20 DIAS DEPOIS
Ouvi duas batidas na porta do banheiro e, logo em seguida, a voz de Lorena soou do lado de fora:
— Está tudo bem aí, Raul?
Terminei de afivelar o cinto da calça, notando que, mesmo assim, o jeans ficava um pouco frouxo, e abri a porta com certa dificuldade. Minhas mãos ainda vacilavam.
— Estou sim — respondi por fim ao ver Lorena.
Ela me olhou por alguns segundos e, logo em seguida, se aproximou de mim, ajeitando a gola da minha camisa que eu nem havia percebido que estava desarrumada.
— Acho que emagreci além da conta — brinquei percebendo que a camisa havia ficado relativamente grande.
Lorena sorriu largo e, com uma mão no meu ombro, disse com seu jeito engraçado:
— Esse problema, a comida da Gilda resolve.
Ri baixo. Lorena, sempre me fazendo rir.
— Realmente, eu sinto falta da comida dela... E dela também, é claro.
— Ela vai gostar de saber disso.
Rimos juntos e, então, o silêncio se instalou de repente. Algumas coisas pareciam não terem mudado.
— Bom, então vamos! — Lorena disse de repente, se afastando de mim e apanhando a bolsa que estava sobre a cama.
— Pode deixar que eu levo a bolsa — falei, pois sabia que ali estavam algumas coisas minhas. Nada mais justo do que eu carregar.
Mas Lorena girou sobre seus calcanhares, me fazendo rir antes de qualquer palavra, e disse:
— Não, senhor. Você ainda está de repouso.
— Mas ela não está pesada.
— Raul... — Ela disse meu nome com um tom de advertência e eu me entreguei, risonho:
— Está bem. Você venceu.
Ela me jogou uma piscadela divertida e, então, saímos do quarto.
No caminho, até o estacionamento, uma série de pessoas vieram me cumprimentar. Muitas pessoas, eu sequer conhecia, mas, mesmo assim, aceitei os cumprimentos. Afinal, de certa forma, eu sabia que havia voltado à vida através de um milagre.
— Alguém está famoso, hein! — Lorena exclamou assim que entramos no carro.
Acho que senti falta até do aroma que sempre abraçava seu carro. Aquele aromatizante que Lorena usava, combinado com o frio do ar-condicionado, foi minha pedra de tropeço na noite em que ela levou Kevin e eu para casa, pois sentia vergonha do contraste entre a polidez do veículo e a sujeira do meu corpo. Mas, agora, aquele cheiro me acolheu. Eu me sentia em casa.
— Acho que nunca cumprimentei tanta gente na minha vida — falei colocando o cinto de segurança.
— Todos estavam torcendo pela sua melhora. E te ver assim, bem, é...
Ela não completou a frase, apenas sorriu e ligou o carro, mas eu não consegui sossegar o meu espírito. Precisava falar algo.
— Lorena, — tomei a palavra, cheio de coisas para falar — eu queria muito te agradecer por... Por tudo, sabe?
Ela me olhou de relance enquanto dirigia. O trânsito estava livre, mas o dia era nublado e fazia um frio ameno.
— Eu queria muito encontrar uma maneira de te recompensar por tudo que você fez.
— Está tudo bem, Raul. Ver você e o Kevin felizes já é a minha recompensa.
Sorri com suas palavras. Eu queria poder dizer a ela que vê-la feliz também me recompensava, mas onde está a coragem quando precisamos dela?
— Além do mais, — ela continuou, parecia hesitante — esse é o certo, né? Quero dizer, era o que Jesus ensinava... Não era?
Surpreso, pois nunca a havia ouvido falar de Jesus, virei-me para ela e fiquei sem palavras por alguns instantes. Então, percebendo meu silêncio, ela me olhou de relance e riu, divertida, dizendo:
— Eu andei assistindo alguns desenhos...
— Desenhos? — Perguntei, confuso, mas risonho.
— Sim, bíblicos. O Kevin gosta de assistir e, desde que você acordou, às vezes, eu fico lá... Assistindo com ele.
Ergui as sobrancelhas, sem conseguir conter as palavras:
— Isso é ótimo, Lorena.
