Desde o dia em que Helena se tinha cruzado com Mosley todo o cuidado era pouco e Thomas sabia que ser visto com ela antes do comício poderia levantar suspeitas do que estava a ser planeado. Desde então os Shelby tinham-se mantido low profile e na maioria do tempo no Raposa Vermelha.
-"Tommy, juro por Deus que se continuar a olhar para estas paredes vou enlouquecer!"- Com os pés apoiados na mesa, Arthur mantinha a boina por cima dos olhos balançando a cadeira enquanto tentava não adormecer com o embalo que ele próprio criou.
-"Temos de ser discretos, Arthur."- Thomas percorria a sala de uma ponta à outra.
-"Não aguento mais estar fechado no quarto, a Amanda não me deixa descansar."- Disse Finn com a cabeça encostada à mesa completamente derrotado.-"Aquela mulher vai acabar comigo."
-"Quem é a Amanda?"- Thomas encontrava-se com o cigarro preso nos lábios olhando discretamente pela janela.
-"A prostituta dele. O nosso Finn está finalmente a crescer."- Arthur deixou a posição em que estava para agarrar a cabeça do mais novo.
-"Vai à merda Arthur!"- Finn tentava livrar-se das mãos do irmão a todo o custo.
-"Oi, tento na língua rapaz!"- Disse Arthur largando Finn finalmente. Thomas sorriu com a cena, eram raros os momentos em que podiam parar e desfrutar da companhia uns dos outros.
Foram interrompidos pelo andar apressado de Joaquim que correu subindo as escadas quando a entrada falsa na parede se abriu. Deteve-se quando alcançou o olhar de Thomas e expirou fundo antes de falar.
-"Mosley está a caminho do pub."- Joaquim disse de uma só vez acentuando a expressão de ansiedade no rosto, era raro vê-lo assim.
-"Que merda acabou de dizer?"- Arthur levantou-se num só impulso, o ar tinha subitamente ficado pesado naquela divisão.-"Será que..?."- Disse num quase tom de pânico antes de sentir a mão de Thomas sobre o seu ombro.
-"Não. Não desta vez. Se Mosley soubesse de algo não seria estúpido ao ponto de vir até aqui."- Thomas meteu a mão à boca esfregou o lábio inferior com força enquanto pensava.-"Ele fez o que achei que faria, mandou investigar Helena. Isto é sobre si e sobre marcar uma posição."
-"Tommy se o fizermos desaparecer agora.."- Arthur iniciou sendo interrompido por Thomas.
-"Matá-lo agora só vai fazer com que o comício seja cancelado, precisamos de garantir que todos venham. Mantemos o plano Joaquim."
-"Se Mosley conseguiu ligar Helena a mim, pode ter vos descoberto. Isto pode ser um teste, filho."- Joaquim olhava intensamente para Thomas que prendia o ar na garganta ponderando todas as possibilidades em velocidade acelerada na sua cabeça, a melhor forma seria jogar ao ataque como sempre.
-"O máximo que poderá saber é a minha ligação a Helena e que estou em Portugal neste momento, nada que o leve a desconfiar do que vai acontecer. Mosley não se recorda dela, a última vez que a viu era apenas uma criança."- Thomas tragou novamente o cigarro. - "Nunca iria aparecer num comício com uma mulher cigana ao lado. Temos de avisar a Helena."
-"Vão à minha frente, não podemos deixar que nos veja juntos."- Joaquim deu ordem aos seus homens para saírem.
-"Arthur pega no whisky e manda a garrafa abaixo. Estamos num pub, vamos agir como tal."- Thomas correu para a entrada com Arthur a meter o líquido na boca à medida que o seguia com Finn. Meteu a boina no bolso do sobretudo e levou as mãos ao cabelo puxando-o para trás enquanto se tentava concentrar no que estava para vir.
-"Não vou conseguir mirar um cavalo se continuar a beber whisky como se fosse água, Tommy."- Arthur disse visivelmente preocupado.
-"Não te preocupes, se rebentar a porra de uma guerra lá embaixo Joaquim trata do assunto. Vamos convence-lo que estamos apenas a aproveitar a noite para não levantar suspeitas. Preciso de ti bêbado."
-"Right, estou a tratar disso irmão."- Arthur levou novamente a garrafa aos lábios bebendo o máximo que o seu estômago permitia.
