As Vantagens De Ser Invisível...

By prettylalis4

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Uma história simples, onde a filha do diretor é obrigada a dar aulas de física para uma aluna. Também conheci... More

DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS

UM

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By prettylalis4

Meus tênis brancos se destacam no assoalho feito de cerâmica enquanto em um dos meus ouvidos eu escuto a voz da Miley Cirus como uma espécie de anestesiador em uma fria e tediante terça-feira. O cheiro forte de café tange todos os corredores sinalizando que o dia está apenas começando. Aperto as alças macias da minha mochila ao perceber que em poucos segundos, a pouquíssimos centímetros, eu irei ingressar no amontoado de pessoas que infelizmente, estão tão próximas do meu armário quanto eu.

Não que eu esteja dizendo que não gosto de pessoas, porque eu gosto, mas sempre que puder usufuir daoportunidade de me manter distante de qualquer coisa que respira, eu irei fazê-lo com uma satisfação enorme.

Desde pequena meus pais diziam alto e claro que 'Você tem que aprender a socializar melhor, fazer mais amigos', mas a questão é que eles nunca me ensinaram como. Pessoas não passam de distrações, algo passageiro que vai passar como uma folha em sua vida e da mesma forma que chegou, ela irá embora, deixando apenas aquilo que chamam de lembrança em algumas partes de nossos cérebros. Rosé é a única pessoa que eu não vejo assim. Dentre tantas almas espalhadas por aí, meu destino decidiu colocar logo a mais extrovertida, a mais carinhosa, a que fala por cotovelos e por Deus, a que come como ninguém que eu já havia conhecido.

Meus ombros se encolhem em um ato automático ao me aproximar da pequena porta de aço na cor vermelha no meio de tantas outras iguais. Algumas com adesivos, outras com fotos, objetos de importância ou qualquer outra coisa que tenha valor e que você ame tanto ao ponto de querer se recordar todos os dias. Eu já não tenho nada disso. Motivos? Não tenho mais do que um único amigo, não saio de casa se não for por obrigações, odeio me socializar com outras pessoas, e bom, não vejo vantagens de uma pessoa que é tão invisível ter algo além de uma foto em família que foi tirada no meu aniversário de doze anos.

Coloquei meus materiais necessários na mochila e abandonei aqueles inúteis organizadamente nas prateleiras do meu armário. Mesmo sendo uma pessoa desligada e muitas vezes despreocupada com bens materiais, ao ver que um dos livros cai para o lado, não hesito em colocá-lo de volta no lugar e conferir que não iria cair alguma outra vez, isso seria péssimo.

Armários são apenas úteis para guardar as coisas que você prefere não carregar na mochila ou que apenas quer esconder de outras pessoas. Assim como o Noah decidiu fazer quando escondeu um pequeno pacote com maconha em seu armário, o que eu achei bem estúpido dadas as circunstâncias que estamos em uma escola e a qualquer momento o diretor pode pedir para revisar nossas coisas. Final da história? Não foi algo tão emocionante, ele apenas recebeu uma bronca feia e foi obrigado a limpar as arquibancadas da escola todos os finais de semana.

Fechei meu armário e rodei a tranca do pequeno cadeado duas vezes, assim como eu sempre faço para ter certeza que realmente fechou. Sei que soa estranho e talvez até psicopata, mas estamos na Califórnia e a qualquer momento alguém pode passar e simplesmente deixar algum tipo de presente indesejável. E quando eu digo indesejável, eu me refiro a facas como ameaças, camisinhas utilizadas quando você rouba uma pessoa de alguém e pacotes de drogas, que são os mais recebidos por aqui.

Dei dois passos para trás e me virei para o lado, esperando ver o corredor, mas sinto que tive um pré ataque cardíaco ao ver, bem perto, o rosto tão familiar e conhecido de Rosé com seu sorriso gengival quase explodindo por suas bochechas.

"Por Deus, Rosé!" Digo em um tom um tanto alto e recuo um passo para trás, levando a mão em direção ao meu peito, puxando todo o ar que consigo e tentando acalmar meu coração. "São sete horas da manhã, sabia?"

Ela ri como se eu fosse sua diversão favorita. "E qual o problema de estar feliz e animada esse horário? Não é o esperado?" Curva seus lábios para o lado e mantém sua postura reta enquanto segura as duas alças de sua mochila.

"Não para mim." Retiro meu fone de ouvido.

