Empresário • jikook

By callmeikus

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☆CONCLUÍDA☆ longfic • boss x secretary Jimin lia muitas fanfics, talvez até demais. Então, na cabeça dele, to... More

00. Avisos, o que você tem que saber
01. Jimin, a máquina de vergonha alheia
02. UP2U, a empresa dos loucos
03. Namjoon, o plano B
04. Ups, o cenário do desastre
05. Up, o cenário do desastre ainda maior
06. Yoonji, a atenta
07. Taehyung, o Chicken Little
08. Eunha, a subutilizada
09. Mesa de vidro, a catastrófica
10. Yeonjun, o envergonhado
11. Seunghyun, o invejoso
12. Banheiro, a testemunha
13. Seokjin, o pilar
14. Woohyun, a opção que dói
15. Passado, o corruptor
16. Culpa, a disputada
#ikusweek2021 crossover | parte 2
17. Continuação, a estranha
18. Apartamento, a nova casa
19. Melancia, a nova face
20. Cama, a aproveitada
21. Panquequinhas, as abaladoras
22. Minnie, o recém-chegado
23. Batatinhas, as quentinhas
24. Sono, o compartilhado
25. Café, o apaziguador
26. Calça, a arrebatadora
27. Troca, a interessante
28. Chope, o estopim
29. Beijo, o agridoce
30. Silêncio, o necessário
31. Karaokê, o encontro
32. Decisão, a derradeira
33. Pranto, o premeditado
34. Armadilha, a ardilosa
35. Busão, o deslumbrante
36. Cafeteria, a decisória
38. Cor de burro quando foge, a combinação
39. Bolinho, o peladinho
40. Bueiro, o imundo
41. Hoseok, o outro
42. Muralha, a gigante
43. Ser, o ser
44. Final | Jimin, o Empresário
45. Epílogo | Começo, o novo

37. Carimbo, o dispensável

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By callmeikus

Oi, oi, upinhessssss!! Como vocês estão, bebês? Saudades de vocês!

Boa leitura e, se puderem, comentem bastante pra eu saber o que estão achando 💜

#JKNãoUsaGravata

»»💼««

— Que ideia incrível! — exclamou Hani antes de tomar um susto ao sentir seu picolé escorrer pela mão de tão atenta à explicação de Jimin. Lambeu, desesperada, enquanto o amigo buscava um guardanapo. Logo Jimin voltou ao banquinho em que sentavam e o entregou a ela.

— Ah, acho que é uma ideia boa mesmo, mas ainda acho ela muito superficial. — Suspirou Jimin e deixou os olhos vagarem pela movimentação da praça. Hani insistira que o melhor picolé de todos era de uma carrocinha cativa do local, então, quando percebeu, já fora arrastado para lá. O som das crianças gritando sobrepujava o farfalhar das folhas das inúmeras árvores ladeando o caminho.

— Como assim? — ela perguntou, enfim recomposta do pequeno acidente e mais atenta ao picolé.

— Bem, do jeito que tá agora, sei que o eu de onze anos nunca encontraria.

— Por que não? Vai ser um site, não vai? Qualquer um pode ver.

— Não é bem assim. Sites de pornografia têm um controle baixíssimo de quem acessa, a maioria nem tem aquele pop-up pra marcar se você já tem 18 anos, que pouco significa além de tirar a responsabilidade das costas deles, mas não posso fazer a mesma coisa. Há tipos de conteúdo apropriados e inapropriados para cada faixa de idade, então precisa de um controle. Também tem algumas coisas que devem ser moderadas com quem cuida da criança, principalmente até os 10 anos. Tudo isso é muito importante, mas quando a gente fala de internet, acaba virando um empecilho.

— Entendi. Um pré-adolescente querendo achar algo sobre sexualidade na internet entra muito mais fácil em um site de pornografia aberto do que em um site de sexualidade que precisa de verificação de idade, né?

— Exato. Sem contar que a maioria quer ver vídeo de pornografia mesmo, então, pra atrair esse público, só com alguma espécie de clickbait. Queria acreditar que não fosse o caso, mas até pelo jeito que eu pensava nessa idade, me recusaria a entrar em um site de educação sexual. Acharia muito brega, ia atrás de piroca com cu, e é isso aí. Sei que vai ser um puta fracasso se eu fingir que crianças que nem eu são minoria, vou acabar criando algo que ninguém vai usar. Grande merda.

— É... bem complicado mesmo. O que você vai fazer então? — Hani questionou, cada vez mais confusa. Quando Jimin apresentara a empresa focada em educação sexual sendo desenvolvida, achou que não havia como dar errado. Afinal, era tão necessário, mas também era muito mais delicado do que pensava.

— Largar o osso da minha ideia inicial. — Ele deu de ombros e chupou mais um pouco de seu picolé. — Eu queria criar algo pro Jimin de 11 anos, né? Queria que o que ele achasse na internet fosse diferente e queria impedir outros Jimin de passar pelo mesmo que eu. Mas é uma abordagem inicial muito... sensível; vou começar com os pais.

— E que careta é essa? — Hani notou enquanto observava Jimin discursar.

— Ah, é que eu não queria depender dos pais — ele sussurrou, engasgado. Temia e detestava cada mísera memória da sua infância. — Foi muito difícil enxergar e aceitar que esses teriam que ser os meus primeiros passos. Muito mais do que o normal, sério. Todo mundo que tá me ajudando no projeto insistiu nisso. Acho que fiquei reativo porque não acredito que os meus pais se abririam pra essa ideia. Sou mal resolvido com eles.

"Mas eu acho que é isso: justamente por saber o quão é difícil mudar a cabeça desse tipo de adulto que eu tenho que fazer, né? Queria lidar com as crianças, mas todas têm um adulto olhando ou não por elas. E acho que esse vai ser o jeito mais efetivo e seguro por enquanto."

— Entendi. — Hani aproximou-se de Jimin no banco e enlaçou seus ombros. — Muito nobre da sua parte, Minnie, não sei se eu teria esse discernimento. E aí, como você vai trabalhar com os adultos?

— Preciso fazer um MVP pra testar com os públicos. Pensei em começar em escolas progressistas e, depois que tiver certo nome, avançar pras um pouco mais conservadoras. Quem sabe um dia conseguir engolir até as religiosas. A partir daí, acho que dá pra trabalhar em uma estratégia de fornecer diretamente às famílias, sem precisar das escolas. Mas isso aí é um sonho bem alto, né?

— É sempre bom ter objetivos assim, eles te fazem correr até eles. O único jeito de chegar até lá um dia, é sonhando. Só é ruim quando você não tem passos claros de como chegar lá, mas você já tem.