Thomas alcançou finalmente o salão com os olhos no cimo da escada. O espaço estava cheio ao limite, entre gargalhadas e vómitos a música animava o pub madrugada dentro. O balcão encontrava-se completo e Helena servia os clientes com um sorriso na cara ainda sem saber o que estaria para acontecer nos próximos minutos. Para conseguir aceitar o pagamento de uma mulher que se encontrava no limite do balcão, Helena meteu um pé sobre a caixa à sua frente elevando o corpo, o que lhe permitiu alcançar o olhar de Thomas no cimo da escada. Percebeu que Thomas tinha a respiração acelerada e a cara trancada, tirando-lhe imediatamente o sorriso da cara. Era impossível ele conseguir chegar até ao balcão e avisá-la. Abanou a cabeça para Helena com a expressão fechada esperando que ela entendesse. Helena juntou as sobrancelhas lendo Thomas, sabia que aquele gesto significava problemas. Thomas desceu finalmente a escadaria e encontrou uma mesa ocupada por 3 homens que rapidamente afastou das cadeiras com a ajuda dos seus irmãos e sentou-se de frente para a porta do pub em expectativa. Helena seguiu o seu olhar e no segundo seguinte Mosley entrou no salão.
Enquanto Mosley olhava em redor, Helena sentiu o seu corpo fraquejar e apoiou discretamente a mão direita no balcão para não se desequilibrar. Respirou fundo tentando preparar-se para o que poderia acontecer. Olhou discretamente para Thomas que permanecia imóvel fixando Mosley na entrada do pub e percebeu que as suas acções a partir daquele momento iam decidir o desfecho daquela noite. Ainda com uma visão privilegiada sobre o salão, usou toda a sua força interior prendendo a atenção em Mosley que finalmente encontrava o que ali tinha ido procurar. Por breves segundos viu o homem que lhe causava náuseas abrir o sorriso para si e encaminhar-se na direcção do balcão. Helena saltou para o chão e virou as costas à multidão fechando os olhos enquanto esperava ouvir aquela voz novamente. Não teve de esperar muito.
-"Deveria ser um crime desperdiçar uma beleza como a sua atrás de um balcão."- Mosley apoiava os cotovelos no balcão directamente atrás de Helena quando esta se virou para o encarar.
-"Mr. Mosley. Veio aproveitar a noite?"- Helena disse enquanto servia mais uma caneca de cerveja.
-"Oswald por favor. E isso depende inteiramente de si Helena."
-"Como vê estou ocupada. Whisky?"- Perguntou Helena segurando a garrafa na frente do homem que assentiu com a cabeça.
-"Sabe Helena, fiquei intrigado desde o dia em que nos cruzamos por isso mandei investigá-la e devo confessar que me surpreendeu perceber finalmente quem é. Não sou um homem fácil de surpreender."- Oswald agarrava o copo olhando com expectativa para Helena.
-"Não é o momento muito menos o sítio indicado para ter essa conversa, Oswald."- Helena aproximou-se dele tentando falar o mais baixo possível no meio daquela multidão.
-"Ahh não seja modesta Helena, afinal todos sabem quem é, não é verdade?"- Oswald ajeitou a sua gravata, ainda preso no olhar da morena.-"Mas é exactamente esse o meu ponto, podemos falar num sítio mais privado? Com certeza o seu pai já estará informado sobre a minha presença e irá juntar-se a nós daqui a pouco."
Helena engoliu a seco quando o seu olhar se remeteu para o cimo das escadas onde o seu tio já se encontrava vendo-a tentar gerir as emoções que teimavam em devorá-la por dentro. Com um simples gesto de cabeça Joaquim seguiu o corredor até ao escritório dando ordem para Helena fazer o que tinha de ser feito. Helena saiu detrás do balcão para se dirigir a Oswald mas antes que o pudesse encaminhar para as escadas, sentiu a mão de Mosley puxar levemente o seu braço furando a multidão e indo de encontro à mesa dos Shelby. Por mais que tentasse disfarçar o seu coração falhou uma batida quando se apercebeu para onde se dirigia.
-"Queria poder dizer que não os esperava encontrar aqui mas vocês, Shelby, não conseguem mesmo evitar pois não?"- Oswald chegou finalmente perto da mesa encarando Thomas que acendia naquele momento um cigarro.
