O nome da sombra - Crônicas d...

By FlaviaEduarda10

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Sombra já estava acostumada a ser apenas isso: uma sombra aos olhos da sociedade que a marginalizava há 9 ano... More

Reinado das sombras
Prisioneira de luxo
Cuidada e cheirando a rosas e lavanda
Mania do oráculo
Na escuridão
Mentiras
Calia
Entre uma coisa e outra
O castelo pela manhã
Cobras e outros animais
O treinamento
O belo mundo de porcelana
É necessário conhecer o oponente
Assassino
Limites
O último Galene
Apenas reparação
Pessoas e deuses
Espere o esperado
Confronto
Loucura da realeza
Ladra
Sombra
Os dias 14
Curiosidade
Sobre um belo vestido vermelho
Os nuances sobre a verdade
Presente
Tudo que viera antes
O primeiro furto
O buraco
Contradição
O que faz uma resistência
Últimos preparativos
É apenas lógico
Propriedade (de ninguém) do reino
O que uma ladra faz? Ela rouba
Encontro inesperado
Decisões entre cartas e camarões
Hayes Bechen
Roubando um pouco de volta
O sacolejo do barco
A linha tênue entre bom e mau
Fogo e gelo
Bayard
Incapaz de ter um segundo de paz
O que há depois do rio?
A ladra nem precisou roubar
A realeza de Drítan
Drítan não gosta de estrangeiros
Deveria?
Diplomacia e chá
A biblioteca
Confusão e incerteza são certezas
A área particular
Uma flor do deus Ignis
A reação para a ação é justiça
A calmaria antes da tempestade
Todo o ar do salão
De respirar a se afogar em um segundo
Teria que ser tudo
Automático
Deusa da (justiça) vingança
Um é a ruína do outro
O fardo do saber
A compreensão de como uma fênix funciona
Reinando das Sombras

A entrada não é pela porta

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By FlaviaEduarda10

–Nikolai–

–Chegaremos à Drítan exatamente no dia primeirode julho, no quarto dia inicia-se– o festival da fartura e no quinto dia, obaile ocorre no quinto dia e voltamos no sétimo dia, o que significa que vocêtem, mais ou menos, sete dias para checar todos os possíveis lugares onde os registros podem estar e roubá-los, então precisamos roteirizar a ordem dos lugares que você irá por níveis de facilidade e como você os invadirá. –Eu falava a Sombra em meu escritório iluminado por lanternas e poucos candelabros por ser tão cedo e o sol ainda não ter despontado no céu, deixando meu cômodo, normalmente bem claro pela luz que entrava pelas janelas, na escuridão se não fosse pelas velas.

Eu e Sombra estávamos atrasados com o plano de furto, considerando que em quase todas as nossas reuniões tiveram... contratempos e hoje seria a primeira vez que teríamos que apresentar o que já tínhamos preparado para a Rainha, os mestres e Bram e não tínhamos quase nada orquestrado, então acordei uma hora mais cedo do que já estava acostumado, às quatro da manhã, bati à porta de Sombra para acordá-la e destranquei-a, encontrando-a em confusão, perguntando-me porque precisava de sua presença ainda, teoricamente, de madrugada, dispensando a ajuda de sua dama particular, Cordélia, já que a ladra não precisava de vestidos elaborados apenas para ficar em meu escritório, o que explicava o motivo dela se encontrar com olheiras de uma noite dormida pela metade, seu cabelo cacheado sem pentear e em sua vestimenta de dormir, uma camisola branca bem elaborada e solta, sem que marcasse seu corpo, no comprimento de um vestido normal e um robe preto por cima, já que, por mais que o verão estivesse em seu início, as manhãs sempre eram mais frias, quase geladas.

Não era ideal que usasse uma camisola fora do quarto, principalmente estando sozinha comigo em meu escritório, mas certas etiquetas poderiam ser puladas considerando nossa situação –e ela não era qualquer senhorita, ela era Sombra.

–Você terá que conferir se os registros estão em um desses três locais mais prováveis, a biblioteca nacional, onde tudo da história de Drítan pode ser encontrado, ou quase tudo, no centro da capital, Solandis, onde ficaremos, a biblioteca real que fica no próprio castelo, o que pode facilitar para você e, por fim, a sala privada do Rei, possivelmente o lugar mais guardado. Sobre os dois pontos no castelo que você terá que invadir, você terá que ir pelo lado externo, ou seja, você terá que entrar por alguma janela ou algo do tipo, mas não se preocupe, a arquitetura de Drítan é muito mais segura para que você faça algo do tipo do que a daqui.

