Eu fui da rodoviária para a clínica com a cabeça no que eu havia acabado de fazer. Não foi um ato muito bem pensado, eu confesso. Tudo não passou de uma atitude um pouco desesperada. De repente, me bateu um certo medo de nunca mais ver Raul e, então, eu joguei o carro na frente dos bois e o beijei.
Parte de mim achou fofa a reação dele. Foi perceptível sua desorientação. Ele me encarou por alguns segundos e, depois, simplesmente embarcou no ônibus sem dizer nada. Porém, outra parte de mim se sente um pouco culpada. E se ele não tiver gostado desse meu... Avance? O Raul é alguém reservado. E se ele tivesse entendido mal a minha atitude?
Por isso, enfrentei um verdadeiro dilema durante toda a tarde. Eu queria mandar uma mensagem para ele, esclarecendo as coisas, mas, ao mesmo tempo, queria esperar por suas palavras. Então passei todo o meu dia de trabalho tendo um mini infarto a cada som de notificação que meu celular emitia. E quando eu ia conferir e via que não se tratava de Raul, meu mundo desabava de mil e uma maneiras diferentes.
A noite chegou, eu fui para casa e encontrei os meus filhos como sempre. Ainda nada de Raul. Olhei as horas e já eram quase oito. Mas, apesar da preocupação, eu ainda não me sentia pronta para ser a primeira a mandar a mensagem. Então aproveitei que Cecília viria e coloquei ela à par de tudo como sempre.
— E, até agora, nada! — Exclamei para ela olhando a tela do celular cheia de notificações pendentes, mas nenhuma era de Raul.
— Ah, amiga, ele apenas deve ter ficado com vergonha — Cecília ponderou.
— Eu fui burra. Pode falar!
Eu estava indignada comigo mesma.
— Agora, ele deve estar achando que eu sou doida. E o pior é que eu realmente sou doida!
Cecília riu baixo.
— Vai ver ele também tá esperando você mandar uma mensagem.
— E se tiver acontecido alguma coisa? Ele poderia ter mandado pelo menos uma mensagem, dizendo... Sei lá! Eu pedi para ele fazer isso, mas daí eu fui lá e beijei o coitado. Quero dizer... Eu mesma me avacalhei.
— Você está exagerando, Lori. É como eu disse, talvez, ele apenas tenha ficado com vergonha e está com o mesmo dilema que você. Por que não manda uma mensagem para ele esclarecendo as coisas? Assim, você fica mais tranquila.
Cecília era, de longe, a amiga mais sensata que eu tinha. Por isso, quando se tratava de receber conselhos, eu sempre corria até ela. Não poderia jamais sequer sonhar em pedir a opinião de Monique.
— Você acha? — Perguntei, hesitante.
— Claro que eu acho! Não vai adiantar nada você ficar aí se torturando dessa forma.
Minha amiga estava certa, por isso apanhei o celular depressa e, finalmente, mandei uma mensagem para Raul, mas a minha ansiedade e preocupação quadruplicou quando percebi que ele não recebeu a mensagem pelo WhatsApp.
Cecília tentou me tranquilizar dizendo que, provavelmente, ele estava em alguma parte da estrada onde não havia sinal, mas que logo receberia a mensagem e me responderia. Eu queria acreditar em suas palavras, mas não conseguia. O que eu tinha era uma mistura de preocupação com culpa. Não dava para evitar a ansiedade.
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Eu quase nunca me sento para assistir um filme, porque a verdade é que não tenho muito tempo de sobra. Geralmente, quando arranjo um hora extra entre os afazeres, opto por desfrutá-la com os meus filhos, mas, verdade seja dita, os meus bebês estão crescendo a uma velocidade espantosa. Eles já não querem passar tantas horas comigo e eu nunca pensei que isso fosse ser tão difícil de aceitar.
Então, sentindo-me um pouco só, fiz uma boa quantia de pipoca e subi para o meu quarto, mas não sem antes fitar uma garrafa de vinho, que estava na pequena adega que eu tinha na sala de jantar.
Entendam, eu não sou nenhuma alcoólatra — prova é que não coloquei uma única gota de álcool na boca desde que descobri sobre a gravidez —, mas também não posso negar que o vinho já serviu de válvula de escape para mim dezenas de vezes. E, naquele momento, as coisas pareceram não querer ser diferentes.
Mas eu respirei fundo e engoli o desejo, por mais difícil que fosse. Afinal, apesar de estar um pouco contrariada com a minha gravidez, eu sabia que a minha bebê não tinha culpa de nada. Até porque fui eu mesma que, por livre e espontânea vontade, me deixei levar pelas palavras frouxas de Victor, que prometeu mudar.