Jimin virou-se e sorriu para Hani. Desde sua demissão da UP2U, encontraram-se poucas vezes em carne e osso, mas falavam-se quase todos os dias por mensagens. Jimin ainda considerava a relação deles muito estranha, porque nunca foi bom em falar com ninguém, imagine por mensagem. Mesmo assim, com a Hani era natural. Quando percebia, já ria de algum absurdo que acontecera no dia dela. E ela era ainda mais acolhedora ao vivo. Hani era um abraço humano.

— Acho que sim. O ponto positivo de trabalhar com os pais é que dá pra trabalhar com todo o desenvolvimento da sexualidade, não só a partir da puberdade. Depois que comecei a estudar sobre o assunto, consegui ver que eu já era todo torto muito antes de começar a consumir pornografia. Por exemplo: é importante pras crianças se masturbarem e até pegarem nos coleguinhas de brincadeira. Dá pra trabalhar desde essa fase com os pais.

— Sério?! — Hani arregalou os olhos e até se engasgou com o final de seu picolé. — Não é meio errado criança fazer esse tipo de coisa?

— Não, é um pedaço do corpo dela. Acho que o que assusta é a palavra "masturbação", né? Mas não tem conotação sexual. Em geral, crianças se tocam como forma de autoconforto e autodescoberta só, não tem toda essa concepção de tesão e libidinagem. E por isso é importante que quem cuida da criança saiba lidar com isso.

"Se elas forem repreendidas, talvez generalizem e tenham uma relação muito ruim com o próprio corpo e formas de prazer. Se elas não forem advertidas sobre os limites, que é algo privado, podem criar situações desconfortáveis. E se elas não forem educadas de que tocar é o.k., mas só elas têm essa permissão, podem ser vítimas de assédio sexual. Dependendo da idade da criança, é difícil pra ela distinguir a diferença entre um abraço e alguém tocando seus órgãos com intenções sexuais; não faz parte do desenvolvimento sexual e cognitivo dela ainda."

— Nossa... E isso é com qual idade?

— Masturbação infantil pode ocorrer até com bebês, mas é mais comum a partir dos quatro anos. — Jimin observou o choque tomar o rosto de Hani e riu baixinho de compreensão. Também ficou em choque quando soube. Sexualidade infantil era algo tão enterrado e reprimido que soava errado aos ouvidos. — Dos seis aos dez é quando elas querem brincar com os genitais de outras crianças também, para ver a diferença. Aí tem que estar atento se as crianças estão sendo coagidas, ou se deram permissão e querem brincar também. E se não acontece vezes demais. A ideia é ser uma brincadeira como as outras; se começar a ser uma fixação, é hora de intervir. Também só com crianças da mesma idade. É um ótimo momento para começar a explicar sobre os limites do corpo dela e dos outros, dizer que não pode aceitar vindo de um adulto e tudo mais. Em todas as fases, é legal fazer combinados com as crianças. Pode se masturbar, mas em casa. Pode se tocar, mas adultos não.

— Mas pode falar dessas coisas pra elas? Não são muito pequenas?

— Cada idade tem um limite de coisas que você pode falar. Claro que você não vai ensinar para uma criança de 10 anos sobre as posições do Kama Sutra. Mas pode e deve dar a palavra certa para as coisas: pênis, vulva, vagina. Pode falar que bebês saem de vaginas, esse tipo de coisa. Em geral, as próprias crianças perguntam no ritmo que precisam saber, então desde que você entenda por que ela quer saber e entenda o que ela tá perguntando, a maioria das vezes você pode responder, de forma simples. A professora de pedagogia que tá me ajudando me falou uma coisa bem útil: "não precisa contar toda a verdade para uma criança, mas tudo que você falar, tem que ser verdade". Tentar engambelar uma criança só vai confundir ela mais ainda.

— Caralho, faz muito sentido — Hani concordou, pasma. — Queria saber disso antes, você sabe, tenho muitos irmãos mais novos... Mas se bem que nossa faixa etária é parecida, então não cabia a mim.

— Sim, estava na mão dos seus pais mesmo. Ou da escola, mas se os pais não entenderem que é necessário, vão fazer um fuzuê e tirar a criança da escola que ensina isso. Enfim, a ideia principal é criar para os responsáveis uma cartilha de ensinamentos e atividades para cada parte do desenvolvimento sexual de crianças, pré-adolescentes e adolescentes. Não é nada que já não exista na internet, ou que pediatras, pedagogos e sexólogos não saibam. O problema é que os pais não consomem nem buscam esse conhecimento, por n motivos. Meu objetivo é forçar que eles aprendam, num estilo meio "Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai até a montanha". Primeiro com ajuda das escolas. Depois, se tudo der certo, quero criar a parte dos alunos, ainda que não seja que nem os sites de pornô na internet, que qualquer um pode acessar.

— Ah, a parte que tem restrição de idade?

— Isso. Vai ser complementar ao que o adulto tá aprendendo, mas mais focado na criança e no adolescente. Talvez eles não se sintam à vontade para falar com os responsáveis, ainda mais se sexualidade não tiver sido aberta como pauta desde sempre. Ainda mais pra usuários na puberdade, acho importante um espaço só deles, sem adultos, porque começa a ser algo bem íntimo. Dicas de como trabalhar a sexualidade sem ser consumindo a pornografia, explicação sobre os hormônios, ISTs, conteúdo sobre masturbação e sexo responsável, mais voltado à experimentação do que consumo... esse tipo de coisa.

— E você acha que isso vai diminuir o consumo de pornografia? — Hani perguntou com sinceridade e um quê de dúvida.

— Se for bem feito, com certeza. Acho que o ponto chave é a gente tratar a pornografia como uma pauta e explicar por que ela deve ser evitada. Proibir só traz mais interesse. Tem um estudo muito interessante sobre psicologia de comportamentos de risco, especificamente com alcoólatras e pessoas que bebem.

"Os pesquisadores dividiram o pessoal em dois grupos: o de controle, que só era pedido para que parassem de beber; e o do teste, que recebia uma cartilha explicando direitinho os efeitos do álcool no corpo, no psicológico, culturalmente, exemplos de conscientização e estatísticas.

"Conclusão: os que receberam a cartilha reduziram muito o consumo de álcool. Não porque foi proibido, e sim porque teve informação e orientação. Se os jovens souberem os riscos de consumir pornografia e tiverem alternativas saudáveis para explorar a própria sexualidade, é bem provável que esse comportamento diminua muito.

"E, mesmo fora do tema pornografia, só dos pais conversarem com as crianças sobre sexualidade, há uma diminuição significativa de crianças que sofrem abusos e traumas sexuais, por terem para quem pedir socorro, as palavras certas para pedir socorro, porque sabem articular que tocaram seu pênis ou sua vulva, e sabem que tem que pedir socorro. Há estatísticas super positivas sobre isso de países com educação sexual de qualidade. É um assunto bem interessante e bem complexo."