Ela revira seus olhos. "Não enche vai." Empurra seu ombro no meu. "Tive que dar uma volta gigantesca por toda a escola só para vir com minha ilustre presença te desejar bom dia."

"Bom dia." Levanto as sobrancelhas e faço um sorriso forçado de orelha a orelha.

"Não faça mais isso de novo, fiquei com medo." Torce os lábios em uma expressão de que viu algo completamente esquisito.

"É minha cara, se acostume." Ri anasalado e fui para o seu lado para começarmos a caminhar pelo corredor em passos curtos.

"Eu sei que é, pode ter certeza que eu amo ela." Sorri com os lábios em uma curva que faz suas bochechas ficarem grandinhas como as de esquilo e coloca um braço em volta do meu ombro enquanto caminhamos como um casal torto de dois reais.

Quando eu disse que o destino me deu logo a pessoa mais contraditória de mim, eu estava me referindo exatamente a isso. Me imaginem com uma nuvem de trovões, chuva, raios e vento por cima de mim, de repente vem ela com seu sol gigantesco e brilhante e em segundos remove todas essas coisas indesejáveis do topo da minha cabeça. Consegue entender minha comparação? Tenho certeza que sim.

Nós nos conhecemos quando ainda éramos dois brotinhos no jardim de infância. Me lembro que chorei quando descobri que estava indo para a escola e não para o parque como minha mãe havia me prometido. A professora entrou em desespero ao ver que mesmo me mostrando vários brinquedos divertidos eu não iria parar de demonstrar minha infelicidade. Eu estava com o coração partido, queriam o que? Lembro também que só consegui me acalmar quando Rosé pegou em minha mão e disse que não precisava chorar pois minha mãe iria voltar. Depois disso nós começamos a crescer juntas, e quando digo isso me refiro a passar metade da minha vida ao seu lado. Somos como irmãs.

"Sua primeira aula é de...?" Ela diz cerrando os olhos e deixando a frase fluir em reticências por seus dentes enquanto paramos em uma das máquinas de doces da área da grande cantina para pegar dois Snickers, como faz todas as manhãs.

Assim como o resto do grande edifício conhecido como meu pior inimigo, o refeitório tem paredes brancas, todas enfeitadas com o brasão do nosso time esportivo e vários pôsteres. Várias mesas grandes e redondas e por fim a área com apoio de aço que passamos com nossas bandejas para receber o nosso almoço, que por sinal é horrível.

"Física, infelizmente." Digo colocando as mãos nos bolsos do meu moletom preto enquanto assisto ela abrir sua carteira e colocar as moedas na entrada da máquina uma por uma. "E a sua?"

"Acho que inglês." Por fim coloca toda a quantia de dinheiro e aperta os botões para esperar seu doce favorito descer, o que acontece em três minutos já que a mola parou e ela meteu dois grandes tapões no vidro na intenção de ser útil. E como se não tivesse acabado de rosnar para uma máquina, me ofereceu o doce com um sorriso gentil.

Eu sorri meio boba e neguei com a cabeça ao perceber a clara dualidade existente aqui e peguei o doce, guardando-o no bolso da minha calça jeans. Ela eleva uma sobrancelha ao perceber que eu estou sorrindo. "Qual a graça?" Morde metade de seu doce e voltamos a caminhar pelo corredor.

"Você." Aponto meu dedo em sua direção, e ela faz uma cara esquisita enquanto mastiga, o que me faz rir. "Nada, esquece."

Tampa sua boca e se prepara para dizer: "Lalisa se estiver rindo da minha cara eu juro.." Cerra os olhos enquanto mastiga com raiva. Ela está mais parecida com um esquilo essa manhã. Eu neguei com a cabeça e olhei em volta procurando um ponto de distração diferente, e eu o encontrei em cheio quando eu assisti, em câmera lenta, a filha do diretor adentrar o refeitório com sua melhor amiga. Elas conversam algo engraçado, muito engraçado, qualquer um em volta percebe isso de longe ao ver os tantos sorrisos e risadas que elas trocam uma para a outra. Sinto meu corpo travar no lugar e meus olhos focarem somente nela.

"E lá vamos nós de novo." Rosé reclama, mas estou com meu corpo e alma muito focados em outro lugar para conseguir mover meus lábios em uma resposta.

