Voltar a colocar os pés na quadra foi como ser recebida nos braços de um velho amigo, senti os músculos nas minhas costas tencionarem e não consegui me mexer. Apenas observei os garotos desconhecidos se alongarem alheios à minha presença.
— É uma surpresa te ver por aqui.
Era o técnico Nekomata, ele mantinha as mãos cruzadas nas costas e no rosto o mesmo sorriso de olhos fechados com qual me recepcionou na primeira vez que conversamos. Lembrei-me do que disse para ele em tal ocasião e me curvei levemente.
— Me desculpe pelo outro dia, não tive a intenção de ser rude.
— Se alguém tem que pedir desculpa sou eu por tocar num assunto delicado — ele abaixou a cabeça. Em seguida olhou para algo atrás de mim, virei a cabeça e era meu colega de classe que entrava no ginásio após se recuperar do choque pela minha fala anterior. O treinador sorriu para si mesmo — Entendo, imagino que Kuroo-kun te convidou para ver um treino.
Franzi o cenho levemente e encarei o capitão dos pés a cabeça, chegando até o rosto que sustentava um sorriso cínico — Algo próximo disso, espero que não tenha problemas.
O técnico riu alto — É claro que não, fique à vontade. Apenas tome um pouco de cuidado, pode se juntar a mim quando o treino começar.
Então ele saiu andando sem mais nenhuma palavra, era um senhor bem peculiar tanto nos gestos quando na feição, comicamente me lembrava um gato esperto e sorrateiro. Encarei suas costas até que se afastasse e me voltei para o então capitão.
— O que ele quis dizer com cuidado?
Kuroo se inclinou levemente na minha direção mantendo nossos rostos a um palmo de distância — Já que é tão inteligente, sei que descobrirá sozinha. — Um riso e ele também se foi chamando os jogadores para se juntarem, a fim de começar o treino.
O mesmo tom de desafio que fazia meu sangue borbulhar, daria corda o suficiente para que o filhote de gato preto se enrolasse sozinho. Andei até a lateral onde Nekomata-sensei casualmente assistia os garotos se organizarem e ao lado dele sentado no banco havia outro homem também com o casaco técnico. Porém, diferente do mais velho que tinha uma aura brincalhona ele parecia tenso.
— D'Calligari-san é uma honra — ele se curvou — Manabu Naoi, assistente técnico.
Devo ter feito uma grande careta, pois Nekomata riu alto — Naoi-kun é um fã, talvez tenha ficado surpreso por aparecer de repente.
Não podia dizer ser muito famosa, mas tinha meus apreciadores aqui e ali. — Bom é de se imaginar, já que disse meu sobrenome corretamente.
Envergonhado, o homem chamado Naoi se adiantou pedindo desculpas e reclamando com o mais velho — Nekomata-sensei não diga esse tipo de coisa tão levianamente!
Balancei as mãos — Não precisa disso sou alguém comum e estou aqui como uma aluna. Mas agradeço pelo apoio.
Ele deve ter se visto na obrigação de explicar, pois, continuou mesmo depois da minha resposta — Enquanto na faculdade tivemos oportunidade de ter contato com alguns técnicos estrangeiros. Matteo Ruggiero, foi um dos que conversamos, acompanhamos o time de perto depois disso.
— Entendo, Matteo é um grande técnico. Esteve no comando da seleção U18 italiana por anos, embora seja considerado um demônio pelas jogadoras. — senti uma nuvem negra pairar sobre minha cabeça, apenas lembrar já era ruim.
— Temos alguns como esses aqui em Tóquio também — Nekomata-sensei comentou — Embora não seja muito o estilo da Nekoma.
Sentei-me ao lado do técnico analisando sua última frase, olhando com calma o time e julgando baseado nas aparências realmente não era o grupo que gritava 'força bruta', contudo tinha uma aura ardilosa envolvendo o time e mesmo na lateral da quadra e olhando de fora me deixava agitada.
Olhei então para os jogadores de maneira mais individual, Kuroo e Kenma já eram conhecidos. O amigo de Aoi, o que foi chamado líbero também estava ali, próximo a ele tinha outro rapaz que eu julgava ser terceiro anista. Isso pelo jeito que os garotos mais novos o tratavam.
O grupo dos mais novos estava separado, mais dois deles pareciam inclusos no time principal. Foi quando reparei numa única figura parada me encarando, parecia até que ele não piscava. Sustentei seu olhar e cruzei os braços na frente do meu corpo, se mais alguém além de Kuroo quisesse me desafiar, que seja.
Nesse momento um garoto entrou no ginásio com certa urgência. Naoi se inclinou para olhar e suspirou.
— Lev está atrasado de novo.