— Quanta coisa... — Hani estava imersa em pensamentos, ainda processando. Fazia muito sentido, mais até do que esperava, contudo, era muito novo.

— Muita. Desculpa a enxurrada. — Jimin riu de leve. — Te pago um novo picolé pra compensar.

Antes de Hani poder retrucar não haver nada a se pedir desculpas, Jimin levantou-se e piscou um olho antes de ir até a carrocinha. Comprou mais um picolé para ele mesmo também e logo sentava-se de novo ao lado de Hani. O tempo esfriava, não deveriam tomar aquele tanto de picolé. Mesmo assim, abriram as embalagens de pronto.

— Tô animada! — Hani falou e, cansada do banco, puxou Jimin pela mão para passarem pelo parque. Ele resmungou, mas levantou-se. — Assim que tiver seu MVP pronto e as primeiras escolas mapeadas, me chama, vou ajudar no seu discurso de vendas. Boatos de que sou boa nisso.

— Já ia até reclamar!

— O quê?

— Que você passou muito tempo quieta, deu até uma sensação estranha. — Riu, e Hani gargalhou junto. De fato, se tivesse espaço, ela falaria até a garganta parar de funcionar, como se precisasse expulsar toda aquela energia intrínseca para fora da boca.

— Eu tava ouvindo! — retrucou, com um biquinho revoltado nos lábios pintados de vermelho pelo toque frio do picolé. — Pra gente que nem eu, que ama falar, saber ouvir é uma virtude dolorosa de desenvolver, mas muito necessária.

— Que lírica... Virtude dolorosa.

— Ai, Minnie! Você tá chato demais hoje!

— Pra gente que nem eu, que é chata, ser legal é uma virtude dolorosa de desenvolver — devolveu em um tom pomposo, e os dois caíram na risada. Hani deu um empurrão nele com o ombro, e ambos cambalearam, ainda rindo, e quase caíram em um dos canteiros do parque.

— Podre! Tava falando sério! Vivo dizendo pros meus meninos da Boca que nosso nome é infeliz, porque somos os que mais precisam ouvir o cliente. Eu acredito de verdade que vendas não é empurrar tudo para todo mundo. Acredito no trabalho da UP2U e confio que nosso produto é necessário e vai ajudar os clientes. Nosso trabalho é achar quem precisa de nós e oferecer o melhor que podemos dar para a realidade dela. Simples assim. E, para conhecer a realidade dela, precisamos ouvir.

— Por isso você é a melhor líder que a Boca poderia ter. — Jimin deu de ombros, como se falasse algo óbvio. Bem, para ele, era óbvio mesmo. Hani arregalou os olhos antes de dar uma risadinha e enlaçar os ombros de Jimin.

— O que você tá querendo de mim, hein, Minnie? — provocou. — Tá tão bonzinho hoje...

— Costumo ser mau com você? — Jimin perguntou de volta, preocupado.

— Calma, foi jeito de falar. Acho que é um hábito ruim que peguei com as outras líderes da Up. Você já sabe, né? Nós adoramos achar um jeito de desviar de elogios por sentir, no fundo, que não merecemos. Humor é um jeito socialmente aceitável de fazer isso — Hani explicou, bagunçando os fios azuis do amigo. — Você é um doce... hm... um doce azedinho, mas um doce. Adoro seu jeito, inclusive.

— Hm... — Jimin ponderou as palavras de Hani. Não era como se fosse uma novidade, passara vários meses trabalhando com um guru da arte de desmerecer as próprias conquistas. Sentia tanta falta de Jungkook que doía, contudo, não conseguia impedir sua mente de lembrar dele. Tinha memórias preciosas demais com ele para deixá-las de lado. — Corrige então.

— O quê?

— Sua reação. — Seu tom de voz era mandão, daquele jeito estranhamente típico. — Vou repetir, e aí você reage direito.

— Quê? — Hani afastou-se e ocupou a boca com picolé, fugindo da responsabilidade.

— Você é a melhor líder que a Boca poderia ter — repetiu, encarando Hani seriamente.

— Melhor é uma palavra muito forte... Quase oito bilhões de pessoas no mundo... Com certeza tem alguém melhor — resmungou, desviando o olhar para a natureza, fingindo-se de contemplativa. Um passarinho a encarou de volta, os olhinhos pretos pareciam carregar revolta por ser usado para desviar assunto. Hani xingou-se internamente por se sentir julgada por uma rolinha.

— Você é uma excelente líder para a Boca e, dentro das pessoas que conheço da UP2U, a que representa melhor o cargo — Jimin reformulou. — Eu não mentiria, então nem ouse tentar me trucar de novo.

— Você confia muito na sua opinião, metido...

— Responde direito, Hani!

— Obrigada... — Sua voz saiu baixa, e aquele biquinho tomava seu rosto de novo. — Acho que sou boa mesmo.

— Ótimo. Não te matou aceitar e admitir, viu? — Jimin ergueu uma das sobrancelhas.

Hani o olhou com seriedade e pousou a mão no peito. Cambaleou para trás.

— Tô sentindo uma pontada aqui no coração... — ela falou dramaticamente, deixando óbvia a atuação.

— Hm... Vou chamar a ambulância. — Jimin vestiu sua melhor expressão de peixe morto e buscou o celular no bolso da calça, digitando os números da emergência.

— Chato! — Hani reclamou. Em um pulo, pegou o celular dele e saiu correndo. Jimin apenas a observou, não possuía nenhum rastro de energia em sua alma para brincar de pega-pega, ainda mais estando no final do picolé. Aproveitou para comer o último pedaço e jogar o palito em uma lixeira enquanto Hani voltava até ele, ofendida em não ter sido perseguida. — Acho que esperei demais de você.

— Você sempre espera.

Ela aproveitou a proximidade da lixeira para terminar seu picolé também. Depois, caminharam pelo parque, entre as árvores diversas e frondosas. Muito devagar porque Jimin era preguiçoso. Hani achou que explodiria, porque era muito acelerada. O próximo encontro deles deveria ser sentado, ou ela não aguentaria de nervoso.

No meio do passeio, encontraram Yeonjun e Yuna. Eles arregalaram os olhos de um jeito que certificava ser uma interrupção deveras indesejada. E aquele foi o erro deles, pois Hani sacou na hora o que acontecia.

— Vocês são namoradinhos? — perguntou, direta e reta. Jimin a empurrou com o ombro. Aqueles dois nem andavam de mãos dadas, imagine assumir um namoro. Tendo observado de perto um começo de namoro terrivelmente lento (Taehyung e Yoonji), estava certo de que a abordagem poderia ser nociva.