Levantei meu foco dos papéis para olhá-la do outro lado da mesa, uma aparência mais frágil do que o comum sob a luz tremeluzente, segurando uma xícara do café que eu trouxera da cozinha para nos manter despertos entre as duas mãos perto da face, o vapor chegando ao rosto, como se tentasse roubar o calor que o líquido quente proporcionava de maneira adorável –controle-se, Nikolai, essa é a mesma menina que invadiu seu quarto apenas há alguns dias e te ameaça sempre que tem chance, nada sobre ela é adorável, não se deixe enganar por um rosto bonito.

–Ei, aqui vai uma ideia louca, por que eu simplesmente não uso a porta? Nós dois sabemos sobre minhas habilidades de abrir fechaduras. –Ignorando o sarcasmo em sua voz, balancei os ombros, prontamente descartando a possibilidade que ela abrira.

–Acho fofo você pensar que seja simples assim, mas a tranca de Drítan é bem mais complexa. Você, que está acostumada com a de Althaia, pode não ter chance nenhuma se for garantir-se apenas com a capacidade de abrir as portas daqui, isso sem contar nos guardas que ficam nas entradas.

Sombra respondera com uma bufada, torcendo o nariz ao ouvir toda a ironia que carreguei ao chamar algo que ela fizesse de fofo e em seguida tomando um pequeno gole do café preto enquanto caminhava entre minha sala sem um motivo específico, inimiga de ficar parada, com passos delicados e silenciosos, movimentos quase felinos.

–Explique-me sobre tal festival da fartura. –Ela pedira em um tom baixo, tentando enxergar os papéis à minha frente mesmo que estivesse de cabeça para baixo em sua perspectiva, inclinando-se sobre a mesa e apoiando seu rosto em suas mãos, seus cachos negros caindo sobre o ombro, emoldurando seu rosto. Respirei fundo, na esperança de que ela não percebesse, e comecei a falar.

–É um festival que relaciona-se um pouco com o solstício de verão. Há muitos anos, eles enfrentavam um período de fome terrível, nada crescia em suas terras, nenhum animal aparecia e a água estava secando, até que viajantes desconhecidos surgiram, morrendo de fome e sede e, ao invés das pessoas de Drítan recusarem-se a ajudar pela falta de seus próprios recursos, dispuseram do que tinham aos forasteiros até sua partida e, na colheita seguinte, plantas voltaram a germinar melhor do um dia já haviam, os rios ficaram mais largos, atraindo novos animais, teoricamente um reino renascido da seca e das cinzas, como uma fênix, um sinal de fartura e, desde então, o festival ocorre todos os anos e quem participa dá produtos de graça aos visitantes na esperança que isso renove suas colheitas. –Notara que, ao terminar que contar o contexto, ela me encarava com olhos brilhantes, absortos na história e claramente chateados quando fiquei em silêncio, como se quisesse que eu continuasse.

–O que você quis dizer com "começa no quarto dia"? Esse festival se estende por mais dias? –Seu olhar agora estava disperso, seus dedos desenhando sobre a madeira da mesa enquanto a outra segurava sua xícara, tomando-a de tempos em tempos.

–Sim. Pelo que sei, são três dias de comemorações, tantos dias que eles abrigaram os viajantes. O primeiro é mais sobre organizações, o segundo que é realmente a festa, dia esse que cai junto com o baile de máscara diplomático, o que deve ter sido pensado pelo rei para que as festividades tanto dentro quanto fora do castelo coincidam. –Uma jogada inteligente, devia admitir, já que, dessa forma, seu povo seria visto como acolhedor, animado e farto, afastando de si qualquer fraqueza que poderia ser identificada.

–Um baile de máscaras, hum. –Sombra dissera quase como um sussurro, mais para si mesma do que para mim, caminhando até minha janela para ver os primeiros raios de sol nascendo. Possivelmente, Miranda nem sequer lhe dissera que o baile diplomático desse ano seria de máscaras. –Todos participam desse festival?

Seu tom de voz ainda estava baixo, de forma que quase não percebi que era uma pergunta para mim, seu foco ainda preso ao céu.

–É um festival para todo o reino e, sim, quase todos participam.

Ela ficara de costas para mim e em silêncio por um tempo.

