Partículas de perfume pairaram no ar antes de assentarem na pele exposta do pescoço. Daphne apertou o borrifador mais duas vezes, próximo à parte interna dos punhos, antes de recolocá-lo na penteadeira. A luminosidade da hora azul adentrava pelas frestas das cortinas junto à brisa fresca que as balançava com sutileza.
A bruxa se recostou no espaldar da cadeira e observou o próprio reflexo seminu no espelho, perguntando-se onde estava com a cabeça ao aceitar um encontro com Lucius Malfoy às portas do casamento da irmã. A bem da verdade, comentários maldosos surgiam mesmo quando não havia motivos para isso. Se alguém os visse e os reconhecesse, seria um escândalo.
Daphne pouco se importava em ser alvo de repórteres sensacionalistas feito Rita Skeeter. Era a saúde de Astoria que a preocupava. Ainda que desse uma desculpa quanto ao encontro, envolvendo o casamento ou assuntos ministeriais, seria brincar demais com o estado delicado dela. Prometera a si mesma que seria cuidadosa a fim de apaziguar a inquietação que a reprimia pelo ato que ainda não cometera, mas queria.
O terninho preto só foi complementado com um colar longo, que descia pelo decote indecoroso do blazer, como a mãe gostava de classificar quase todas as roupas da filha. Os saltos deixaram-na tão alta quanto o Sr. Greengrass. Os brincos ficaram à mostra quando prendeu os cabelos em um rabo de cavalo baixo; estava pronta tanto para uma reunião de trabalho quanto para um jantar de regras menos rígidas. Os tipos de eventos que frequentava, pelo menos, duas vezes por semana.
— Onde vai?
Daphne mal tinha colocado os pés para fora do quarto quando Astoria a interceptou no corredor. Dos moradores da mansão Greengrass, a irmã era a única a quem dava satisfação, mesmo quando ela se mostrava uma coisinha petulante, esboçando — em amplitude menos alarmante — os traços da mãe.
— Pensei que fôssemos revisar a lista de convidados. A Sra. Malfoy insiste em convidar pessoas que Draco e eu não simpatizamos.
Daphne soltou um muxoxo baixo enquanto vestia o sobretudo e calçava as luvas.
— Faremos isso amanhã sem falta. Até lá, pensarei em alguma forma de contornar Narcissa. — Ela estalou um beijo na bochecha da irmã. — O casamento será perfeito. Eu mesma garantirei isso.
— Divirta-se — desejou Astoria, tentando soar animada.
— Pretendo.
O jantar da família seria servido em breve, então apressou-se antes que o caminho cruzasse com o dos pais.
Lucius enviara o endereço e horário, como combinado, no mesmo dia em que se encontraram no ministério. Queimou o papel e jogou as cinzas no vaso após memorizar as informações.
Uma busca rápida dentro da própria cabeça e lembrou-se de um restaurante pomposo onde Zabini insistiu em levá-la durante as férias do sétimo ano. Ao contrário de tantos estabelecimentos que perderam o rumo durante a guerra, os donos do Scythe prosperaram. Não era preciso ser um gênio para entender de qual lado eles ficaram e o quanto um convite para ir ao local dizia sobre o Sr. Malfoy e seu incessante apetite por se manter no lado errado da história.
Daphne caminhou até o ponto em que o feitiço de proteção terminava; o brilho na ponta do cigarro sendo a única iluminação no trajeto silencioso. Levou um tempo encarando de longe a casa de campo da família, no interior da Irlanda. Os antepassados Greengrass consideravam a habitação uma cusparada nos pés de São Patrício e sua fama de expulsar as "serpentes" do país. Isso, é claro, em uma época em que os bruxos se importavam de verdade com suas raízes pagãs. Agora aquelas paredes guardavam Astoria dos ares da cidade e ajudavam-na a se manter saudável.
O ruído da desaparatação ecoou nas árvores próximas e Daphne ressurgiu em um beco escuro. A guimba do cigarro voou para a caçamba de lixo próxima e ela ajeitou o cabelo enquanto andava despreocupada até a calçada. Uma virada à direita e avistou a placa do restaurante, com duas foices entrelaçadas.