— E a gente por acaso é namoradinho? Estamos andando juntos que nem eles — Jimin resmungou.

— Mas tá estampado na sua testa que você é um gayzão — Hani retrucou, e Jimin a encarou com tanto ódio que a calou. O ódio não foi pelo fato de ter estampado na testa que era um "gayzão", era a mais pura verdade, e sim por Hani insistir na conversa.

— Enfim, oi — Jimin cumprimentou os dois estagiários, sem graça porque agora que já tinham sido pegos no flagra, começaram a encará-lo com embaraço.

Jimin sentiu as bochechas queimarem diante dos olhares, apesar de entender bem o que os motivava. Não se despedira deles, nem contara da demissão. Ah, e saíra do grupo de estagiários no celular sem falar com ninguém. E talvez tenha ignorado as mensagens que recebera no privado de ambos. Não sabia explicar por que fez aquilo.

Um motivo plausível seria querer afastar-se da Up e de quem lembrava-o dela, mas apoiou-se bastante na Hani e na Yoonji na época. Talvez por elas já o conhecerem como o grande pedação de lixo que era, e os estagiários, não. Enfim, faltavam explicações, mas, naquele instante, sobravam arrependimentos.

— Oi. Quanto tempo... — Yeonjun murmurou. Yuna repetiu a frase, como um robô, alguns segundos depois. Hani, sem entender, encarou os três.

— Que torta de climão — ela disse. — Vou comprar uns espetinhos pra nós. Se resolvam aí.

E, daquela forma, abandonou Jimin com duas pessoas magoadas consigo. Xingou três gerações da família da Hani, apesar de saber que ela tomara a melhor decisão. Não tinha nada a acrescentar como pessoa na discussão, por não fazer parte da bagunça, e seria desconfortável para Yeonjun e Yuna lavar roupa na frente de uma diretora da empresa deles. Especialmente para Yuna, da mesma diretoria.

— Hm... — Jimin arriscou. — Como vocês estão?

— Ah, acho que como sempre...? — Yuna tentou responder e trocou um olhar com Yeonjun, este apenas deixou um bico tomar ainda mais seus lábios e assentiu com a cabeça. — E você?

— Acho que o de sempre também.

— Você se demitiu — Yeonjun observou, o tom de voz cheio de mágoa. De fato, não havia como "ser como sempre" se nem no mesmo emprego estava. Jimin suspirou.

— Verdade.

— Disseram que foi por causa da faculdade e do TCC.

— É por aí.

Um novo silêncio instaurou-se entre eles. Bem incômodo.

— Se foi só a faculdade... — Foi a Yuna que tomou coragem. — Por que você não contou pra gente? Nem respondeu nossas mensagens?

— É... Acho difícil fazer vocês acreditarem que foi só a faculdade — Jimin concordou; o arrependimento engolia seu peito como se fosse o Pac-Man com os fantasminhas. Não sabia como escapar. — Mas acho que não sou capaz de explicar o motivo pelo qual eu saí.

— Mas a Hani sabe... — Yeonjun sibilou. Seu olhar acusava.

— Na verdade, não. A não ser que ela tenha descoberto de outros jeitos, que acho pouco provável. — Jimin percebeu sua sorte em manter a presença de Hani mesmo que ela não soubesse do acontecido. — Desculpa, eu realmente não posso contar. Não depende só de mim.

— Isso dá medo — Yuna confessou, a voz trêmula. — O que aconteceu de tão ruim assim na UP? Parece que eu não conheço mais a empresa, nem você.

Os ombros de Jimin caíram ao ser tomado por um suspiro. Yeonjun nada disse, mas, pelo seu semblante, compartilhava da opinião da Yuna. Jimin não poderia desejar que fosse diferente, não fez sua parte para ser diferente. Um pouco cansado de ficar em pé, tentou ganhar tempo levando o casal até um banco, em que os três sentaram.

— A UP continua a mesma... Tem problemas, claro, como qualquer lugar com pessoas, mas nada além do que vocês já conhecem. Não é nenhuma ameaça de nenhum tipo. Não sei se isso é o suficiente pra acalmar vocês agora, mas o tempo vai mostrar que tá tudo certo. Minha demissão deve até ter deixado as coisas melhores. Não tentem retrucar, estou sendo sincero — disse, baixinho, encarando as próprias mãos. Ele era a grande ameaça da UP, e disso já tomara conta. — Sobre mim... acho que vocês não me conhecem mesmo. Mas isso é bom. Tô tentando virar alguém que vocês possam conhecer. Não que vocês queiram conhecer, claro, depois de eu ter sumido do mapa desse jeito.

— Minnie... — Yeonjun chamou, e Jimin tomou coragem de levantar o olhar. Aquele maldito cabelo cor de ovo era alegre demais para ficar carregando uma expressão chateada daquelas. — Que agonia! Esse mistério todo só deixa tudo mais estranho, vai me dar gastrite.

— Desculpa.

— Eu não te desculpo — Yuna reclamou, mas Jimin notou uma pontinha de humor no seu tom de voz. — Detesto homem que faz decisão por mim.

— Anotado — Yeonjun respondeu, distraído, e os ambos riram, nervosos.

— Acho que você deveria dar pra gente o poder de decisão — Yuna continuou. — Não que isso resolva o fato de tudo estar muito estranho agora. Mas, pelo menos, a gente vai ter alguma parte nisso. Não gosto de ser excluída.

— O foda é que eu não posso dizer a verdade pra que vocês possam tomar uma boa decisão.

— Então a gente toma a decisão com só as verdades que a gente tem e sabe. E, se algo mais acontecer, a gente toma outra decisão. — Yuna cruzou os braços, impaciente. Detestava demais não ter autonomia para fazer suas escolhas.

— E o que vocês decidiriam agora? — Jimin mordeu os lábios, subitamente ansioso.

— Que eu tô com um mal pressentimento da UP e de você. — Yuna meneou a cabeça. Aquele tanto de segredo a incomodava, assim como a Yeonjun, que nem brincara sobre a gastrite. Tinha o estômago sensível. — Mas, se for pra mudar, você pode começar respondendo nossas mensagens. Vamos ver por aí.

— Você é boa em tomar decisões — Jimin comentou, impressionado. Talvez estivesse com um hábito ruim de supor a falta de autonomia emocional dos outros de tanto conviver com Jungkook.

— Sou — ela respondeu secamente. Apesar de compassiva, a garota não gostava de elogios óbvios, ainda mais aqueles que davam a entender não a acharem capaz de tal. Muito pedante. — Algo pra falar, Juninho?

