cruzar de braços livres das algemas e esticar de pernas de Corey chamou a atenção de quem ele verdadeiramente queria. E o acinzentado brilho dos olhos de Melissa apenas o instigou a continuar com seu plano que, se não desse certo, era solitária na certa.

E não seriam apenas 48 horas.

A última pessoa a chegar, como sempre, foi Jamie Harper. E ela tinha um sorriso maldoso na direção de Julia Sheffield, quando se sentou na última cadeira restante na roda. Corey não poderia ter pedido por uma melhor situação do que aquela. Jamie Harper ainda estava disposta a provocar Julia Sheffield. E a garota, por sua vez, parecia bem menos acuada do que a última vez em que se encontraram, foi o que constatou. Tudo caminhava com a perfeição do destino.

Quando a doutora pigarreou, chamando a atenção de todos, Corey deixou de lado por alguns segundos a obsessão maluca de seu plano, para se focar na voz calmante e meio rouca dela. E no sorriso singelo que sempre abria quando ia iniciar cada sessão de terapia em grupo.

— Antes de começar a sessão de hoje, gostaria de saber se estamos todos resolvidos com os problemas da última sessão? — ela perguntou, lançando um olhar inquisidor para as duas protagonistas do último escândalo do St. Marcus Institute.

Sua voz, entretanto, saiu bem menos confiante do que o usual e, ao analisá-la mais atentamente pela primeira vez, Corey percebeu que parecia pálida e abalada. Não gostou de vê-la daquela forma, como se precisasse desabafar com alguém, como se carregasse um peso quase insuportável em suas costas.

Corey acompanhou com atenção o torcer de lábios indiferente e irônico de Jamie Harper. E o olhar maligno de Julia Sheffield na direção da outra. Um sorriso satisfeito brincava em seus lábios.

— Eu espero, de verdade, que esse silêncio queira dizer "sim, doutora, estamos resolvidas". — Melissa sorriu e Corey percebeu o quão forçado aquilo pareceu — Então, acho que agora podemos começar a sessão de hoje. Falaremos sobre... Decepções. Quem gostaria de começar?

— Posso começar, doutora? — a senhora ao lado de Corey se manifestou.

— Sinta-se à vontade, senhora Logan...

— Eu me arrependo de não ter cuidado do meu marido como deveria... Preferi fofocar no clube de chá com minhas amigas e, bem... Ele achou outro tipo de entretenimento...

— Entendo... Mas você não acha que ele poderia ter contornado a situação de outra forma? Por exemplo, conversando com você sobre o assunto, sobre as suas infelicidades?

— Isso não acontecia naquela época, querida... – a senhora ao lado de Corey sorriu, num misto de cinismo e tristeza.

Melissa pensou numa resposta no exato instante em que a porta da sala de terapia de grupo era aberta. Corey viu a cabeça de Pete aparecer pela fresta.

— Com licença... — ele pareceu meio atrapalhado e Corey não segurou o riso, atraindo um olhar feio de Melissa.

Logo depois, o olhar se tornou desconfiado.

— Pois não? — ela sorriu.

— Doutora Melissa Parker?

— Sim.

— Mandaram pedir vá até o arquivo.

— Ao arquivo? — Melissa franziu o cenho — Quem pediu?

— O... — Pete pigarreou e Corey rolou os olhos em desaprovação — O doutor Thompson...

— Mas agora eu estou no meio da sessão, não posso sair... Diga que eu passo lá mais tarde.

— Não. Ele disse que é urgente e que tem que ser agora.

— Ele mencionou do que se trata?

— Me desculpe, doutora, mas eu sou apenas um carcereiro... Ele não confiaria uma informação urgente em minhas mãos... – Pete sorriu inocente.

Corey assentiu discretamente com a cabeça e piscou um olho em aprovação.

— Tudo bem. – Melissa suspirou, já levantando e colocando a prancheta que tinha em mãos sobre a cadeira em que estava sentada. — Será que podem cuidar deles por cinco minutos? — perguntou aos dois guardas postados nas portas.

Quando ambos assentiram, ela saiu a passos apressados pelo corredor. E Corey sorriu vitorioso. Tinha pouco tempo até que ela percebesse a mentira. Então tratou de continuar com o plano que, até aquele momento, corria bem.

— Julia, certo? — Corey virou para a garota ao seu lado, e recebeu um olhar vazio, mas ainda assim assustador, em troca.

Continuou, como se de repente não estivesse com medo dela:

— Ouvi dizer que Jamie Harper andou zombando pelos corredores de você e dos irmãos que você matou...

Não deu cinco segundos, e a segunda parte do plano de Corey já estava funcionado. E foi anunciada por um grunhido raivoso, um grito de mesmo tom, e então o avançar de Julia Sheffield na direção de Jamie Harper. Os guardas correram no mesmo instante até a confusão, enquanto Corey virava na direção de uma preocupada senhora Logan, que se levantou e gritava para que as duas garotas parassem de brigar.

Era irônico o modo como aquele bando de loucos lidava com a violência...

— Está vendo aquela garota? — Corey perguntou no ouvido da senhora Logan, apontando para uma das amigas de Jamie Harper, que pulava a gritava ao redor da briga que os guardas não conseguiam separar.

— Sim, querido, o que tem ela? — o olhar frio e morto da velha senhora virou em sua direção.

— Ouvi dizer que é a reencarnação de uma das amantes do seu marido...

