Thomas coçava freneticamente a testa com a constante insistência de Helena em tratar de Mosley sozinha, ele estava a ficar louco com aquela mulher que o desafiava a cada segundo do dia. O mais pequeno pensamento sobre as coisas correrem mal e a possibilidade de algo lhe acontecer corroíam o que restava da sua alma negra.
-"Fodasse Helena não te vou deixar sozinha com ele nem num milhão de anos percebeste? Essa merda não vai acontecer, é melhor que aceites!"- Thomas disse visivelmente alterado quando Helena lhe mandou um olhar de morte e se encaminhou para a porta do pub.-"Helena estou a falar con.."
-"Não te atrevas a seguir-me, Thomas."- Helena deteve-se por um momento no olhar do Shelby antes de rodar sobre si e sair finalmente do salão. Thomas levantou a cabeça e fechou os olhos expirando pesadamente o ar que tinha preso nos pulmões.
-"Fodasse."- Largou Thomas da sua boca no tom mais rouco que a sua voz permitia.
-"Well, isto correu bem."- Disse Alfie levantando as sobrancelhas enquanto se ajeitava novamente na cadeira.
-"Cala a porra da boca Alfie."- Thomas apontou para o judeu ainda de olhos fechados.
-"A teimosia é uma característica que herdou da mãe."- Joaquim levou a mão ao chapéu enquanto sorria de lado.
-"Não me diga, fodasse."- Disse Thomas num tom irónico, dirigindo-se ao balcão para aceitar o copo que Arthur lhe tinha servido numa tentativa de o acalmar. -"Helena tem teimosia suficiente para 5 gerações."
-"É algo que distingue as mulheres ciganas irmão, sabes como é."- Arthur tentou animar o ambiente.
-"Nunca conheci ninguém assim, Arthur, nem mesmo a Polly."
-"Bem, alguém tem de tentar preservar aquela cabeça linda, right?"- Alfie pegou na bengala com as duas mãos.
-"Como ouviste, ela não quer ser seguida Alfie."- Thomas já tinha pegado num cigarro e inundava o salão com o fumo.
-"Ela não quer ser seguida por ti, mate. Não ouvi o meu nome, por isso se o rei dos ciganos permitir posso tentar falar com ela."- Alfie levou uma mão ao copo e rodou-o, ouviu Thomas abrir o sorriso.
-"Tens um desejo permanente em seres um homem morto, Alfie?"
-"Thomas, ela não te vai ouvir, pelo menos não agora."- Joaquim levantou-se da cadeira onde estava.- "Deixa o Alfie tentar, ele é bom com palavras."
-"E eu não sou, é isso Joaquim?"- Thomas virou-se encarando o mais velho que sorriu abertamente para si.
-"Ambos sabemos que somos homens de poucas palavras, filho, nisso Alfie está em vantagem."- Prendeu o olhar no mais velho e por muito que o comesse por dentro sabia que Joaquim tinha razão. Desencostou-se levemente do balcão e aproximou-se de Alfie.
-"Se lhe tocas, mato-te."
-"Yeah yeah, Tommy."- Alfie levantou-se de uma só vez.- "Já sei essa lenga lenga de cor, felizmente o teu tiro só me cegou não me deixou surdo."- Apoiando-se na bengala encaminhou-se para a porta do pub.-"Alguma ideia onde ela poderá estar, Joaquim?"
-"Tenta nos estábulos Alfie."
-"Right, senão estiver nos estábulos vou ter do correr a porra da cidade. Deixa-me dizer-te Joaquim, aquela mulher é uma benção e uma maldição ao mesmo tempo. Fucking crazy she is."