— Hm... Tô com a Yuna — respondeu, meio perdido, e jogou seguro.

— Boa. Obrigado. — Jimin deu um sorriso pequeno. Queria muito mostrar novas verdades a eles, não só porque já gostava da presença de ambos, mas porque também carregavam características que necessitava por perto. Woohyun dissera o quanto era importante buscar e investir na sua rede de apoio. E queria um apoio como o da Yuna, que não se limitava a palavras de conforto. Era muito ela mesma, em qualquer situação.

Hani, que avaliava as expressões ao longe, aproximou-se quando as notou se amenizarem. Trazia espetinho para todos; considerava ir ao parque sinônimo de comer tudo pela frente. Os estagiários aceitaram de bom grado com um sorriso, e Jimin, como sempre, impressionou-se com a gentileza.

A mulher sentou junto deles e comeram, engatando em algum papo genérico sobre o clima, o parque e um cara de skate que parecia permanentemente prestes a cair. Houve um silêncio enquanto terminavam de mastigar. Estendeu-se ao ponto de ficar claro que era hora de se despedir.

Yeonjun, então, puxou Jimin para fora do banco, alegando desejar companhia para jogar os espetos de madeira no lixo. Apesar de confuso, Jimin apenas seguiu o cabelo cor de ovo. Jogaram o lixo fora em silêncio e começaram a fazer o caminho de volta da mesma forma. Até Yeonjun segurar o pulso de Jimin, interrompendo-o.

Quando percebeu, Jimin já tinha sido engolido por um abraço de urso. Nunca percebera que Yeonjun era tão mais alto, mas mesmo assim sentia-se agarrado por uma criancinha. Talvez aquele fosse o charme de Yeonjun: ser tão manhoso e brincalhão em um corpo vivendo responsabilidades de adulto. Ainda estupefato, Jimin o abraçou de volta.

— Fiquei com saudades, Minnie... É muito estranho quando você não aparece lá nos Pés com sua cara de cu — ele choramingou, e Jimin caiu no riso; nem conseguia ofender-se. Entre as gargalhadas, sentiu os olhos marejarem. É, também ficava com saudades de ir atrás daquele cabelo cor de ovo idiota. Nos últimos dias de UP2U, ele fora um ponto de apoio enorme, mesmo sem saber. Jimin passava o dia inteiro com Yeonjun quando se agoniava demais com a iminência de ter que sair da vida de Jungkook e se demitir.

— Também sinto saudades de identificar esse cabeção amarelo ovo no meio do festival preto dos Pés. Era muito fácil te achar.

— Mas você me perdeu... — Yeonjun enterrou a cabeça com mais força nos ombros de Jimin, que sentiu seu coração partir. Acariciou com cuidado as costas largas.

— Pra sempre? — sussurrou.

— Espero que não. — Yeonjun fungou. — Fiquei muito puto com você! Nossa, muito! A Yuna não aguentava mais me ouvir reclamando de como você largou a gente sem mais nem menos. Quando a gente se trombou aqui no parque, achei até que era alucinação de tão puto que eu tava. Mas perceber que era você mesmo, em vez de me deixar puto, só me deu vontade de chorar.

— Desculpa.

— Por que tô dizendo isso tudo pra você? — resmungou. — Pelo amor de Deus, nenhuma pessoa normal chora pitanga assim. Que patético! Tô puto comigo mesmo agora!

— Acho que é normal querer que a outra pessoa saiba o quanto ela te machucou. Mas, em geral, as pessoas só ficam criando o discurso na cabeça. Achei corajoso da sua parte falar de verdade.

— Não te entendo, Minnie! — Yeonjun afastou o abraço, e encararam-se, notando os olhos lacrimosos um do outro. Cada vez menos palavras eram capazes de explicar o que acontecia. — De verdade, eu não entendo! Você nunca fala porra nenhuma, você sempre tem esse jeito de estar cagando pra tudo. Então por que, sempre que percebo, já despejei tudo em cima de você?

— Não sei. Acho que sou bom em receber despejo.

— Que jeito deprimente de falar... "Bom ouvinte" não é melhor?

— Não sei, eu não ouvia muito as pessoas antes.

— É, não te entendo. — Yeonjun meneou a cabeça, inconformado. — Muito menos essa sua cara de choro. Parece até que tá assistindo Rei Leão.

— Poderia ser. — Jimin riu. Talvez enfim fosse capaz de emocionar-se com a própria vida, em vez de permitir-se apenas com histórias em terceira pessoa das quais não tinha controle. É, o véu nebuloso que cobria seu peito dissipava-se aos poucos. Um pouco mais leve; talvez Jungkook o tivesse libertado.

— É porque você não assistiu Up, Altas Aventuras ainda! Não tem quem aguente. — Yeonjun gargalhou baixinho antes de fungar e esfregar os olhos, recompondo-se. — Vou lá, né? Era pra eu dar mó passeio maneiro pra Yuna, se eu parar pra chorar vai ser meio paia. Mas pelo menos a gente ganhou espetinho de graça.

— Verdade. Bom encontro para vocês. — Jimin sorriu de leve, meio melancólico.

— Obrigado — Yeonjun respondeu no mesmo tom. Os olhos afilados encontraram os de Jimin mais uma vez, e ambos notaram que faziam falta um ao outro. — Tô esperando você me encontrar de novo.

— Continua com esse cabelo amarelo ovo que vou dar um jeito.

-📑-

— Bro, tu tá muito cozinheiro esses dias... — Jimin sentiu Taehyung apoiar o queixo em seu ombro, abraçando-o por trás. O amigo gostava bastante de toques. Talvez ele mesmo também, na verdade. — Nem sabia que tu manjava mais que fritar um ovo.

— Também não. — Deu de ombros, era uma habilidade inesperada. — Não que eu esteja fazendo um prato chique, né? Talvez tenha sido de tanto que eu assisti os funcionários dos meus pais cozinhando pra mim. Ou vídeos do Youtube, né? Mas já assisti muito vídeo de reforma e não sei nem furar parede.

— Hm... — Taehyung murmurou. — Então teus pais também te largavam de lado?

— Os seus faziam isso? — Jimin aproveitou que o arroz frito estava pronto para desligar o fogão e virar-se de frente para Taehyung. Este afastou o abraço para recostar-se na mesa e suspirar. Não deveria ter trazido aquilo à tona, não sabia se estava pronto para falar.

— Do jeito que eles conseguiam. Antes era melhor, porque eles me largaram com meus avós, que sempre foram minha verdadeira família. Mas depois, quando tive que ir morar com eles, eles me enfiaram em todas as atividades do mundo pra não passar tempo comigo. Natação, aula de música, inglês, esgrima... até equitação. Sou chorão pra porra sobre isso. Certeza que fazer esses bagulhos era muito mais massa que ficar com eles, mas sei lá...

