O nome da sombra - Crônicas d...

Von FlaviaEduarda10

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Sombra já estava acostumada a ser apenas isso: uma sombra aos olhos da sociedade que a marginalizava há 9 ano... Mehr

Reinado das sombras
Prisioneira de luxo
Cuidada e cheirando a rosas e lavanda
Mania do oráculo
Na escuridão
Mentiras
Calia
Entre uma coisa e outra
O castelo pela manhã
Cobras e outros animais
O treinamento
O belo mundo de porcelana
É necessário conhecer o oponente
Assassino
Limites
O último Galene
Apenas reparação
Pessoas e deuses
Espere o esperado
Confronto
Loucura da realeza
Ladra
Sombra
A entrada não é pela porta
Os dias 14
Curiosidade
Sobre um belo vestido vermelho
Os nuances sobre a verdade
Presente
O primeiro furto
O buraco
Contradição
O que faz uma resistência
Últimos preparativos
É apenas lógico
Propriedade (de ninguém) do reino
O que uma ladra faz? Ela rouba
Encontro inesperado
Decisões entre cartas e camarões
Hayes Bechen
Roubando um pouco de volta
O sacolejo do barco
A linha tênue entre bom e mau
Fogo e gelo
Bayard
Incapaz de ter um segundo de paz
O que há depois do rio?
A ladra nem precisou roubar
A realeza de Drítan
Drítan não gosta de estrangeiros
Deveria?
Diplomacia e chá
A biblioteca
Confusão e incerteza são certezas
A área particular
Uma flor do deus Ignis
A reação para a ação é justiça
A calmaria antes da tempestade
Todo o ar do salão
De respirar a se afogar em um segundo
Teria que ser tudo
Automático
Deusa da (justiça) vingança
Um é a ruína do outro
O fardo do saber
A compreensão de como uma fênix funciona
Reinando das Sombras

Tudo que viera antes

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Von FlaviaEduarda10

–Torryn–

O quarto da estalagem tinha cheiro de madeira úmida.

Estava tirando minha camisa e caminhando em direção à última vela ainda acessa no meu cômodo alugado quando escutara algo vindo da minha janela.

Já alerta, peguei o castiçal mais perto e virei-me, o ferro já no alto, pronto para ser usado em defesa.

–Calma, sou só eu. –E, ali, passando uma perna depois da outra para dentro do cômodo encontrava-se Calia vestida toda de preta, calça e blusa de gola alta sob o manto de mesma cor com tiras de couro sobre seu tronco de uma forma que parecia complicado e organizado. Seu rosto estava um misto de sentimentos, pelo que podia notar sob a parca luz, ansiedade, receio, confusão... medo? –Vim em algum momento ruim? Desculpe, eu pensei que poderia vir até você em qualquer momento, devia ter avisado antes. –Falava enquanto me escrutinava, seu olhar perpassando meu corpo e interpretando, supus, corretamente que já me preparava para dormir e, antes que eu pudesse falar qualquer coisa, virava-se a caminho da janela mais uma vez, na intenção de sair.

–Não vá, por favor. –Apressei-me a fim de alcançá-la, segurando levemente seu braço. –Você entendeu certo. –Abri um sorriso para que o sentimento de intromissão de Calia amenizasse, querendo deixa-la confortável. –Afinal, falei onde estava justamente para você vir me visitar. –Seus olhos recaíram sobre os meus, prendendo-se por um segundo. –Fique à vontade enquanto ou coloco uma camisa.

Ela ainda tinha o semblante parecido com um gato assustado, incerta do que fazer com si mesma nesse lugar, incerta sobre o motivo de aparecer.

–Peço que não entenda como se não a quisesse aqui, o que quero, mas ao que devo pelo prazer da sua companhia? –A perguntara com minha cabeça ainda passando pelo tecido, de maneira que a peguei observando-me distraidamente, quase provocando-me uma risada que contive em sorriso.