-"Whisky, cigarros e mulheres bonitas, Mosley. Basta seguir uma dessas três coisas para nos encontrar."- Thomas disse elevando finalmente o olhar para Mosley.
-"Por falar em mulheres bonitas, presumo que ainda não tenham sido oficialmente apresentados senhores, esta é Helena Marques."- Mosley meteu o braço à volta da cintura da morena marcando a sua posição. -"Helena, conheça Thomas Shelby, o homem que me está a ajudar a fazer história e estes são os seus irmãos, Arthur e Finn."
-"Prazer, love."- disse Arthur visivelmente bêbado.
-"Pensava que só chegaria no dia do comício Thomas."
-"Seria uma pena não vir mais cedo para aproveitar a noite de Lisboa. É o melhor pub da cidade."- Thomas permanecia sem olhar directamente Helena, que se mantinha próxima a Mosley depois deste a ter puxado para si.-"Sabe quem ela é não sabe? Tenho a certeza que o seu pai não gostaria de a ver tão próxima de alguém."
-"Vejo que fez o seu trabalho de casa, Thomas."
-"Tal como o senhor, caso contrário não estaria no Raposa Vermelha."- Thomas recostou-se ligeiramente na cadeira enquanto tentava ler a próxima acção de Mosley.
-"As minha intenções aqui são outras."- Mosley olhou intensamente para Helena que prendeu a respiração quando sentiu a sua mão apertar ainda mais a cintura.-"Acompanhe-me Thomas, vamos conhecer Joaquim. Helena?"- A morena soltou-se finalmente daquele abraço nojento e encaminhou-se para as escadas seguida de Thomas e Mosley. Tentou a todo o custo não olhar para trás e manter a postura enquanto se dirigia para o escritório, facilmente identificável por 2 homens que guardavam atentamente a porta. Sem muitas demoras Helena abriu a porta e olhou directamente para o seu tio que se encontrava sentado na secretária quando Oswald e Thomas surgiram na visão do mais velho logo de seguida.
-"É finalmente um prazer poder conhece-lo pessoalmente, Mr Marques."- Oswald dirigiu-se à secretária e estendeu a mão para cumprimentar o mais velho que levou alguns segundos a reagir.-"O meu nome é Oswald Mosley, este é o meu sócio, Thomas Shelby mas com certeza já estaria informado da nossa vinda. Sabia da presença de Peaky Blinders no seu espaço?"- Mosley sorriu metendo as mãos atrás da cintura.
-"Ninguém entra no meu pub sem eu saber. Aqui o seu sócio é apenas um cliente como outro qualquer desde que não cause problemas. Em que posso ajudá-los, senhores?"- Disse Joaquim.
-"Como deve saber por uma feliz coincidência tive o prazer de esbarrar na sua filha há alguns dias atrás e convidá-la para me acompanhar num evento mas quando descobri quem era, tomei a liberdade de vir até aqui para estender também o meu convite a si."- Oswald encarava intensamente o mais velho.- "Acho que poderemos criar algo memorável e um homem com os seus meios é sempre bem-vindo."
-"Não tenho por hábito envolver-me em política, Mr. Mosley."- Joaquim mantinha a postura direita no cadeirão.
-"Engraçado, Thomas teve um discurso semelhante quando o abordei e veja onde se encontra agora. Directamente atrás de mim."- Thomas baixou levemente a cabeça com o comentário. - "O que estou a tentar alcançar aqui será uma visão que irá mudar o mundo e o senhor é o homem mais poderoso deste país. Ter a sua colaboração será um ganho para os dois. Pense sobre o assunto, sabe onde me encontrar."
-"Se me dão licença, o pub está cheio. Tenho de ir."- Helena tentou encaminhar-se para a porta mas voltou a ser agarrada por Mosley.
-"Foi um prazer revê-la novamente Helena."- Mosley agarrou-lhe a mão e levou-a à boca beijando-a demoradamente enquanto olhava para a morena. Helena libertou-se finalmente e passou por Thomas sem o olhar, fechando a porta atrás de si.
-"Tinha a ideia de que a prostituição em Portugal não era legal, Mr. Marques. Mas também que ousaria fazer algo contra si certo?"- Helena ainda conseguiu ouvir Mosley provocando o seu tio.
Apoiou-se levemente na parede tentando não desmaiar com o toque repugnável daquele homem que parecia estar completamente fixado em si, ela teria de aguentar. Estavam mais perto que nunca. Ouviu uma voz familiar dirigindo-se a si enquanto ainda tentava recuperar.