— Sei o sentimento... — Jimin suspirou, melancólico, e apontou para Taehyung, o mais alto entre eles, pegar duas tigelas a fim de servir a comida. — Pessoalmente, acho que eu ainda queria a atenção deles no fim das contas. Como se fossem eles que devessem aprovar a pessoa que eu tava me tornando, algo assim.

— Boto fé... Tipo um carimbo de "ok, tu tá passável".

— Tipo isso... — Jimin suspirou e seu olhar ficou vago. — Será que sou assim por falta de carimbo então?

— Tu é passável pra mim, bro. — Taehyung interrompeu seu caminho até a cadeira e agarrou a cintura de Jimin de novo, dessa vez tão forte que recebeu um resmungo e um tapa de volta. — Na verdade, te dou o carimbo de "bro do ano". Se tu receber o carimbo por mais dez anos, te promovo pra "bro da minha vida".

— Dez anos é muita coisa!

— Ser bro da minha vida também — Taehyung retrucou, rindo, e soltou Jimin. Ambos sentaram-se à mesa posta.

— Justo — Jimin teve de concordar. — Vou me esforçar então.

— Tu tá tão mansinho...

— Eu sou mansinho, não? — Apesar de anteriormente até sentir algumas irritações pontuais, muitas vezes por preconceitos, não se lembrava de ter achado algo digno de sua raiva mais profunda. Ela sempre ficara anestesiada junto aos demais sentimentos.

— Hm... Tu me pegou agora. Acho que sim.

— Você quis dizer que eu tô carinhoso? — perguntou, fazendo Taehyung arregalar os olhos e corar de leve.

— Acho que faz mais sentido... Por quê?

Um sorriso enorme despontou no rosto de Jimin. Um que chegava até seus olhos pequenos, transformando-os em meias-luas delicadas, e exibia o dente da frente torto que Taehyung não lembrava de já ter reparado. Um sorriso tão lindo, Taehyung sentia-se hipnotizado. Jimin parecia outra pessoa.

— Quero ser carinhoso — ele respondeu. — Carinho é legal, mas não sei como dar. Aí tô tentando...

— Tá conseguindo... — Taehyung sorriu de volta, os olhos ardendo. Encarou o prato de comida à frente. Repousado na mesa que exibira vários outros, todos pelas mãos de Jimin. Às vezes com a presença do colega de apartamento; às vezes junto a um bilhete curto, tatuado com a caligrafia austera formando uma mensagem rápida e talvez seca à primeira vista. Entretanto, Taehyung sabia o quão carinhosa era.

Assim como os olhares cortantes emoldurados pelas pálpebras afiladas, e as reclamações roucas sobre o colega de apartamento não dormir bem. Todas com aquele ar de revolta e mau humor que serviam de ponte para uma genuína preocupação. Jimin era mesmo carinhoso. E saber o quanto tal carinho era desconhecido a ele, tornava o esforço ainda mais louvável.

E Jimin não respondeu, apenas deixou aquele sorriso lindo crescer e enfeitiçar Taehyung ainda mais. Estava ciente de ainda ter um longo caminho pela frente até entender bem como funcionavam o carinho e o cuidado — ainda mais para pessoas diferentes —, mas não o impedia de comemorar aquela pequena vitória. Era um passo, mesmo que único, na direção que buscava.

— Mudei de ideia — Taehyung falou. — Acabei de nomear tu como "bro da minha vida".

Jimin gargalhou. E o som de sua gargalhada era tão belo que Taehyung desejou ser um palhaço ou comediante, só para ouvi-lo mais.

— Obrigado pela honra, mas já aceitei o desafio dos dez anos.

— Bro, tu é guerreiro mesmo — disse em um tom dramático.

— Acho que a luta vale. — Deu de ombros e uma colherada na comida. — E você?

— Eu o quê?

— Não esperava um carimbo dos seus pais? — disse, pegando Taehyung de surpresa, pois este pensara ter escapado da conversa. Deveria ter imaginado, Jimin, ao contrário dele, era focado; não seria engambelado por um simples desvio de assunto. Suspirou fundo, porém, reunindo coragem. Para que Jimin pudesse cuidar dele, tinha de contar sobre seus machucados também.

— Acho que não... — A pergunta o fazia pensar. Nunca tinha encarado as respostas. — Sepá eu nunca botei fé que eles fossem minha família de verdade pra esperar um carimbo. Fui criado pelos meus avós, né? Acho que só eles poderiam me carimbar.

— Hm... E eles te deram o carimbo? — Jimin perguntou, curioso, e Taehyung mergulhou em pensamentos de novo. Mexeu na comida e beliscou-a, tentando engoli-la junto às saudades que sentia dos avós e das suas memórias.

— Acho que meus velhos me livraram do carimbo.

— Isso é possível?

— Acho que sim. Eles não esperavam que eu fosse passável, só que eu fosse feliz. Nunca tinha pensado nesse carimbo até tu falar. Acho até que meus pais tentaram me controlar com ele depois, mas meus velhos já tinham me provado que eu era alguém sem ele.

— Estranho seus pais serem tão ruins se seus avós são tão bons.

— Acho que meus velhos foram ruins com minha mãe. Eles já deram a entender isso algumas vezes, talvez tenham usado o carimbo contra ela e entendido só depois que não era uma boa. Mas nunca manjei da treta porque eu era moleque demais.

— Você teve que parar de morar com eles?

— Eles faleceram — Taehyung enfim contou a parte que tentara contornar. Talvez fosse a melhor opção desde o começo, pois toda vez que Jimin os mencionava no presente, seu coração partia. — Morei com eles numa fazenda pequena até uns oito anos. Encontrei meu velho deitado no meio da horta um dia, parece que foi o coração. Vovó foi logo depois... Acho que o psicológico deve ter acelerado um pouco as coisas.

"Aí uns parentes que nunca vi na vida apareceram, disputando herança. Fazendo essas merdas que parentes fazem, né? Aí, como não tinha mais meus avós pra ficarem comigo, meus pais me levaram pra capital. Acho que dessa parte pra frente a gente até que se parece.

"Meus pais só ligavam pros corres deles, então quem cuidava de mim era uma babá e os professores das aulas que eu fazia. Passava o dia inteiro fora de casa. Uma vida bem de filhinho de papai."

— Mas você não é sustentado mais por eles. O que aconteceu?