Ela não vai passar por mim, está andando em direção a mesa que seus outros amigos se encontram. O que felizmente significa que estou a uma distância consideravelmente boa de seu corpo baixo e tão bem definido em sua calça legging. Hoje ela está usando uma legging preta, faz isso todas as terças-feiras. Quando ela se senta na mesa e se mistura com outras pessoas, consigo sentir meus batimentos tão fortes dentro do peito que meu corpo todo está pulsando junto.

"Hoje você bateu seu recorde de minutos olhando a princesinha do papai." Minha amiga coloca o braço em volta do meu ombro e começa a caminhar, me puxando e me fazendo lembrar de que eu existo.

Minhas bochechas estão quentes. "Desculpe por isso." Não sei o que acontece comigo sempre que eu a vejo. É como uma reação química que explode dentro de mim e me faz perder os sentidos. Não sei se é por defesa ou por sentir um encanto inexplicável por aquela garota, a única coisa que sei é que isso, definitivamente, não é normal.

"Não tem motivos para se desculpar," Dá uma ultima mordida em seu doce. "é normal ter pânicos gays por estar perto do seu alecrim dourado." Solta um sorriso presunçoso. "Mas sabe que em algum dia ela vai acabar percebendo isso não é?"

Mais uma vez, ela está certa. É meio óbvio que se você encarar alguém por mais de três minutos essa pessoa vai te achar esquisita em um nível supremo e vai no mínimo imaginar que você está pensando em mil formas de esquartejá-la diferentes. Só espero que esse não seja o meu caso. "Eu sei, vou tomar cuidado da próxima vez."

"Você está dizendo isso a quase um ano." Para em uma lixeira para jogar o papel fora e se vira de frente para mim, limpando suas mãos por cima de sua calça jeans. "Esse é o momento que você não pode chorar, eu sei que me ama mas eu preciso de ir para minha sala e ter certeza que vou ter um futuro."

"Oh, claro. Já sinto meus olhos marejarem." Fungo com o nariz e passo o dedo abaixo do olho, fingindo estar limpando uma lágrima. Ela ri de forma boba junto comigo. "Boa aula pra você, obrigada pelo doce." Dou dois tapinhas por cima do meu bolso da frente que guarda o pequeno Snickers.

"Não tem que agradecer. Boa aula pra você também." Faz um jóia com a mão enquanto começa a andar de costas. "Te vejo no recreio!"

Eu ri e coloquei as mãos em volta da boca para mostrar o quão -falsamente- longe ela está. "Até o intervalo!" Ela sorri negando com a cabeça e dá as costas, me mostrando que a partir daqui, será eu e somente eu por muitas horas seguidas. Segurei a alça da minha mochila como o costume e me virei, ficando de frente para a direção do corredor onde eu deveria estar indo. Vários alunos estão passando por aqui. Muitos estão rindo, conversando, mexendo no celular, tirando selfies engraçadas, e eu sou apenas aquela pessoa que assiste tudo sem participar em nada. Apenas aquela pessoa invisível.

Respirei fundo e comecei a dar passos curtos em direção a sala de aula. A esse horário o sol já saiu de trás das nuvens, nos mandando boas-vindas em forma de uma luz alaranjada e meio amela por todos os corredores. Não sei quais são minhas cores favoritas, para falar a verdade nunca parei para pensar em uma resposta. Mas, se me perguntarem agora, neste exato momento, eu diria laranja nascer do sol. Nem sei se essa cor é válida, mas sei que é bonita o suficiente para ser nomeada como uma.

Passeei com os olhos em direção às grandes janelas ao meu lado direito e observei com atenção os poucos alunos estacionando seus carros e colocando suas bicicletas no lugar. Os poucos pássaros voando e pousando nas árvores que enfeitam o gramado em volta da escola, juntamente com a grande placa fincada sobre o chão com letras bem grandes que pronunciam a palavra 'CA Berkley School'.

Hoje é apenas mais um dia com o mesmo clima, mesmo cheiro forte de café, mesmo piso tão limpo que reflete nossa imagem, mesmos rostos desconhecidos e mesmo humor de sempre: cansado sem nem ter feito nada.

Adentrei a sala e aproveitei que estava um pouco vazia para ir direto para uma das cadeiras do meio da sala e colocar minha mochila no canto. Assisti o nosso professor de física, o Sr. Apell, jogar sua mochila com o mesmo retalho de dois anos atrás por cima da mesa e arrumar seus óculos de grau quadrados no rosto enquanto passava a mão por seu cabelo ralo de forma nervosa enquanto retirava da mochila seu canetão e seu apagador. Ele fez o famoso gesto de enrugar seu nariz enquanto olhava em volta para contar quantos já tem na sala.

