Perdida nos seus pensamentos Helena arrastava pesadamente a mão sobre o balcão deixando-o brilhante. Com o aproximar do comício andava mais calada, mais introvertida e não conseguia esconder o efeito causado por rever Mosley novamente. Sentia como se tudo viesse à superfície, tudo contra o qual lutava desde pequena. Queria puder arrancar aquele homem da sua cabeça e ser livre de uma vez por todas. Thomas desceu discretamente as escadas do salão e apoiou-se na ombreira do último degrau admirando Helena. Aquela mulher tirava-lhe a respiração com tamanha beleza, nunca tinha visto igual.
-"O que foi?"- Helena perguntou-lhe quando notou a sua presença e a expressão leve que mantinha no rosto.
-"Os únicos momentos de paz que tenho é quando te admiro."- Thomas disse encostando-se um pouco mais à ombreira das escadas.-"Às vezes acho apenas que estou a ter a porra de uma alucinação e que não és real."
Helena largou o pano e sorriu com o comentário, aproximou-se de Thomas prendendo o seu olhar no dele e levou as mãos ao rosto gélido que a contemplava como se fosse o último momento.
-"Consegues sentir isto?"- Helena perguntou, fazendo Thomas arrepiar-se com o seu toque quente, viu-o assentir com a cabeça.-"Estou aqui Thomas, desta vez não é a tua mente que te está a pregar uma partida."
Thomas sorriu docemente para Helena, esquecia-se de quem era de tão perdido que ficava por aquela mulher. Sem dar conta aproximou as suas bocas e tomou-a para si apaixonadamente. Como ele poderia fazer isto para o resto da vida, pensou. Sem quebrar o beijo, levou as mãos à cintura de Helena e guiou-a até à parede pedindo permissão para a sua língua passar enquanto se envolvia cada vez mais com ela. Tudo naquela mulher o deixava à beira da perdição, o seu cheiro, a sua postura, a sua boca viciante como ópio que não conseguia nem queria largar. Todos os poros do seu destroçado ser se alegravam perante ela. Ah, e como ela o fazia esquecer a dor. Thomas não precisava de mais nada. Afastou-se por momentos para tentar recuperar o fôlego e olhou-a intensamente mais uma vez , como se a sua vida dependesse disso.
-"Eu conheço esse olhar."- Helena disse enquanto tentava controlar a respiração com o peito a levantar e baixar freneticamente.-"Deixa-me entrar na tua cabeça."
-"Ele vai tentar tocar-te, seduzir-te e muito provavelmente à minha frente."- Helena sabia que Thomas se referia a Mosley.-"Helena eu posso lidar com muita coisa mas Mosley.. Tens de estar preparada porque se perder a cabeça vai tudo por água abaixo. Preciso que sejas forte e mantenhas a postura aconteça o que acontecer."- Thomas agarrava o rosto de Helena quando reparou que o seu olhar se enchia de lágrimas com as suas palavras.-"Se eu cair, não podes cair comigo entendes? Promete-me que se for comprometido, se esta merda toda não resultar, não vais olhar para trás. Promete-me love."
-"Não faças isso por favor, não fales comigo como se fosse uma despedida!"- Helena deixava agora as lágrimas correr livremente pela sua face.
-"Preciso que me prometas neste momento Helena."
-"Não consigo fazer isso, recuso-me a fazer-te uma promessa na perspectiva de morreres!"- Helena gritava directamente na cara de Thomas, que mais uma vez agarrou a sua cara com força e a obrigou a olhar para ele.
-"Ouve-me com atenção, senão sair vivo daquele comício já garanti que nada disto seja ligado a ti. Se acontecer, será enviada uma carta de forma anónima para a polícia portuguesa na qual tomo responsabilidade pelo atentado e uma morada onde irão encontrar várias provas do que planeava, percebeste?"
-"Não vai ser preciso nada disso Tommy!"- Helena recusava-se a aceitar o que saia da boca de Thomas.
-"Não tenho garantias disso e tu também não love, por isso preciso que me prometas que vais seguir o plano mesmo se acontecer alguma coisa comigo."
-"Tommy.."
-"Caso não esteja aqui para te proteger e vou amaldiçoar-me por dizer isto.."- Thomas respirou fundo por um momento antes de continuar.-"Alfie vai olhar por ti e proteger-te com a própria vida se for necessário."