–E centenas de pessoas de diferentes cantos do mundo se encontrarão no salão de baile. –Sombra virara-se com o rosto iluminado em uma revelação, cheia de pensamentos. –Provavelmente, a equipe do castelo se encontrará com menos funcionários, já que todos irão querer ficar com suas famílias durante um festival tão importante e a equipe que permanecer se concentrará no baile onde todos os representantes dos outros reinos estarão. –Seu sorriso perigoso e seus olhos vidrados me obrigaram a seguir seu raciocínio, vendo que era um plano em formação.

–Então as outras áreas do castelo não estarão sendo mantidas por muitos guardas.

–E é a distração perfeita. –Sombra continuou, aproximando-se de mim em passos rápidos e decididos. –Pense, até o quinto dia, já terei descoberto onde os registros estão sendo mantidos e todos se encontrarão no baile, ninguém esperaria que uma convidada roubasse algo no meio da festa. Eles já estariam dando meu álibi. É a distração perfeita

Sorri com a maneira que ela pensava, pensando no que poderia ver atrapalhar um plano que eu estava considerando inteligente.

–Você teria que ser muito rápida em efetuar o furto para ninguém sentir sua falta no salão. –Ela prendeu seus olhos nos meus, um sorriso malicioso e felino surgindo em sua face.

–Não se preocupe, eu sou rápida. –Seu sorriso foi se esvaecendo, enfraquecendo, seus olhos ainda trabalhando. –Mas posso vir a enfrentar problemas. Para um plano B, precisarei de venenos.

Olhei profundamente nos olhos dela, tentando decifrá-la e o modo como sua mente funcionava.

–Venenos? –Repeti, confuso e incerto.

–Venenos. –Ela continuara com a face séria, pensativa e irredutível. –De preferência, o Naone, que causa uma pequena perda de memória dos últimos minutos antes da pessoa que ingeriu desmaiar, para que nenhum sentinela lembre-se de mim se for realmente usá-lo.

Senti-me obrigado a acompanhar o que dizia, muitas informações de uma única vez e instigado, querendo saber como ela tinha tantos conhecimentos acerca de tais venenos raros e difíceis de encontrar –sei disso porque tenho minha própria cota de conhecimentos sobre venenos, é algo que o assassino da Rainha deveria saber.

–Não tem problemas, encontraremos ele antes da nossa viagem. –Sombra ainda estava perto de mim, agora apoiada sobre a mesa e visualizando os mapas e plantas sobre à minha frente com outros olhos.

–Qual é o quarto que vocês querem me colocar mesmo? –Percebi que ela quase não prestara atenção nas nossas reuniões prévias enquanto me afastava lentamente, de modo que eu esperasse que ela não notasse, querendo escapar de suas provocações.

Descobri que não gosto de ficar perto dela. Não por ter tamanho desapreço por sua presença que não suportava a ideia de estar ao seu lado, longe disso.

Não gostava de tê-la por perto porque ela já invadia meus pensamentos com mais frequência do que gostaria de admitir e tornava-se difícil pensar em outra coisa, teimosa tanto em minha cabeça, não me deixando, quanto na vida real e vendo ela fisicamente próxima, eu mesmo me traía e fazia questão de relembrar quando ela se encontrara resfolegante, corada, suada sob mim no treinamento, sorrindo com escárnio e sibilando entre dentes "você deve amar é me ver assim". Não gostava.

Nem um pouco.

–Aqui, veja. –Apontei e me afastei novamente. Ela mirava com mais afinco, finalmente interessada com a visão completa. Ao terminar de analisar o que gostaria de ver, virou-se para mim com a cabeça sobre o ombro.

–E onde você ficaria? –Respirei fundo, podendo soar impaciente (melhor do que soar como realmente estava).

–Três cômodos de distância. Ainda estarei observando-a, além de que irei ajudá-la com o desenrolar do plano.

O sol que passava pela minha janela estava quase clareando a sala inteira, banhando-a em uma luz dourada de início da manhã, tingindo não só as paredes como também sua pele, seus olhos, sua camisola branca e seus cabelos escuros como penas de um corvo.

Não me estranhava que eu poderia achá-la bonita, de fato. A aversão que eu sentia sobre ela e sobre suas atitudes não estendiam-se sobre sua aparência, isso poderia não ser uma surpresa para mim, pensando isso desde a primeira vez que deitara meus olhos sobre ela, no entanto, o que me incomodava não era o fato de gostar de seu rosto (e do resto dela) e, sim, o conhecimento de que ela era uma ladra.