–No festival do dia quatorze, você perguntou o que aconteceu comigo, o que eu fizera durante todos esses anos. –O sorriso rapidamente foi drenado da minha face e aproximei-me da cama, sentando no colchão levemente duro, esperando o que estava por vir.

Por isso ela parecia tão nervosa, ela queria me contar sobre o que ninguém sabia.

–Calia, saiba que que não precisa me contar se não se sentir confortável, se não se sentir pronta. –Ela, que até então estava próxima à janela, como presa à possibilidade de um escape rápido, adentrou mais no quarto de madeira pequeno, caminhando ansiosamente sem, definitivamente, ir a algum lugar.

–Eu preciso... –ela parara, viera até ficar à minha frente, segurara minhas mãos e continuara, evitando olhar-me nos olhos. –Eu quero contar. –Levantando seu rosto, notei como era algo que consumia ela, como era uma grande parte da vida dela que ela não conseguia se desfazer. –Guardei o que aconteceu comigo acreditando que eu podia desaparecer por muito tempo, fiquei sozinha por muito tempo e eu não quero mais. Eu quero poder confiar em alguém. Eu quero ter alguém a quem recorrer quando eu não quiser mais. Quando eu simplesmente não quiser mais. –Seus olhos escuros começaram a ficar mais brilhantes sob a luz bruxuleante da vela que não fora apagada, soltando, inesperadamente, um sorriso triste, como se quisesse tirar o peso da situação nem que fosse um pouco. –E acredite, ficar sozinha é bem solitário.

Calia rira de sua piada sem graça e começara a olhar para todo o ambiente, menos para mim.

–Eu posso ser a sua pessoa. Eu quero ser a pessoa a quem você recorre quando você se sente assim. –Apertei um pouco mais sua mão, fazendo com que ela voltasse sua atenção a mim. –Você pode me contar, mas... se me permite, por que agora?

–Hoje eu fiz dezoito anos e percebi que passei a maior parte da minha vida escondida, sem ninguém que me conhecesse. –Calia retribuíra meu olhar por um tempo até engolir em seco, endireitar-se e me dar as costas procurando uma cadeira para puxar e sentar-se de frente à cama. –Vamos começar do começo, então. O que você sabe sobre o dia da morte da minha mãe?

–Não muito, só sei que ela morrera dentro de casa com a garganta cortada e que você tinha desaparecido.

–Então vou te contar o que acontecera, não me interrompa. –Antes que começasse a falar, apertara suas mãos, seus diversos anéis batendo uns nos outros e respirara fundo. –Não era um dia importante, nada o diferenciou de nenhum outro e quando fomos dormir, dividimos a cama, o que sempre acontecia porque eu não gostava de dormir sozinha e ela gostava de dormir me abraçando, além de que também nossa casa não era muito grande e não tínhamos muito dinheiro.

"No meio da madrugada, ela simplesmente me sacudira para acordar e começara a me chamar em desespero, o que não era normal, já que ela era sempre calma mesmo quando eu perdia o horário. Eu não estava entendendo a situação, só entendia o nervosismo da minha mãe. Ela me levantara e me colocara sob a mesa da sala, aquela mesa que eu me escondia nas brincadeiras de esconde-esconde, sabe? Ela me colocara lá sabendo que eu poderia ver o que quer que acontecesse e ninguém me veria. 'Aconteça o que acontecer, não saia daí, meu amor' foi o que ela disse instantes antes da porta ser arrombada e um homem todo vestido de preto, sem cores ou insígnias quaisquer de reino algum, o que era estranho dentro da situação que estávamos, onde as mortes quase eram expostas como orgulho real, entrar. Aquelas foram as últimas palavras que ela dissera para mim e finjo que foram suas últimas palavras em vida. É mais bonito pensar que ela se fora depois de ter me chamado de 'meu amor' do que 'por favor, não' enquanto chorava com uma faca em seu pescoço."

