Karila Aistarabaw

By kcestrabao

536K 29.1K 138K

Recém viúva, a monarca egípcia perseguida e endinheirada Karila Aistarabaw I sustentava títulos expressivos d... More

كارلا
فن
مخفي
ثقة
المنقذ
تدخل
جريمة
التزام
اتصال
يعود
ريبة
أجودا

كابوس

33.6K 2.3K 11.3K
By kcestrabao

O olhar esperançoso de Normani noite passada ainda pairava em minha memória, era como se tivesse depositado todas as suas esperanças em uma impossibilidade que acabou se resultando no agora. Eu não havia concluído o que havia planejado, e isso a deixava feliz. Pensar agora naqueles historiadores como artifício para me poupar de me entregar a nada era o mais coerente que tinha a fazer, eles tinham tudo aquilo que mais desejava.

Eram o meu ponto de distração agora que o havia descoberto.

Meu desconforto em sentir minhas mãos livres sem anel, sem minha aliança, preenchia minha mente ao observar Normani no pátio principal de minha casa após meu chamado de segurança, pela manhã o roteiro de novo procedimento de segurança havia preenchido meu tempo, teria um aparato de transporte mais aprimorado do que antes do atentado, estava sozinha em minha casa, os historiadores estavam em Abusir naquelas escavações que tentaram viajar para acompanhar, mas precisei ficar para resolver problemas de transporte de alimentos, uma época complicada do ano estava chegando.

Precisavam de comida.

— Algo a declarar sobre as escavações? Tudo está bem? - Questionei observando se aproximando ao lado de Hadd. Minha dedicação às portas fechadas em meu trabalho me deixava um pouco alheia ao que acontecia no mundo ao meu redor, relembrar que ainda havia muitos sob minha responsabilidade me trazia de volta para a superfície.

— Uma notificação acabou de ser emitida de Heliópolis, Al Sisi pretende se encontrar com algum historiador em Abusir, não sabemos ao certo se ele pretende retirar alguém do trabalho de escavação, alteza. - Hadd avisou, seus contatos com internos da guarda presidencial nos dava acesso a informações privilegiadas.

— Tudo o que vem à minha mente é Lauren. - Normani afirmou diretamente me observando. Eu sei que obviamente suas preocupações iniciais se converteriam a sua amada, entendo suas preocupações particulares, mas havia Astrid também, ela ser destratada em terreno Egípcio colocaria problemas com seu irmão na Bélgica, não podia permitir que aquilo acontecesse, ela é minha convidada como todos eles.

— Ele já saiu do prédio presidencial? - Questionei tentando calcular meu tempo para alcançá-lo.

— Sim, faz 15 minutos... porém há uma caminho via Al Bahr Al Aazam que podemos percorrer e ganhar estes minutos de volta, ele está indo pela via de engarrafamentos nesse horários em Nile Corniche. - Hadd avisou se prontificando em preparar minha escolta se positivasse sua sugestão. Observei Normani em sua ansiedade expositiva, ela estava um pouco agitada, esperando minha resposta.

Se importa muito com aquela mulher, não fazia sentido que a mesma continuasse no Egito.

— Crê que Al Sisi esteja indo atrás dela? De Lauren Jauregui? - A questionei e observei não levar segundos para acenar positivamente com a cabeça.

— Ela é a única que ele tentou contato desde o dia inicial, talvez pretenda tê-la como aliada em alguma busca secreta sobre suas ações. - Informou.

— E confia nela o suficiente para acreditar que ela não contaria? - Não posso mensurar confiança à essa altura, era como um tiro no escuro acreditar em uma desconhecida para mantê-la em minha casa sabendo que o presidente tentaria oferecer-lhe oportunidades ou ameaças. Lauren corria perigo por ter se exposto demais desde o princípio.

— Confio. - Talvez fosse sua visão apaixonada que estivesse a cegando, mas era Normani afinal... Eu não podia detê-la de viver sua vida e apreciar seja quem fosse, à essa altura ela merecia ter algum aspecto mínimo que pudesse proporcionar uma vida. Se a estrangeira aceitasse sair do país, eu poderia enviar Normani para longe.

Ela poderia viver...

— Vamos a Abusir, vou me arrumar e saímos. - Afirmei notando o brilho satisfeito do olhar dela.

— Escondam suas identidades com esforço, veremos Al Sisi hoje. - Avisei me voltando a caminhar em direção a meu quarto para colocar vestes apropriadas para o deserto.