— Meus pais queriam que eu fizesse adm. Acho que não era uma opção ruim, mas eu detestei só pelo fato de não querer aqueles dois mandando nos meus corres. Acho que foi minha época rebelde. Fui fazer um técnico em enfermagem, de dois anos, que aí dava pra eu trabalhar se desse ruim. E foi quando eu arranjei meu primeiro namoro.

— E aí?

— E aí que eles até fizeram vista grossa pro técnico. Era pouco tempo, né? E achavam que eu ia obedecer eles depois. Mas quando concluí, eles perceberam que era uma boa ideia pro nome da família eu fazer medicina, então trocaram o desejo deles pra faculdade de medicina.

— Impressionante como todo mundo quer filho médico. Meus pais até me botaram pra fazer medicina antes de me mudar pra adm — Jimin comentou. Chegava a ser deprimente notar que, mesmo depois de três anos morando juntos, ele e Taehyung nunca souberam daquela semelhança.

— Por que eles mudaram?

— Porque eu sou inútil e incapaz de ter um futuro profissional. Aí me mandaram pra adm porque depois posso ficar ocupando cargo fantasma na cervejaria deles com um diploma de merda me protegendo.

— Tem que ser muito imbecil pra ignorar por tantos anos que tu é competente pra caralho — Taehyung resmungou, sentindo o sangue ferver. Jimin deu de ombros e raspou a última colherada do arroz frito.

— Nem, eu obedeço a lei do menor esforço. Como eles vão achar qualquer coisa ruim, sempre fiz a menos trabalhosa; faz sentido eles pensarem que não sei fazer nada. Nunca quis fazer nada.

Taehyung, incomodado, esticou suas pernas por baixo da mesa, embolando-as nas de Jimin. Trocaram um sorriso pequeno.

— Você quebrou as próprias leis agora, bro — Taehyung comentou, e Jimin assentiu. Era um esforço hercúleo, mas o abraçava.

— Mas aí você aceitou fazer medicina, né? Por que eles não te bancam?

— Aceitei, apesar de parte de mim querer mandar eles tomarem no cu e pararem de tomar conta da minha vida. Mas dessa vez eu sabia que seria só pra retrucar, porque eu real queria muito fazer medicina depois do técnico de enfermagem... Só nunca tive cara de pensar em fazer porque a mensalidade já seria maior do que qualquer salário de enfermeiro, ainda mais no início de carreira. Aí eles começaram a bancar minha faculdade, até...

— Até...?

— ...descobrirem do meu namorado. Lembra que eu falei que durante o técnico eu arrumei meu primeiro namoro? — Não sabia por que contava tantos detalhes, tanta coisa que sempre achara tão difícil externalizar e pôr à prova de que fora real, de que o machucara e doía até os dias atuais. Algo em Jimin o encorajava a admitir toda a dor.

— Uhum.

— Ele era um cara. Meus pais não curtiram.

— Ah...

— Depois de chorar e me humilhar bastante pra eles, convenci que terminassem de pagar a minha faculdade, porque eu sabia que não ia conseguir bancar, nem ficando endividado pra porra, devendo até meu cu. Até tentei ver quanto crédito eu poderia ter no banco antes, pra não ter que implorar pra eles, mas... Enfim. Sou meio que deserdado da família agora e tenho que bancar o resto.

— Lamento...

— Não lamente. Querendo ou não, ainda sou capaz de fazer a faculdade que quero. Não é todo mundo que pode.

— Hm... E... o cara lá?

— Prefiro nem falar dele. Tu consegue se contentar em saber só que ele é um vacilão?

— Claro... Você já contou até demais pra alguém como eu.

— Contei justo por ser você...

— Obrigado então. — Jimin deu um pequeno sorriso. — Agora entendo por que você faz tanta coisa.

— Até que faz sentido, né? — Taehyung riu de leve. — Se bem que a parte dos eventos de caridade, do skate e das outras coisas não têm nada a ver com essa treta toda.

— Nunca entendi muito bem como que você aguenta fazer esse tanto de coisa. Fico meio preocupado porque você quase se mata, mas uma parte de mim fica com inveja também. Queria ser determinado assim.

— Ah, acho que tu tá encontrando uma determinação boa, bro. Melhor que a minha. Eu boto fé de que faço muito mais do que aguento só pra ignorar os outros problemas. É como te disse: acho que, no final, eu gostava de ficar fora de casa o dia inteiro, porque aí eu não tinha que encarar o fato de que, quando voltava, não tinha família me esperando. Que não tinha meus velhos lá, por mim. E acho que eu repetia essa minha noia... Não curtia voltar pro nosso apê porque ele era muito vazio. E quando eu vejo vazio, percebo que eu tô vazio.

— Você é vazio?

— Boto fé que sim. Nunca tô satisfeito com os meus corres. Sempre preciso fazer mais.

— Engraçado... — Jimin falou, em um tom pensativo. Taehyung riu, pois não era nada engraçada a situação, apenas deprimente. Mas sabia que Jimin não achava graça de verdade, era apenas jeito de falar. Levantou-se para recolher as louças.

— O quê?

— Não esperava que você tivesse tanta consciência dessa sua mania.

— Também não. Até porque eu faço várias coisas justo pra não ter tempo de pensar sobre nada. Acho que foi a Yoon que me fez perceber. Quando eu tô com ela, o tempo desacelera e parece que consigo encarar melhor como eu sou. Tenho menos medo de mim.

Jimin levantou-se e foi abraçar o amigo, enterrando o rosto nas costas dele. Taehyung sorriu; gostava da proximidade.

Verdade seja dita, o peito de Jimin encontrava-se virado ao avesso, um caos, de tanto que pulsava, de tantos sentimentos. Dor pelo amigo — pelas dificuldades que compartilharam e pelas que eram diferentes —; a grossa camada de compreensão ao ouvir as palavras sobre a Yoonji — pelas saudades que sentia do Jungkook. Jungkook o fazia encarar quem era e quem queria ser.

Contudo, seu tempo com Jungkook não desacelerava. Muito pelo contrário. Jungkook pisava com força no acelerador de sua vida, estática até a intervenção inesperada e carinhosa. É, Jimin queimava de saudades, e abraçou Taehyung com mais firmeza, tentando mergulhar de volta na presença que lhe era permitida.

— A Yoonji é muito importante pra você, né?

— Muito... E o Jungkook pra ti, né?

— Tá tão óbvio assim?

— Tu não me agarraria desse jeito se tivesse sussa.

Sem saber se estava feliz ou frustrado em ser lido tão facilmente pelo amigo, Jimin soltou um suspiro meio engasgado e foi sentar no sofá. Taehyung logo terminaria de lavar a louça, e queria seduzi-lo com a ideia de assistirem a um filme juntos.