"E eu também ouvira a voz... dele, acredito que nunca esquecerei e ainda ouço em meus pesadelos. Era grave, baixa e rouca, uma voz que dava arrepios. Assim que ele entrou, ela tinha acabado de colocar-me sob a mesa, o que não deu tempo para ela conseguir sair da sala, o que tornou tudo mais rápido, ele pegando-a pelos cabelos, chutando suas pernas para que ela ficasse ajoelhada de costas para ele, a posição facilitando que ele colocasse a lâmina contra sua pele. Ele perguntara se ela estava sozinha e ela assentia, os olhos presos aos meus, já que sabia exatamente para olhar, repetindo as mesmas palavras para eu não me mexer mesmo sem abrir a boca. Eu queria fazer algo, qualquer coisa para não ver aquela cena, minha mãe apavorada, queria pular no homem mesmo sabendo que seria apenas mais uma pessoa para que ele matasse, mas os olhos da minha mãe que congelaram no lugar, me paralisaram e eu não podia fazer nada além de obedecer ela."

"Quando ele parara de perguntar se havia mais alguém na casa, os meus olhos continuaram encarando os da minha mãe mesmo quando sangue escorria de seu pescoço em um recente corte como um linha. Eu não gritei, eu não fiz nada, eu estava presa olhando em seus olhos enquanto a vida deixava seu corpo jogado no chão, o rosto ainda virado para mim como se continuasse me dizendo para não sair daqui, como se não tivesse morrido. Como se não tivesse sido morta."

"Ele continuara por alguns minutos procurando mais alguém pela casa mas nunca chegou a sequer checar onde eu estava, bem na frente da minha mãe. Ele saíra e eu ainda não conseguia me mover, o líquido quente escorrendo pelas minhas pernas pelo medo, pela incapacidade de me mover e eu pensei que eu também morreria ali mesmo porque não conseguia sair depois de horas até que outro sentimento de urgência me invadira, pensando que ele voltaria a qualquer momento por mim, para terminar o que tinha começado, então consegui, finalmente, sair de debaixo da mesa e fui até a minha mãe que eu sabia já estar morta há horas, mas isso não me impediu de sacudi-la, chamar seu nome, tampar o ferimento, tentar trazê-la de volta de qualquer forma. Como era se esperar, ela não voltara e, mais uma vez, não conseguia me mexer, só conseguia ficar agarrada ao seu corpo que esfriava ao passar do tempo, abraçada a ela como ela ficava comigo quando dormíamos."

"Ao ver os primeiros raios de sol entrar pelas janelas, por algum motivo, pensava que ele estava chegando, que ele ia me encontrar e ia fazer comigo o que fizera com a minha mãe e saí correndo o mais rápido que uma Calia de sete anos conseguia. Sabendo que minha casa já não era segura e sem ter para onde ir, simplesmente corri o mais longe possível de onde eu morava e foi aí que eu comecei a chorar por me sentir com medo, perdida, sozinha. Minha camisola costumava ser amarela e estava vermelha. É estranho, sabe, saber que eu vivi por mais tempo sem ela do que com e minhas melhores lembranças ainda serem daquela época quando éramos só nós duas."

"De algum modo, fui parar no porto olhando para todos os lados, apavorada com o pensamento de que ele estava atrás de mim, de que ele estava me seguindo e sem conseguir respirar, chorando tanto que caí no chão sem ar no meio de todas as pessoas que começavam a trabalhar cedo até que uma mulher com uma filha um pouco mais velha que eu se aproximou e perguntou o que havia acontecido comigo, por que eu chorava tanto que eu não conseguia respirar, por que estava com um vestido vermelho tingido de sangue, por que estava cheirando à mijo e, obviamente, não consegui respondê-la, só conseguia chorar mais."

"Ela fez as associações mais claras e supôs que minha família tinha morrido por consequência do destronamento, então me levou pacientemente até o Orfanato Filhos dos Deuses, porém com chegadas de novos cidadãos ao reino vindas de Antiga Althaia, as pessoas foram aceitando os empregos que apareciam, os empregos que tiravam das mãos dos nativos e entregavam em mãos althaianas mesmo que fossem desqualificadas, o que foi o caso do orfanato. Existem certas pessoas na vida que a gente conhece e sabemos imediatamente que nunca devem cuidar de crianças, no entanto, quando eu conheci, ela estava cuidando de um orfanato inteiro, já que era o que tinham oferecido para ela."