Ao contrário do vento frio e do odor terrível da rua, o lugar era confortável e cheirava à lavanda. Lembrou-a do escritório do pai, com as paredes escuras e iluminação amarelada saída dos lustres. As banquetas do bar estavam ocupadas por pessoas que aguardavam uma das mesas vagar.
— Bem-vinda ao Scythe. Como posso ajudá-la? — O rapaz sorriu-lhe atrás do balcão de atendimento.
— Reserva em nome de Malfoy. — Os olhos dele cresceram um pouco ao ouvir o nome e logo voltou à postura discreta.
— É um prazer recebê-la, Srta. Greengrass. Se puder me acompanhar — o maître deu a volta e indicou o caminho com a mão —, eu a levarei à sua mesa. O Sr. Malfoy a aguarda.
Os dois rumaram ao interior do restaurante, onde a música era mais nítida e as luzes perdiam o brilho intenso da entrada e mergulhavam os clientes no quase breu. As mesas perderam espaço para as cabines privativas, cujas conversas e demais ações permaneceriam inaudíveis. Sabia disso pois Zabini fizera questão de detalhar os alegados encontros com alunas de outras casas e mulheres mais velhas ali, como se isso o tornasse atraente aos olhos de Daphne.
Malfoy tinha o olhar fixo nas chamas das velas flutuantes no centro da mesa e algo acendeu nas íris cinzentas ao vê-la.
— Minha cara Daphne, que bom tê-la aqui. — Ele tomou a mão da bruxa, envolvendo-a um instante como se fosse um gesto de apreço inocente até o maître virar as costas. — Está magnífica.
Daphne observou-o puxar as pontas da sua luva uma a uma, até soltá-la de vez, expondo a pele quente. Lucius não deixou de fitá-la ao beijar sua mão, e o rosto da mulher permaneceu sério ao estudá-lo. Quantas outras ele teria levado ali? "A julgar pela expressão confiante, muitas", pensou, soltando-se do toque e se sentando no banco estofado.
Ele a observou tirar a outra luva e ler a carta de vinhos sem forçar uma conversa desnecessária. Quando terminou, Daphne pegou o pergaminho e a pena, localizadas no centro da mesa e anotou o que desejava.
— Soube que vem sendo muito benquista pelos funcionários do Departamento de Acidentes e Catástrofes Mágicas — disse Lucius ao vê-la queimar o pergaminho.
Uma fumaça dourada subiu e se dissipou no ar, levando o pedido de Daphne à cozinha.
— Infelizmente não possuo mais a notoriedade do passado, mas ainda tenho acesso a certo grau de informações.
— O padrão é baixo. Não é preciso muito para se destacar lá.
— Eu diria algo do tipo há uns dez anos, talvez. A tecnologia trouxa avança exponencialmente, o que eleva a necessidade em manter controle do nosso segredo. Soube que o que os trouxas chamam de telefones portáteis agora vêm com câmeras. — Lucius franziu o nariz como se sentisse odor de podridão. — Pode imaginar o perigo que isso representará à nossa raça?
— Não é à toa que perdeu sua notoriedade. É desaconselhável conservar sua linha de raciocínio do século passado.
As taças de vinho surgiram na mesa e Daphne pegou a sua sem se importar com a sobrancelha arqueada do bruxo. Ela inspirou o vinho e balançou-o antes de cheirá-lo outra vez, lembrando-se dos verões na Espanha e das frutas maduras que passava o dia comendo. Infelizmente a temperatura alta não fazia bem a Astoria.
— Não a chamei aqui para isso. Minha intenção é entretê-la e dissolver a péssima imagem criada no jantar. — "Só no jantar?", pensou ela, sorrindo ao levar a taça aos lábios.
— Então não é a mim a quem deve dispensar seus esforços. Minha irmã foi ofendida e é ela quem deseja se juntar à sua família, não eu. — A mesa tornou-se arrumada de repente e a comida apareceu, emanando vapor. — Mas agradeço a gentileza. O local é elegante e a comida...