Não só uma ladra. Ela era Sombra.

Não poderia ser confiável.

E eu cuidava dela justamente por ser o assassino da Rainha –se ela decidir agir dubiamente, não poderia hesitar em por um fim na face que eu, um dia, achara bonito.

Precisava encontrar uma maneira de controlar meus pensamentos intrusivos ou juro que serão capaz de me fazer perder a sanidade –se é que já não perdera ao sequer pensar nela dessa forma que não seja como a menina perigosa que é, a menina que esfaqueara-me há não muitos dias.

–Já arquitetamos o que precisávamos para a apresentação aos mestres, ao erudito e à Rainha hoje. Se quiser, chamo Cordélia ou Kai para acompanha-la e pode voltar ao seu quarto e descansar até mais tarde. –Seu olhar beirava o acusatório, quase em constante desconfiança, como se sempre esperasse algo por trás das ações alheias.

Um pouco relutante, aceitara a oferta e me deixara sozinho, como eu queria em primeiro lugar para que eu desse reajustes à ideia que ela dera e lapidasse sua opinião original de forma que ficasse bem apresentável até mais tarde e com poucas falhas.

Fazia isso quando, até mesmo escrevendo, meus pensamentos voltaram à ela, respirando fundo, impaciente com a situação incômoda em que me encontrava.

Sim, talvez eu realmente já estivesse insano.

____________

–Realmente, não é uma ideia tão ruim assim. Ainda pode ser melhorada em pontos pequenos, mas não me parece impossível. –Jasira apontara, reflexiva ao terminar de escutar nossa proposta.

Era próximo ao meio dia e eu não saíra do meu escritório desde o começo da manhã, aprimorando a sugestão de Sombra, que, por sua vez, já estava arrumada, cabelos trançados e penteados, a feição mais desperta e trajando um dos diversos vestidos que Cordélia fazia alegremente à ela que, habilmente, valorizava sua silhueta.

Todos, exceto Lazarus, estavam de pé, dispostos pelo cômodo. Jasira encontrava-se sobre os papéis como um abutre, seu olhos de lince vendo os pontos positivos e negativos, uma das melhores estrategistas que conhecia. O Mestre da Moeda sentia-se um tanto deslocado, sua palavra não valendo de muito, já que nada a respeito do planejamento precisava de seus palpites (acredito que ele só estava junto por dó). Bram sempre era o mais distante, tanto fisicamente quando mentalmente, mas sabia muito bem que informações não são de lhe passar despercebidas, notando seu olhar alheio através da janela, afastado da mesa, onde o restante se aglomerava perto de Miranda, sempre à frente de todos e altiva, visivelmente uma Rainha, de fato –até sua posição em uma reunião tão "informal" quanto essa exigia o respeito que seu título demandava.

Sombra, surpreendendo-me, ficara próxima à Bram, em um dos cantos mais isolados e menos iluminados da sala, observando tudo com olhos atentos. Mesmo que tudo sobre a reunião girasse em torno dela, parecia mais como se ela fosse uma mera espectadora do que o assunto em si.

Comentei sobre tudo, desde o itinerário acerca dos lugares a serem invadidos que montei para que o tempo fosse otimizado de maneira organizada sem levantar suspeitas até a possibilidade de um plano B, que poderia vir a deixar um rastro, mesmo que não muito incriminatório a nós. Não era ideal a apelação ao veneno, já que, facilmente, notaria-se que esse método fora utilizado a fim de entrar nos aposentos privados do rei, no entanto, poderia dar uma cobertura necessária a Sombra e, contanto que ela tenha em mãos os registros, é isso que temos que priorizar.

Bram, saindo de seu estupor, caminhou disfarçadamente até o canto onde a ladra estava e disse em um tom leve, porém alto suficiente para todos escutarem.

–Lamento, minha jovem, você terá que chamar bastante atenção. –Finalmente tomando partido, Sombra reagira, confusa à mesma medida que indignada, suas sobrancelhas franzidas.

–O principal objetivo de um roubo não é, exatamente, passar despercebida? O melhor a se fazer é me levar e agir de forma imemorável para que nem percebam minha presença.

Jasira impôs sua voz reverberante uma vez mais, virando-se à Sombra.