O técnico não de mexeu para dar uma dura ou qualquer coisa do tipo. Os próprios jogadores fizeram esse papel, o tal Lev era alto até mesmo para os padrões que já conhecia. No meio do time de estatura média para alta, ele com certeza se destacava.
Seu nome também não me gritava uma descendência japonesa, devia ter algum outro gene nele que era o fator de destaque. — Ele é um mestiço não é? E também um novato.
Minha fala pareceu ter chamado a atenção do sensei, como se ele estivesse esperando um tipo de comentário como esse. Mesmo que pouco visível, captei um brilho afiado em seu olhar gatuno.
— O que te faz dizer isso? — sabia estar me testando só pelo sorriso no rosto redondo.
— A pronúncia, não tem as sílabas comuns do dialeto japonês; sua altura certamente também está acima dos padrões já conhecidos. — e continuei — Da para perceber um certo descomprometimento ou adaptação, se julgar pelo atraso.
Nekomata riu — Está certa em todos os aspectos, Lev é um nome russo. Da aonde parte da sua família é e também é um primeiranista que apenas entrou no time recentemente. Tem bons olhos [Nome]-san.
Balancei a cabeça — Matteo dizia que para ser um bom capitão você precisa ver além das linhas, foi uma habilidade treinada.
— E sobre estar na quadra, como se sente?
— Estranha, no mínimo — respondi — É a primeira vez que entro numa desde que tudo aconteceu, ainda traz lembranças, boas e ruins.
— Como esperado, mas abandonar talvez no futuro se prove ser mais doloroso do que as lembranças de hoje.
Lembrei-me das palavras de Kuroo, aquelas que foram ditas no dia anterior — Com todo respeito treinador, não consigo me ver no canto da quadra entregando toalhas para os jogadores. É quase como ignorar tudo que sei e fui.
O mais velho riu — Imagino que essa seja realmente uma impressão, mas uma gerente de time faz mais do que isso. Com os treinadores é possível desenvolver um trabalho de assistência e análise. — ele virou a cabeça para mim — É ser um jogador que não entra em quadra.
Não tive uma resposta, apenas me mantive quieta imersa nos meus próprios pensamentos, embalada pelo som do treino acontecendo. Eles aparente estavam treinando recepções e devo dizer que desenvolvi certo interesse quando observei os movimentos refinados que o time tinha. Nekomata-sensei disse que o físico não era o foco deles, mas com certeza tinha algo de especial sobre suas recepções.
Em algum tempo o treinador fez uma pausa e se levantou para dar algumas orientações, então me vi sozinha e no canto da quadra. Assim como eu havia uma bola que passou aparentemente desapercebida, contudo o lugar em que estava poderia acabar causando algum acidente já que qualquer jogador poderia tropeçar nela.
Ignorando o pensamento de avisar alguém me levantei andando até onde a esfera estava, e do canto escondido consegui ter uma visão clara da quadra inteira. Mais uma vez, ainda mais forte, tive lembranças. Girei a bola na mão sentindo a costura, o tecido e quase ouvindo as histórias que suas manchas tinham para contar; não era tão diferente da minha.
— Cuidado!
Rapidamente levantei os olhos e vi outra bola vindo em minha direção, atrás dela havia um Lev desajeitado. Soltei o que estava nas minhas mãos e antes mesmo de pensar meu corpo se preparou para a recepção, realizando um passe perfeito em seguida em direção de Kenma. O levantador apenas esticou as mãos e pegou a bola sem qualquer tipo de esforço.
Nesse momento vi que todos estavam olhando para mim, alguns com curiosidade e outros com sentimentos que não consegui distinguir.
— Seus joelhos estão estendidos e dobrou os braços na hora de fazer a recepção. É surpreendente que a bola tenha desviado e não acertado seu rosto. — me abaixei para pegar a bola e joguei em sua direção — Também não fique com a manchete pronta.
De novo eles ficaram todos em silêncio, até que Yaku riu alto — Finalmente alguém que sabe o que está falando. Quem sabe agora entre um pouco de conhecimento na sua cabeça Lev.
Naoi os chamou para voltar ao treino desviando a atenção de mim, coloquei as mãos nos bolsos caminhando de volta para o banco. Com sentimentos ainda mais confusos do que antes.
No caminho passei por Kuroo que não desviou a atenção de seu treino, mas disse em alto em bom som, apenas para eu ouvir. — Boa recepção.
N/A: A última att antes do meu Abril Off, estarei tirando o mês para resolver minhas coisinhas.
Não podia partir sem um novo capítulo dessa minha filha primogênita reescrita né.
Vejo vocês em Maio, não esqueça de adicionar a fic na biblioteca e me seguir para receber as atualizações quando elas voltarem. Se o wattpad não avisar eu sempre coloco nos anúncios.
Até mais, Xx!