Daphne cortou um pedaço do boeuf bourguignon e degustou-o de olhos fechados à medida que o sabor das especiarias se espalhava na língua.
— Muito suculenta — disse enfim, percebendo que ele não tocou no prato só para olhá-la comer.
Os dois mal falaram enquanto se alimentavam. Das vezes em que Lucius tentou se comunicar, abordando o casamento ou as viagens que fizera, a jovem notou o discreto desconforto ao vê-la encará-lo de volta. Na sua concepção, homens como ele acostumaram-se à conquista lenta, que os colocava no comando da situação. Daphne não precisava ser seduzida e se alguém ficaria no controle, essa pessoa seria ela.
Aprendera a se comportar com altivez, em parte, graças à mãe. A Sra. Greengrass levava o sobrenome do marido a sério e, antes do casamento, o sobrenome Slughorn, herdado do pai. A primogênita aprendeu muito cedo que se impor era uma necessidade na realidade em que vivia e não demorou a transformar essa imponência em intimidação.
Lucius estava prestes a pedir a sobremesa, porém Daphne o parou, pousando a mão sobre a dele, sabendo o efeito que causaria.
— Não será necessário. — Ele estreitou os olhos, descendo-os até os lábios da bruxa e voltando a erguê-los. — O jantar foi excelente, mas lembro-me de ter sido muito clara quando falei que meu tempo era precioso. Não é preciso tantos preâmbulos para me dizer o que deseja. É insultante como trata minha inteligência, Sr. Malfoy.
Daphne tentou se levantar, porém Lucius a segurou pelo punho, puxando-a para ele, e por pouco não caiu no colo do bruxo; a mandíbula tensionada, o olhar duro que tentava atravessar sua testa e ler seus pensamentos. "Ao menos um pouco de verdade", pensou ela, erguendo o queixo. A reação a divertiu mais do que a irritou.
— É assim que trata o garoto Nott? Por isso ele vive na sua sombra? — Lucius deslizou a mão pelo antebraço dela, subindo e descendo até ir de encontro ao joelho. — Diga-me o que você deseja. — Os dedos acariciaram a parte interna da coxa de Daphne, apertando-a de leve.
O calor se espalhou pelo corpo, fazendo o coração acelerar em antecipação. Ela o pegou de surpresa ao erguer os quadris e sentar em seu colo, mantendo os rostos bem próximos, quase se tocando. Sentiu o toque de Lucius subir até suas nádegas enquanto corria a mão pelo peitoral dele. Malfoy estava tão compenetrado nela que não notou a outra mão da bruxa aproximar-se de sua nuca.
Daphne enroscou os dedos nos cabelos loiros e, em um gesto suave, mas firme, puxou-os para trás, expondo o pescoço de Lucius e arrancando-lhe um gemido baixo de prazer. A outra mão o manteve firme contra o assento. Ela chegou os lábios bem perto da pele exposta, permitindo que Malfoy sentisse o hálito morno.
— Não é você quem manda aqui — murmurou a bruxa em seu ouvido, sorrindo ao perceber a excitação de Lucius aumentar.
Daphne se levantou e ajeitou suas roupas sob o olhar penetrante do acompanhante.
— Pense com cuidado nisso. Não sou eu que preciso entender o que quero. Pelo contrário, na verdade. Sei exatamente o que desejo. — Ela umedeceu os lábios ao vê-lo ofegante; a raiva diante do desapontamento, misturada à atração. — E diga à sua esposa que Astoria e Draco são perfeitamente capazes de escolherem os convidados do próprio casamento. Uma intervenção não é necessária. Fará isso?
Lucius manteve a atenção em Daphne, enquanto a bruxa colocava as luvas. O pomo de Adão subiu e desceu duas vezes antes de finalmente assentir com a cabeça.
— Jantar adorável. Boa noite, Sr. Malfoy.
E, pela segunda vez, Daphne deixou Lucius para trás.
• Notas •
Por motivos pessoais, não teremos capítulo na sexta-feira que vem (25/03). Espero que tudo se ajeite de forma positiva para que eu retorne com as postagens no dia 01/04