Ela não disse mais nada, apenas sorriu, mas aquilo já bastou. Se por um lado algumas coisas pareciam as mesmas, por outro, havia ocorrido sérias mudanças. Boas mudanças.
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Lorena entrou na garagem da sua casa e estacionou o carro. Acho que nunca fiquei tão feliz ao ver dois cachorrinhos como fiquei ao ver Simba e Bidu, que me rodearam e se colocaram a pular nas minhas pernas.
— Até eles sentiram saudades de você — Lorena comentou, rodeando o carro e vindo em minha direção.
— Estou surpreso que eles ainda se lembram de mim.
Ao meu lado, Lorena colocou uma mão nos meus ombros e disse:
— Não é tão simples assim te esquecer, Raul.
Não soube o que dizer ou fazer após suas palavras, e tampouco soube para onde olhar. Lorena tinha seus olhos sobre mim e eu me senti inibido a olhá-la de volta, pois, toda vez que ousava olhá-la nos olhos, sentia-me como um garoto. Seus olhos azuis como o mar me afogavam.
Então caminhamos até a entrada e, quando ela abriu a porta, vi surgir na minha frente diversos rostos conhecidos que gritaram:
— Surpresa!!!
Meus olhos marejaram no mesmo instante, mas mesmo assim e antes de Kevin vir correndo na minha direção para me abraçar, li, no banner suspenso no alto da sala, a seguinte frase: "Bem-vindo de volta, Raul!". Então olhei para trás e Lorena estava com as duas mãos sobre a boca. A contar pela vermelhidão do seu rosto, eu pude deduzir que ela também estava emocionada, como eu.
Ah, se eu tivesse a coragem de abraçá-la aqui, agora, na frente de todo mundo, eu o teria feito.
— Olha o que a gente fez pra você, Raul — Kevin disse me abraçando.
Na sequência, todos me abraçaram também. Cecília estava lá, Gilda, os pais de Lorena, seu irmão. Mas então, quando eu achei que não poderia me emocionar mais, ouvi uma voz que, nem em mil anos, eu poderia confundir:
— Raulzinho?
Virei-me e quase não pude acreditar quando vi minha avó ao lado de Lorena. Então as lágrimas embaçaram a minha visão e eu não vi mais nada, apenas senti seu abraço quando ela se aproximou de mim.
— Raulzinho, meu filho...
Minha avó desfez nosso abraço e passou uma mão pelo meu rosto, enxugando parte das minhas lágrimas. Eu sentia como se o tempo tivesse parado ao nosso redor. Revê-la não era apenas um sonho, mas também um objetivo de vida. Porém, o acidente me parou no meio do caminho e eu acreditei que tudo estava acabado. Felizmente, foi apenas uma pausa e não o fim de tudo.
— Como eu senti saudades de você, Raulzinho! Achei que nunca mais iria te ver.
Eu queria dizer que pensava o mesmo, que por muito tempo não tive esperança alguma, mas as palavras simplesmente não saíram. Tudo que consegui fazer foi abraçá-la outra vez.
Não sei quantas vezes nossos abraços se repetiram, se muito ou pouco, fato é que, depois de um certo tempo, quando parecia já não haver mais lágrimas para derramar, eu me vi diante de uma pergunta óbvia:
— Mas... Como a senhora veio parar aqui?
— Ah, querido! — Minha avó segurou meu braço e se virou para trás, apontando Lorena, que ainda estava perto da porta de entrada. — Deus nos enviou um anjo.
Olhei para Lorena e quis agradecê-la por tamanho feito, mas um choro de bebê desviou a atenção de todos nós. Então vi Gilda direcionar seus passos para a escada, mas Lorena a impediu de prosseguir, dizendo que ela mesma subiria.
— Licença, gente. Eu já volto! — Ela disse antes de subir.
Lorena saiu da sala, mas não saiu da minha mente, sem me dar conta a princípio, fiquei pensando nela. Mas fui logo tirado de meus pensamentos por Kevin que abraçou minha cintura.
Grandes coisas havia feito o Senhor por mim, por isso meu espírito se alegrava.