Corey não conseguiu conter o sorriso pelo absurdo de sua mentira, e pelo efeito imediato que causou. A mulher o analisou por alguns instantes, perdida, e então fez o mesmo com a garota que foi indicada. Corey acompanhou a mudança na expressão do rosto da senhora Logan, que de repente encarnou outro tipo de personalidade. Todos os seus traços distorceram. Em seguida, seu corpanzil se lançou com violência na direção da franzina garota. Um dos guardas, que já tinha problemas com a briga que acontecia, em meio a gritos e socos e puxares de cabelo, teve que apartar aquela que começava. Em uma diferença gritante de condições. Para piorar toda a situação, os outros pacientes se enfiaram no meio das duas brigas que aconteciam, e o local se tornou um pandemônio.

Ninguém percebeu a saída de Corey. Sorrindo satisfeito, ele foi sorrateiramente até a porta. Com cuidado, colocou a cabeça para fora, na intenção de analisar o corredor e checar se poderia continuar com seu plano. Ao pé da escada, Corey viu um olhar preocupado de Pete ser lançado em sua direção. Corey acenou para ele, que deu de ombros e finalmente desceu as escadas. Ainda deu uma última olhada na briga, que rolava solta em meio à gritaria e socos e pontapés, e saiu pelo corredor.

Corey dava passos cuidadosos, tomando o cuidado de não ser ouvido. O corredor da sala de sessão de terapia em grupo geralmente ficava vazio naquele horário, porém a prevenção era mais do que necessária. Embora a maioria dos funcionários estivesse no refeitório, ou no calor de seus quartos, Corey deveria levar em consideração a possibilidade de aparecer um retardatário inconveniente.

A sala de arquivo era a última daquele corredor. Corey precisava passar por duas portas, que aparentemente estavam trancadas e atravessar o pequeno hall que levava à escada, de onde Pete o observava antes. Depois, mais oito portas o aguardavam, até que atingisse seu objetivo. Realizar toda essa tarefa, sem chamar a atenção, sem ser descoberto pelos guardas da sessão de terapia e antes que Melissa percebesse que havia alguma coisa errada...

Para sua sorte, foi capaz de atravessar o hall – que achava ser o local mais perigoso – sem que viva alma estivesse por perto. Tratou de apressar os passos então, preocupado com o barulho que seus tênis faziam ao se chocar contra o chão. Corey já passava pelo meio do comprido corredor, pela sexta porta, quando algo deu errado. O barulho de vozes se tornou muito próximo, e passou a ecoar pelo corredor, quando a sétima porta, da qual ele estava muito próximo, se abriu.

Corey paralisou. Entrou em pânico. Seus olhos arregalaram e sua boca escancarou. O coração disparou a um ritmo absurdo dentro de seu peito. Daria tudo errado. Ficaria preso pelo resto do mês na solitária... No entanto, todas essas reações levaram menos que um milésimo de segundo para acontecer. Quando voltou à realidade, Corey teve o tempo necessário para raciocinar.

Olhou em volta, encontrando a solução a três passos de si. Com agilidade, Corey correu até a porta mais próxima, e se enfiou rapidamente na sala. Não houve tempo para fechar a porta, entretanto. Do lado de dentro daquele simpático consultório, Corey pôde observar as silhuetas do doutor Thompson e uma enfermeira caminhando tranquilamente pelo corredor.

O alívio, no entanto, não veio. Porque, de repente, o barulho de vozes sussurradas parou. E a silhueta do doutor Thompson apareceu no vão da porta, muito próximo a Corey.

— Que estranho... — o doutor Thompson comentou — O que esse consultório faz aberto? A doutora Lowe está de férias...

Corey deu um tapa silencioso na própria testa, revirando os olhos, culpando-se por sua absurda falta de sorte. Quando os passos calmos do doutor Thompson se aproximaram perigosamente, Corey olhou em volta, buscando algum lugar em que pudesse se esconder. Ao seu lado, a poucos metros de distância, tinha um arquivo de metal, igual àquele que havia na sala de Melissa. Corey suspirou, e sorrateiro, foi até lá, abaixando atrás do móvel. E o fez no mesmo instante em que o doutor Thompson abriu a porta do aposento e acendeu a luz. Ele entrou e olhou cuidadosamente ao redor. Após um curto espaço de tempo, Corey o viu dar de ombros e dar meia volta, indo ao encontro da enfermeira que o esperava na porta.

— Acho que deve ter sido o vento... – comentou, fechando a porta atrás de si.

Corey agradeceu por não ouvir o barulho de uma chave trancando a fechadura. Esperou ser seguro o suficiente e saiu de trás do arquivo. Enquanto os passos dos dois iam se afastando, o organismo de Corey ia voltando aos eixos. Ainda teve tempo de rir da situação, e formar uma teoria da conspiração sobre o que o doutor Thompson fazia sozinho com uma enfermeira em uma sala isolada do segundo andar... Havia, porém, assuntos mais importantes a serem tratados.

Corey saiu da sala e fechou a porta com cuidado, rezando para que Melissa ainda estivesse no arquivo. Com medo de que mais alguém aparecesse, Corey correu os poucos passos que o separavam do arquivo.

Quando chegou, respirou fundo, antes de tocar a maçaneta com as mãos trêmulas e abrir a porta em um movimento rápido e brusco. Encontrou uma Melissa confusa, que se tornou ainda mais confusa quando o reconheceu ali.

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