Todos estavam se sentando em seus lugares quando ele escreveu a data no quadro branco e com a voz firme disse: "Bom dia meus queridos alunos, sejam bem-vindos a nossa aula." Olha para o quadro e percebe que escreveu 'datla' em vez de 'data' e estica seu corpo magro e alto para apagar o pequeno 'l' com o seu dedo para depois limpá-lo em sua camiseta bege.

Ele continuou falando sobre como está feliz de estar aqui e outras coisas que ninguém se importa muito em ouvir, já que se todos tivessem escolha, estariam em suas casas. Eu estava prestando atenção até então, mas um corpo muito bem conhecido por mim deu dois soquinhos na porta. "Licença, professor. Posso entrar?"

"Pode, pode sim Srta. Kim." Acena com a cabeça e estica a mão para frente, apontando para uma cadeira vazia. "Dessa vez nós ignoramos seu atraso, espero que não aconteça de novo."

"Não irá." Diz com uma voz baixa e um tom educado. Juntou as mãos de frente ao corpo e caminhou em direção a mim. Calma, a mim?! Arreguelei os olhos e me arrumei na cadeira, fingindo que não estava a observando de cima a baixo e tentei pegar o lápis na mão para escrever qualquer coisa inútil no caderno aberto em cima da mesa de um braço. Senti seu perfume doce passar tão perto de mim e só agora me dei conta de que o único espaço vazio que existe aqui na sala, é ao meu lado.

Meu coração como dono de si e totalmente independente, decide bater mais forte e de forma descompassada, fazendo minhas mãos suarem e em consequência, minha garganta se secar. Ela se sentou e abriu sua mochila, retirando de lá um caderno com capa preta e arrumando seus materiais organizadamente sobre a mesa. Tão delicada quanto uma pena.

Eu, por outro lado, estou totalmente o contrário de calma e delicada. Tudo que eu mais desejo agora é que eu realmente seja invisível e que se ela olhar para mim, por favor, por favor que ela não se lembre que fui eu quem derrubei refrigerante em seu vestido no baile de inverno do ano passado.

(...)

Como eu disse, foram as horas mais longas da minha vida. Mesmo estando alguns centímetros de distância e não trocando nenhum tipo de olhar se quer com seu rosto, meu corpo se assemelhava a uma bomba, prontíssima para explodir a qualquer momento. Isso não aconteceu, graças a Deus. A aula já está no final e eu tenho que me lembrar de renovar a minha fé ao chegar em casa por não ter feito nenhum tipo de coisa estúpida hoje a não ser tremer como uma esquisita.

Estou guardando meus materiais quando ouço o professor chamar por meu nome, e em resposta, eu digo que já estou indo. Deixo meus objetos sobre a mesa e com um pouco de dificuldade eu me levanto, assistindo meu lápis rolar lentamente até chegar ao chão e eu sem querer bater meu joelho na cadeira a frente. Algumas pessoas ficaram me observando, o que me fez corar violentamente e fingir que não existo.

Consegui chegar inteira até a mesa do professor. "Me chamou?"

"Sim senhora." Coloca seus óculos por cima da cabeça. "Podemos conversar rapidinho?"

"Sim senhor." Batuco meus dedos na mesa.

"Eu estava dando uma olhadinha por umas fichas de alunos e percebi que você está um pouco atrasada no conteúdo do bimestre."

"Oh.. S-sim é que-" Não consigo terminar minha frase quando vejo Jennie, em pessoa, ao meu lado.

"O que o senhor queria conversar mesmo?" Ela diz, me ignorando completamente.

Ele sorri para ela. "Chegou na hora certa, Srta. Kim." Arruma sua postura na cadeira e cruza os braços. "Srta. Manoban, como suas notas não podem deixar a desejar este bimestre, a Srta. Kim irá te ajudar com suas dificuldades na minha matéria, tudo bem?"

Eu travo. Nenhuma palavra nem um fio de respiração sai de mim.

"O quê?"

"O quê?!"

Nós dissemos juntas e trocamos um rápido olhar confuso para o professor.

O sino interrrompe qualquer fala que iria vir asseguir. "Estão dispensadas."

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