Alfie saiu com os seus homens para se dirigir aos estábulos de Joaquim que ficavam perto da zona industrial e por consequência, perto da sua fábrica. Tinha escolhido aquela localização porque apanhava directamente a brisa que vinha do rio, o que tornava o ar mais limpo e respirável, muito longe da fumaça constante e cinzenta de Londres. Alfie tinha ganho anos de vida com a chegada a Portugal, até o seu cancro tinha melhorado, os abrasões na pele estavam mais discretos, a sua anca permitia-lhe descansar durante a noite e Alfie podia em muito tempo ter esperança. Entrou nas instalações de Joaquim, tinha uma colecção dos melhores exemplares que alguma vez tinha visto, todas as boxes estavam impecavelmente limpas e os animais reluziam com o pêlo brilhante. Helena encontrava-se na outra extremidade do estábulo a escovar Pegasus que relinchava cada vez que a sua dona lhe tocava. Alfie deteve-se admirando a cumplicidade que a morena tinha com aquela criatura que a entendia como ninguém. De frente para o focinho de Pegasus, Helena abraçou as suas bochechas antes de beijar carinhosamente a ponta do nariz do cavalo.
-"Está na hora de descansares, querido."- Helena acomodou Pegasus na boxe e fechou o portão, dirigindo-se depois para a entrada que dava directamente para o rio. Sentou-se num banco de madeira e fechou os olhos inspirando fundo.
-"Sabes love, para não seres encontrada tens de começar a arranjar sítios novos. Posso ceder-te a minha fábrica se quiseres."- Helena assustou-se com a voz de Alfie directamente atrás de si, fazendo-a acordar do transe.
-"Alfie, queres matar-me de susto?"
-"Desculpa sweetheart, não era a minha intenção. Posso sentar-me?"- Helena assentiu positivamente.
-"Se vieste até aqui para me tentares convencer estás a perder o teu tempo."- Disse Helena admirando a paisagem à sua frente.
-"Tempo passado contigo não é tempo perdido, love."- Alfie retirou o chapéu.
-"Vangloriar-me não te vai ajudar em nada Alfie, até pode resultar com outras mulheres mas não comigo."
-"Não há outras mulheres darling, já deverias saber isso."- Alfie olhou o perfil de Helena e delicadamente desviou-lhe uma mecha de cabelo que teimava em esconder o seu rosto perfeito.-"Eu vou amaldiçoar-me por dizer isto mas Tommy tem razão, não posso permitir que fiques sozinha num camarim com aquele Diabo."
-"Homens e a sua cegueira em não conseguirem admitir que pode haver mulheres tão boas ou melhores que vocês."- Helena mandou a cabeça para trás e sorriu.
-"Até poderias ser a porra da rainha, que és só para que fique esclarecido mas isso não me interessa. A única coisa que me interessa é a tua segurança, love. Já basta o meu destino estar traçado."
-"O Thomas não te vai dar um t.."
-"Se Thomas não me matar, o cancro vai tratar disso."- Alfie disse quase num sussuro, levantando depois a cabeça para Helena sorrindo de forma triste. Helena congelou com a revelação, prendeu o olhar no judeu quando sentiu o seu estômago encolher-se cada vez mais ao assimilar todas as sílabas que Alfie tinha acabado de pronunciar.-"Não te atrevas Helena, eu conheço esse olhar! É o mesmo olhar que recebo dos médicos, não quero que tenhas pena de mim."
-"Oh Alfie, não é pena."- Helena levou as duas mãos à cara de Alfie-"É tristeza. Lamento muito, não sabia."
-"A esperança é a última a morrer love, ter vindo para Portugal melhorou a minha situação mas vai ser preciso a porra de um milagre para me salvar."- Alfie parou por breves momentos aproveitando para respirar o doce aroma de Helena.-"Por isso concede um último desejo a este homem que não sabe quanto tempo mais tem a teu lado. Promete-me que não te vais armar em Deus quando chegar a hora."
-"Se te deixar mais tranquilo, prometo."- Alfie pegou nas mãos de Helena e beijou-as à vez.
-"Vês? não foi assim tão difícil, love."