"Ela não suportava crianças e parecia nutrir um ódio especial por mim porque, aparentemente, eu a desafiava. Existia esse menino, Timothee, que não se comunicava como as outras crianças e tinha dificuldades de se encaixar, ele ficava nervoso e ansioso muito facilmente e eu tentava acalmar ele, contudo, por Ailee, a chefe do orfanato, não entendê-lo, simplesmente o deixava sem comida quando fazia algo que a desagradava e quase tudo a desagradava. Eu, sempre que podia, dava um pouco da minha comida a ele até ela perceber isso e me deixar sem comida também. Eu não tinha problemas em colocar minha mente em outro lugar, longe da fome que sentia e da minha barriga roncando, porém Timothee não conseguia e ficava agitado, então eu entrei no cozinha quando Ailee não estava olhando e consegui comida para nós dois. Mas ela percebeu o que tinha feito, pegou seu chicote e foi assim que ganhei as primeiras cicatrizes em minhas costas."

"Mesmo assim, isso não me impediu de roubá-la quando deixava as crianças com fome mais uma vez. Fiquei lá até meus oito anos quando decidi fugir, na verdade, acho que Ailee agradecera aos deuses quando eu desaparecera, só que não mais do que eu ao sair daquele inferno. E comecei a morar na rua. Não há como explicar direito o que passei quando dormia em becos escuros e esquecidos na tentativa de me aquecer e me esconder da maldade das pessoas, é algo, simplesmente, inexplicável, só alguém que passara por algo similar poderia entender."

"De início, eu recebia a compaixão dos adultos e chegavam a me dar comida e algumas roupas, mas eu sabia que não demoraria muito até esquecerem-se de mim no momento que vissem uma criança mais nova, mais bonitinha na próxima esquina e eu me encontraria mais uma vez por conta própria, então comecei a roubar para sobreviver. Primeiro, eram alimentos, coisas rápidas e pequenas, depois que eu comecei a crescer e meus sapatos quase sem solado não caberem mais em meus pés, foram itens de vestimenta. Com o tempo e a prática, fui ficando mais confiante e passei a roubar carteiras para comprar tanto comida quanto roupas até perceber como aquilo era fácil para mim. Era fácil passar a mão e simplesmente não ser pega, não ser vista, também acho que ninguém queria me ver porque eu era o produto de um reinado que havia falhado, uma criança suja na sarjeta, uma rata de rua. Tudo me fazia ser invisível e eu apenas aproveitei da situação."

"Nada era demais para roubar, grande demais ou difícil demais. Quanto mais significativo, quanto mais problema desse ao reino, mais me dava prazer em tirar de suas mãos. Eu não tinha nome, as pessoas não me conheciam e eu era como qualquer outra jovem caminhando pelas rua, só não sabiam que eu era a ladra de quem começavam a falar sobre, minha fama crescendo junto a mim."

"Então, cheguei onde estou e o resto você sabe."

Obedeci sua única regra de não interrompê-la e, agora, não sabia como reagir ao que acabara de escutar, não sabia o que dizer, notando seu nariz vermelho e os olhos marejados lutando contra as lágrimas que queriam cair.

Por não saber como responder aos seus relatos, apenas levantei-me da minha cama e fui até ela, abraçando-a já de pé também, deixando que ela se desfizesse em meus braços, que ela cedesse e eu ainda a segurasse.

–Você não está mais sozinha. Não mais. –E como se minhas palavras fossem seu estopim, agarrara-se em meus braços e seu corpo começara a chacoalhar, percebendo que ela havia começado a chorar, não largando-a por um minuto sequer, uma mão acariciando-a nas costas, permitindo-a que ela relaxasse depois de tudo que desabafara, depois de tudo que passara.

Era pior do que eu podia imaginar.


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