-"O quê? Falaste com Alfie?"- Helena não queria acreditar.
-"Na hipótese de eu ou do teu tio morrermos, a única forma de conseguir dormir será ter a certeza que não ficarás sozinha. E Alfie é um homem poderoso e de palavra, não encontrarás ninguém mais capaz do que ele. A verdade, é que nunca permitiria que acontecesse alguma coisa à mulher que ama."- Thomas traçou levemente os lábios de Helena com o polegar enquanto esta sentia o seu coração afogar-se.- "À mulher que ambos amamos."
E aqui estava, Thomas disse finalmente a palavra que até ao momento ainda não tinha sido arrancada do seu peito. Não porque não o sentisse mas por falta de coragem. Amor é algo que pode ser vivido por meros mortais, não para corações negros e almas despedaçadas como Thomas. Ele tinha um propósito muito maior que este sentimento. Mas a luz que Helena lhe transmitia substituía pouco a pouco a escuridão e o poço sem fundo que era.
-"E pronto, já o disse. Tu és a mulher que amo Helena e quer Deus me permita ou não ficar a teu lado depois disto, irei sempre cuidar de ti. Nesta vida ou na próxima."- Thomas nunca deixou o olhar dela enquanto lhe proferia amor eterno. Helena queria responder mas tinha ficado sem voz, abriu o sorriso para Thomas e tentou limpar a garganta.
-"Vamos ter mais tempo. Temos de ter mais tempo! Agora que te encontrei recuso-me a acreditar que é apenas isto que vou viver contigo."- Helena abanava freneticamente a cabeça-"Merda nós merecemos ser felizes! O amor que sinto por ti não foi feito para acabar assim!"
-"Hey love, sabes que o nosso estilo de vida não nos permite baixar a guarda mas o que te posso dizer é que pertencemos um ao outro e nada vai mudar isso. Nem mesmo a morte."-Thomas beijou-lhe carinhosamente a testa e puxou-a para o seu peito num abraço reconfortante para os dois.
-"Now, isto é a porra de uma cena tocante não é?"- Helena e Thomas olharam na direcção da porta para reconhecerem a voz de Alfie que se mantinha imóvel.-"Queria dizer que lamento ter vos interrompido mas mentir é um pecado mortal, por isso não lamento."- Alfie abriu um sorriso falso.
-"Mentir é o menor dos teus pecados Alfie."- Thomas virou-se finalmente na direcção do judeu.
-"O Céu não é para almas distorcidas como as nossas Tommy, já aceitei o meu destino há muito tempo."- Alfie tirou a bengala do chão e apontou directamente para Helena que se encontrava atrás de Thomas.-"Mas ela, ela é pura. É a porra de um anjo, right? Monstros como tu e eu têm um lugar reservado no inferno e a nossa penitência quando deixarmos este mundo será ter a certeza que vamos arder para toda a eternidade longe dela. Por isso prepara-te, mate."
-"Tem um pouco de fé, Alfie."- Thomas disse prendendo o cigarro nos lábios.
-"Isso soa terrivelmente estranho vindo de um cigano. Eu tenho fé mas nela, tu e eu somos casos perdidos, Tommy."- Alfie espremeu os lábios.
-"Não é a fé que vos vai manter vivos, é o planeamento."- Helena disse finalmente dando um passo em frente.- "Por isso vamos garantir que estamos alinhados e que não vai haver falhas."
-"Disseste-lhe alguma coisa?"- Alfie olhou para Thomas que assentiu com a cabeça.-"Right love, é importante que entendas que não existem planos perfeitos e que tens de estar preparada e adaptar-te a tudo o que possa surgir. E se na pior das hipóteses Tommy ou o teu tio não saírem por aquelas portas eu estarei aqui."
-"Vamos rever o plano desde o início em vez de estarmos a preparar testamentos pode ser?"- Helena olhou alternadamente para os dois.- "Se ouvir falar sobre isto mais uma vez, eu própria vos mato entenderam?"- Rodou sobre si e deixou ambos no salão antes de subir as escadas.
-"Juro por Deus que esta mulher me assusta, Tommy."- Alfie disse antes de seguir Helena.
-"Acabas por te habituar, Alfie."