Para sua alegria, o convite silencioso foi acatado, e logo ambos apoiavam os pés na mesinha da frente, os ombros roçando como uma prova de sua presença um para o outro. Jimin ainda tinha muito a descobrir sobre Taehyung e sabia disso, mas aquele dia representava um passo tão largo que seu peito flutuava. Estava feliz e cheio de expectativa.

— Tae... hyung...

O enfermeiro virou a cabeça para olhar o dono das palavras vacilantes com um sorrisinho no rosto. Era fofo.

— Hm... Tu tava tentando lançar a braba do Tae?

— Uhum... — Jimin afastou o olhar, nervoso. O coração parecia prestes a sair da boca. Nunca chamara ninguém pelo apelido por vontade própria.

— Todo mundo me chama de Tae, Minnie! Por que você não tenta algo diferente? Tu foi nomeado "bro da minha vida", faça jus!

— Eu... não sei dar apelidos.

— Pode ser besta. Ou óbvio. Mas quero que seja teu.

Como uma prova de sua fala e uma tentativa de encorajá-lo, Taehyung enlaçou os braços de ambos e abriu um sorriso. Jimin não resistiu ao ataque e sorriu junto, enchendo o amigo de júbilo. O sorriso do Jimin era mesmo o mais bonito.

— Tae...hyungie? — Testou o apelido, erguendo uma sobrancelha com o semblante tenso. Relaxou ao notar que Taehyung parecia ter gostado. Mal sabia que a parte mais incrível para Taehyung era ver logo Jimin, tão sem expressões, parecer tão nervoso com um simples apelido.

— Gosto. Como se eu fosse um bebezão!

— Desculpa...

— Ué, tu acha real que eu não curto ser um bebezão? — Para demonstrar seu ponto, encolheu-se ainda mais contra o braço de Jimin, esfregando a cabeça nele como um gato e arrancando mais gargalhada de ambos.

— Taehyungie então... — Provou mais uma vez o apelido. Ficava mais gostoso de falar a cada tentativa. Arriscou levar uma das mãos até os fios ruivos do amigo, afundando-a lá. Taehyung não protestou. — Todo mundo me chama... me chamava, de Minnie lá na UP2U. Se eu sou o bro da sua vida, também não mereço um apelido exclusivo?

— Hm... — Taehyung o soltou para cruzar os braços, fazendo uma cara exagerada de pensativo enquanto escaneava Jimin com seu olhar. — Jiji! E tô ligado que é um apelido escroto, mas tu não tem o direito de reclamar, pena!

— Tudo bem — Jimin concordou, tão sério que Taehyung caiu na gargalhada. Esperaria um resmungo apenas. Jimin era tão resmungão antes.

— Tava zoando, bro! Vou te chamar só de Ji mesmo, acho mais daora. Chique, trabalhado no requinte.

— Tá bom — Jimin concordou de novo, sem uma reclamação sequer. Taehyung foi zoar, mas quando notou as bochechas coradas e o sorriso enorme dele, não foi capaz. Era muito lindinho. — Taehyungie... você quer sair comigo esse fim de semana?

— Esse eu não posso, Ji... — O coração apertou em negar algo a ele. Taehyung até assustou-se com o poder de Jimin sobre ele. Não que fosse algo ruim. — Eu combinei de ajudar a Yoonji e o Jin em uma mostra de profissões. Mas se você quiser ir...

— Hm... Quero. Talvez eu mais atrapalhe do que ajude, mas quero. Se não for problema...

— Então fechado, bro! — Taehyung levantou a mão e, estranhamente emocionado, Jimin correspondeu o high-five. Parecia tanto um jovem normal que chegava a ser desconexo. — Inclusive, tu pode me ajudar com outra coisa, Ji!

— Sério? O quê? — perguntou, interessado.

Jimin sabia que a palavra "ajudar" era um bom gatilho para desenvolver seus relacionamentos, e o com Taehyung era o mais importante. Mesmo seus filmes e séries cativos representando todo o ato de amizade como natural e quase romantizado, não se envergonhava em ter de fazer um esforço consciente. Trabalhava com as ferramentas que tinha, e soava estúpido flertar com a ideia de alcançar algo sem esforço. Passara a vida inteira sem se empenhar justamente porque sabia ser o caminho para nada se concretizar.

— Fazer companhia pro Jin. Eu tava querendo roubar a Yoon depois do evento...

— Alô, polícia, queria denunciar aqui um futuro sequestro... — Jimin fingiu discar seu celular, fazendo Taehyung gargalhar.

— Teu senso de humor é diferente.

— É que ele não existe. — Sua expressão voltou a ser neutra. — Tá em construção ainda, preciso de mais referência.

Melancólico com a verdade cuspida, Taehyung apoiou suas pernas em cima das do amigo, enfim arrancando uma reclamação. Acariciou os fios azuis necessitados de fazer a raiz.

— Já existe sim, daqui a pouco tu já tá fazendo stand-up, Ji. — Observou Jimin revirar os olhos, desacreditado. Cutucou-o antes de voltar ao assunto: — Então... Eu tava pensando em passear com a Yoon e meio que... tentar pedir ela em namoro. Real, oficial.

Jimin, entendendo o quanto a ocasião era importante para Taehyung, arregalou os olhos de surpresa. Desajeitado, tentou abraçar seus ombros para parabenizá-lo pela iniciativa. Ou algo do tipo. Bem, dificilmente um abraço seria uma ideia errada. Taehyung gargalhou e correspondeu, aninhando o amigo com carinho entre seus braços.

— Vou fazer o meu melhor pra te ajudar, Taehyungie. Então dê o melhor passeio pra Yoonji. — Jimin sentia-se tão tolo falando aquelas besteiras. E gostava tanto de parecer tão tolo.

— Combinado, Ji!

»»💼««

Estão gostando de acompanhar o Minnie? 🥺 Como eu amo o relacionamento dele com o Tae e a Hani, aaaaaaaaaaaaaaaaa

Ah, e se gostou, não se esqueçam de votar! É um dos jeitinhos de eu saber que vc curtiu o capítulo e de apoiar a fifico 🥺

Voltando à programação normal: qual é sua parte favorita do capítulo? A minha é dos vmin, sério, é tão vulnerável, passo mal 😭 

Ah, aliás, essa pesquisa com alcóolatras é real (e tem dedinho da comunidade científica brasileira, meu amor todinho, nela!). Vou deixar o link do podcast em que ouvi aqui nos comentários. Nessa página, você pode achar e acessar os artigos científicos tbm!

Muito muito muito obrigada por acompanharem, comentarem, votarem, surtarem comigo na #JKNãoUsaGravata e serem meus amores😭 amo vocês!

Beijinhos de luz e até 19/02, às 19:00! Amo vocês!

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