-"Aí estás tu love! És capaz de me explicar porque raio os teus homens me obrigaram a estacionar na entrada do quarteirão?"- Alfie caminhava a passos largos para si, não poderia ser o momento mais inoportuno para ter aparecido.
-"Merda Alfie!"- Helena correu na sua direcção e abriu a primeira porta à sua direita empurrando Alfie directamente para dentro do armário de arrumos e limpeza que mal dava para os dois. Fechou a porta e não pode deixar de sentir a proximidade entre os seus corpos que o espaço forçava.
-"Mas que merda love, estás doida?"- Helena meteu a mão directamente sobre a boca de Alfie tentando-o calar a todo o custo.
-"És capaz de calar a boca? Mosley está aqui, se te visse estava tudo perdido!"- Disse Helena falando quase em susurro.
-"E a tua ideia é empurrares-me para a porra de um armário cheio de amoníaco? Já tinha mencionado que tenho cancro?"- O judeu falou sobre a mão de Helena ainda na sua boca.
-"Não tive tempo para pensar em mais nada."- Helena retirou finalmente a mão da boca de Alfie e encostou a cabeça à porta que tinha uma pequena abertura e deixava entrar alguma luz no espaço.
-"Não me estou a queixar love mas não me podes culpar pelo que vai acontecer aqui dentro."- Alfie aproximou-se perigosamente de Helena e acabou com a pequena distância entre os dois, envolvendo a sua cintura com um braço.
-"O que estás a fazer?"- Helena perguntou olhando para Alfie.
-"És a porra de uma rainha, love."- Alfie afastou os cabelos de Helena e lentamente subiu a outra mão até ao seu rosto delicado.
-"Alfie.."- Helena sussurrou.
-"Shiu, estás presa comigo love. Vais ter de me calar ou vou fazer com que aquele fascista descubra que estou aqui."
-"Estás louco? Ninguém pode descobrir que estás aqui! Mantém-te em silêncio por favor."- Helena não tinha por onde fugir, Mosley ainda não tinha passado o corredor e sair agora com Alfie do armário era demasiado arriscado.
-"Tens 5 segundos antes que comece a bater na porta."
-"Alfie!"- Helena olhou para ele desesperada.
-"Quatro, três, dois...."- Helena interrompeu a contagem de Alfie beijando-o, sabia que era essa a intenção do judeu. As mãos de Alfie puxaram ainda mais o corpo da morena para si, estava esfomeado por aquela boca tanto que soltou um pequeno gemido quando os seus lábios colidiram. Helena conseguia sentir o desejo de Alfie por si, sabia que era errado o que fazia mas também sabia que ele era doido o suficiente para causar uma cena senão tivesse o que queria. Interrompeu o beijo quando ouviu passos no corredor e a voz de Thomas e Mosley. Quando finalmente percebeu que aquele demónio tinha saído, abriu a porta encarando Thomas que os olhava com um misto de confusão e raiva.
-"Antes que digas algo, Alfie apareceu aqui e tive de garantir que não fosse visto."
-"Puxando-o para o armário de limpezas Helena?"- Thomas perguntou sem desviar o olhar.
-"Deixa-me dizer-te mate, é bem provável que morra amanhã com a quantidade absurda de amoníaco que acabei de respirar ali dentro."- Alfie era um senhor e não iria comprometer Helena por nada deste mundo.
-"Bem isso seria uma sorte não é mesmo?"- Thomas disse sem largar o cigarro.
-"Como achas que Mosley ia reagir se o visse aqui? Já foi uma sorte a noite correr da maneira que correu!"- Helena levou as mãos ao cabelo em desespero.
-"Vim até aqui para falar com Joaquim, onde está?"- Alfie perguntou.
-"No escritório."- disse Thomas de forma seca. Dirigiu-se a Helena e depositou um beijo na sua testa.-"Hey, não te preocupes, estamos bem love."
-"Alfie, Thomas!"- o mais velho disse surgindo na porta do escritório. Thomas largou Helena e dirigiu-se para o mais velho que lhe deu uma leve pancada no ombro confortando-o.
-"Não voltes a pressionar-me desta maneira Alfie."- Helena disse virando-se para o judeu antes de se encaminhar novamente para o bar.
-"Não te preocupes love, o teu segredo está bem guardado comigo."