–Entendo a perspectiva de Bram. Todos precisam reconhecer você em um piscar de olhos, principalmente no baile, para que não haja dúvidas sobre sua presença. Se chegarem a perceber a falta dos registros a tempo, ninguém pensaria em acusá-la quando todos poderão afirmar com diversas palavras que estava no salão e que dançara com um e com outro, mas, para dar certo, não poderá demorar a ponto de pessoas notarem sua falta. Faça com que pensam que saiu para respirar, para ir ao banheiro, para beijar escondido, não demore tampo demais para que especulem outras coisas.

–Deverá ser uma construção de presença. Desde a chegada à Drítan, precisarão estar curiosos para saber qual é o seu nome, quem é você. Precisam querer conhecê-la o suficiente para que todos reconheçam o momento que entrar ao salão, indubitavelmente aparente. –Miranda completou o raciocínio de sua Mestre de Guerra, a mão presa ao queixo, seu cabelo cinza/branco, não pela idade, preso para que não caísse ao rosto.

–Isso, minha cara Sombra, significa que usará um vestido de cair o queixo à festa e, talvez, outros também escandalosos durante sua estadia lá. Acostume-se com a ideia. –Bram terminou em um tom mais compreensivo e menos analítico do que as outras duas, direcionando-se à Sombra, coisa que Miranda e Jasira não faziam mesmo que discutissem o que ela viria a usar.

Sombra evitava o olhar de todos, sua cabeça baixa, mas não envergonhada ou chateada e, sim, reflexiva, efetuando suas conexões mentais que eu sabia que eram um costume seu, tentar visualizar todas as possibilidades, tudo por trás de tudo, sempre vendo as segundas intenções dentro de segundas intenções, sempre desconfiada.

–Querem que eu seja uma Lady em Drítan. Bem nascida e bem criada. Não podem ver que tenho imperfeições. –Finalmente, levantara a cabeça com gelo em seu olhar, irredutível, uma visão à qual nem Miranda questionaria, alternando-o entre todos. –Tenho cicatrizes em minhas costas. Se todos nessa sala ainda não sabem, é melhor que fiquem cientes disso agora, então minhas vestes não podem ter decotes em minhas costas. Elas já são antigas e, de certa forma, não muito chamativas, mas para quem teve um passado na corte, tê-las a mostra não é tão inteligente. Podem fazer o que a criatividade de vocês lhes permitirem com os vestidos, não tenho objetificações, contanto que minhas costas não sejam visíveis e passíveis de estragar a narrativa que escolhemos para mim.

Suas palavras me penetraram, impossível de olhar para outro lado que não fosse inteiramente ela. Ela falara a verdade, nunca notara suas cicatrizes, mesmo que não fizesse questão de esconder sua pele, lembrando-me do primeiro vestido que usara no castelo (algo que não deveria, necessariamente, recordar-me, mas uma imagem que, igualmente, não escapa-me à memória), um grande decote descendo-lhe pela espinha e, mesmo que seu cabelo cobrisse a maior parte da pele exposta, eu poderia tê-las percebido se prestasse aos pequenos detalhes, principalmente com o fato de que havia prensado-a contra a parede, suas costas voltadas à mim e minha adaga em sua garganta até ela me morder.

Ela direcionara sua última mirada à mim, depois de terminar de falar, sua expressão indecifrável, me fazendo reavaliar: se elas eram antigas, Sombra deve ter ganhando-as muito nova, nada além de uma criança, assim como pensar em suas cicatrizes como não muito chamativas apontava que ela já as considerava normais, apenas mais algumas marcas e aquilo era assustador.

Não deveria ser normal.

Nunca deveria ser normal.

E ela, de maneira alguma, podia pensar daquela forma, crescendo em mim um sentimento de revolta com quem quer que a marcara desse jeito, que a sujeitara à esse tipo de dor quando ainda era tão pequena.

–Não se preocupe, faremos do jeito que você preferir. –Ela, por sua vez, retribuíra meu olhar depois de ter dito-lhe aquelas palavras, ainda percebendo sua incerteza, pensando que esse tipo de reação era tudo que ela conhecia. Não podia permitir-se acreditar no que os outros falavam. Outra marca que ela levava como uma cicatriz.

E, mesmo depois que todos já haviam saído, ficando sozinho por mais uma vez em meu escritório, pela segunda vez no mesmo dia, não conseguia pensar em outra coisa que não fosse a ladra.


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