Argh! Como eu fui idiota.
E é claro que, depois de começar a lembrar das coisas do passado, o filme ficou em segundo plano. A TV estava ligada e a pipoca estava sobre o criado-mudo, enquanto eu me encontrava sobre a cama banhada em lágrimas. Mas eu não me permiti ficar naquele estado por muito tempo, pois logo ouvi Bernardo me chamando e vindo na direção do meu quarto. Então engoli as frustrações e forjei o meu melhor semblante quando ele entrou.
— Mãe! Mãe! Mãe!
— Que foi, filho? — perguntei, espantando meus pensamentos.
Bernardo se jogou sobre a minha cama e veio na minha direção, dizendo, espantado:
— Meu dente tá mole.
— Dente mole? Que dente mole, Bernardo?
— Tá, mãe! Tô falando. Olha aqui!
Olhei e não vi absolutamente nada além do fato de que o meu próprio filho não estava cuidando da boca direito.
— Bernardo, você não tá escovando os dentes direito, não?
Ele se afastou de mim com um sorriso amarelo.
— Claro que tô, mãe.
Estreitei os olhos, incrédula.
— Vai vir com essa logo para cima de mim, Bernardo? Anda! Vai lá escovar esses dentes.
Ele desceu da minha cama e saiu do quarto um pouco resistente, me fazendo acreditar que não iria fazer o que eu mandei. Por isso, esquecendo-me do filme e das minhas tristezas, saí do quarto também e fui atrás dele.
— Bernardo — chamei por ele quando o encontrei sentado em frente ao computador, jogando.
— Eu já vou, mãe. Só vou terminar essa partida.
— Não, você não vai terminar nada primeiro.
Peguei-o pelo braço e o fiz levantar. Ele estava do meu tamanho e isso me deixava muito feliz.
— Vai lá dar uma geral nesses dentes.
— Mas eles estão limpos, mãe.
— Bernardo, eu mexo com dentes o dia inteiro. Acho que eu sei o que é um dente sujo, né?
Ele bufou e entrou no banheiro, enquanto eu me permiti observar o quarto que estava uma bagunça só. Então, no meio de tanta coisa, vi um papel amassado que logo me chamou a atenção. Apanhei-o e, ao abri-lo, não acreditei no que estava escrito:
"Aluno destaque do 4° bimestre: Bernardo Augusto Motta Ribeiro"
— Bê, você foi aluno destaque e não me contou? — perguntei, com um misto de surpresa e chateação por não ter ficado sabendo.
Geralmente, não era eu que ia às reuniões de pais dos meus filhos, Gilda fazia isso por mim.
— Ah, mãe, você nunca tem tempo — ele respondeu saindo do banheiro.
Aquilo me deixou sem palavras por alguns instantes. Onde que eu estava errando?
— Como assim, amor? Eu sempre tô aqui...
— É, mas, nas últimas semanas, você estava mais concentrada no Kevin e no Raul, então eu achei que você não fosse dar tanta atenção a isso.
— Ao Kevin e ao...? — Detive minhas palavras e tentei explicá-lo: — Filho, eu...
— Mas tá tudo bem, mãe — Bernardo disse, interrompendo-me. — Eu sei que você não fez por mal. Afinal de contas, você só quer esquecer o meu pai e o Ícaro e eu te lembramos dele, então...
— O quê? — Precisei interrompê-lo ali — Filho, o que houve entre o seu pai e eu não afeta em nada o amor que eu tenho por você e pelo seu irmão. Eu não vou amar vocês menos por causa do Victor. De jeito nenhum!
— Mas nós somos uma lembrança dele...
— Uma lembrança boa, amor.
De fato, eu só não odiava o Victor mais do que já odeio, porque ele me deu os meus filhos. Foi a única coisa boa que ele já fez em toda a vida.
— Olha, Bê, — me aproximei dele — eu te amo muito, mas eu sei que, às vezes, não expresso isso muito bem ou que, às vezes, eu fico tão atarefada com outras coisas que faço parecer que não me importo, mas eu me importo. Você e o seu irmão são as pessoas mais importantes da minha vida. E não existe nada que possa mudar isso, nem mesmo o seu pai. Então não precisa ficar receoso em me contar as coisas. Eu quero saber sobre você, amor, quero mesmo!
Acariciei seus cabelos negros e dei-lhe um beijo na bochecha apenas para demonstrá-lo meu amor. Apesar de que, por dentro, eu me sentia devastada por saber que o meu filho alimentava a ideia de que eu o amava menos por causa do pai.