-"Só estou a fazer isto por tua causa Alfie."
-"Então bastava ter pedido? Fodasse podia ter evitado muitos problemas hoje ahm?"- Alfie disse num tom divertido apertando um pouco mais as mãos de Helena, que sentiu o toque duro sobre a sua pele delicada.-"Homens como eu Helena, não costumam demonstrar sentimentos, isso pode ser o fim da linha. Mas por mais que tente esconder não posso negar que ver-te com o Tommy me torce a merda das entranhas, love."
-"Queres mesmo arder no inferno não queres?"- Helena rodou a cabeça levemente.
-"Culpa tua que me enfeitiçaste! Porra de magia cigana que usaste comigo, love."- Alfie coçou a parte detrás da cabeça sem largar o olhar de Helena.
-"Quem diria que o 'mad beaker' poderia ser enfeitiçado."
-"Contigo sou apenas o velho Alfie. E sabes que me tens aos teus pés, love."
-"Não deixes que ninguém oiça isso, pode ser mau para o negócio."- Helena sorriu levemente com a declaração do judeu.
-"Sorte a minha que não há viv'alma aqui sem sermos nós, right?"
-"Não contava tanto com isso Alfie."- Uma voz característica ecoou dentro do estábulo. Thomas encontrava-se com os braços atrás das costas olhando para o chão, enquanto a fumaça do cigarro preso nos seus lábios dançava ao sabor do vento.-"Por favor continuem, só vim ver os cavalos."
-"Sabes mate, tens um timing terrível."- Alfie disse largando finalmente as mãos de Helena enquanto apertava os lábios.
-"Estás enganado, o meu timing é perfeito."- Thomas olhava agora o horizonte.
-"Bom acho que é a minha deixa, pensa no que te disse querida."- Alfie agarrou novamente a mão de Helena e beijou-a antes de se levantar.
-"És a porra de um cavalheiro, não é verdade?"- Thomas provocou.
-"Não tens a menos ideia, mate."- Disse Alfie encaminhado-se para atravessar o longo corredor do estábulo em direcção ao seu carro.- "Podes agradecer-me mais tarde."
Com Alfie longe Thomas prendeu o olhar em Helena que ainda se encontrava de costas para si sentada no banco. Engoliu em seco e pensou no que dizer, pedir desculpas não era de todo o seu forte.
-"Chegaste a termos com o Alfie?"- Automaticamente Thomas se amaldiçoou por aquelas palavras terem saído da sua boca. Helena deu uma gargalhada e mandou a cabeça para trás.
-"Se te estás a referir ao plano não te preocupes, Alfie chamou-me à razão."- Helena levantou-se e olhou pela primeira vez para Thomas desde que este tinha chegado aos estábulos, lentamente caminhou na sua direcção. -"Em relação a outros 'termos', não existiram. Talvez devessem existir."
Num gesto rápido e sem dar hipótese de fuga, Thomas agarrou nos braços de Helena encostando o seu corpo à parede do estábulo. Pressionou-se contra a morena quando puxou a sua cintura com as mãos.
-"Porque me desafias ahm? Queres que perca a cabeça?"- Uma das suas mãos subiu para a cara de Helena agarrando-a com força.-"Não sou perfeito Helena mas desde que o meu olhar caiu sobre ti, a única coisa que me importa neste mundo és tu. Não vou permitir que nada te aconteça."
-"Não voltes a tratar-me como uma propriedade, Thomas. É a última vez que o digo."- Helena não quebrou o olhar. Thomas levou a outra mão à sua cara e com delicadeza segurou o rosto da morena, beijando-a de seguida. Helena ainda se tentou debater nos primeiros segundos mas acabou por ceder às saudades e à vontade constante que aquela boca lhe dava. Era um beijo com urgência onde Thomas tentava dizer o que as palavras não lhe permitiam.
-"Preciso de ti a meu lado, love."