-

Olhava ao painel do carro com preocupação, sabendo que compartilhava o sentimento inquietante com Normani ao tentar mensurar se teriam vantagem o suficiente para tirar alguém da expedição sem avisos. Não posso suportar a possibilidade de alguém se ferir por minha causa novamente.

— Não importa a velocidade, Hadd. - Avisei observando seus olhos se projetando a minha pelo retrovisor, ele entendia minha preocupação com o acontecimento, acelerou o carro o quanto podia ditando a velocidade de minha escolta. Foi uma agonizante viagem de 40 minutos até observar os platinados da guarda presidencial estacionados na areia próxima às tendas da expedição tcheca.

— Vou à frente. - Avisei desativando meu cinto depressa ao observar Al Sisi conversando com Lauren Jauregui.

A tempo.

Caminhei sob o asfalto em direção a sua escolta, sabia que já havia me notado pela maneira como os seguranças se converteram a aproximar do presidente com a minha chegada. Lauren parecia alheia à minha presença estando de costas a minha escolta caminhando lentamente sobre as areias desérticas, pronta para qualquer resistência do presidente.

Karila. – O deboche que veio de sua boca era derretido em seu absoluto incômodo ao notar minha presença. Desgraçado, queria minha cabeça como um troféu a ser exposto. Observei Lauren se mover de minha frente para olhar sob o ombro e averiguar que tinha minha equipe esperando armada para o que aconteceria.

Não a conheço tanto para determinar, mas sua feição pareceu aliviada quando nos avistou.

— Vejo que está bem, Karila... isso é bom.

Era corajoso em ser tão patético, sabia que eu já estava ciente de seus posicionamentos contra mim e agia cordialmente em frente aos outros para não expor o babaca que era. Relaxei meus dedos da mão abrindo e fechando para conter um súbito sentimento raivoso.

— Muito bem, e ficarei ainda melhor. – Afirmei voltando meu olhar a Lauren, sabendo que não entenderia de imediato o que acontecia, mas que fosse inteligente em entrar no roteiro que lhe colocaria se quisesse sair bem dali.

— Podemos conversar? – Ele continuou seu diálogo inacabado a encarando, já havia então sugerido uma conversa a ela antes que pudessemos deter. Notando seu impasse me prontifiquei em liderar o caos.

— Não, Lauren não vai conversar com você. – Falei observando o sobressalto dele em ter uma negativa vindo de mim.

— Saí de meu gabinete para conversar com sua convidada, sou o presidente desse país Karila, exijo prioridades. – Ele falou resignado.

— Oh querido presidente, eu prezo muito por sua presença, não sabe o quanto prezo como naquele dia no hotel... Mas Lauren é minha convidada nesse país, ela está sob meus cuidados como todos seus companheiros de trabalho e nós já havíamos planejado esta expedição, assim como você, sou uma mulher ocupada e não posso mudar situações já planejadas. – Ironizei a observando se inquietar com o impasse causado por sua presença, será que finalmente entenderia que era perigoso demais estar na posição que estava?

— Não posso perder tempo.

— Sequer eu, estas são as desvantagens de agir sem planejar, Lauren já está ocupada hoje em nossas expedições. Sinto muito. – Decretei não dando espaços para uma nova oferta.

— Ainda conversaremos. – Direcionou a ela como uma palavra de quase ameaça, a mulher apenas concluiu como se não fosse grande coisa e ele se foi com seus seguranças, entrando em seus platinados e desaparecendo pela rodovia com prontidão. O movimento me trouxe um alívio certeiro, observando a historiadora me olhar e dar um aceno de cabeça.

— Alteza. – Cumprimentou.

— Vá, me mostre o que faz de melhor, historiadora. – Acenei em direção às tendas, me movendo para para liderar seu caminho em direção às tendas, Normani me ajudou com o equilíbrio e juntas nos encontramos com os historiadores de sua equipe.

— Alteza? Não a esperávamos aqui! Que grata surpresa. - Astrid falou assim que me viu ao lado de Lauren Jauregui entrando na tenda de pesquisas me deparando com todos eles sentados em uma conversa sobre as pesquisas.

Mudei de planos, estou curiosa sobre o que estão desenvolvendo. - Menti observando o olhar desconfiado de Lauren assim que falei a todos eles, ela se aproximou de Astrid, e por educação acenei aos membros da expedição, notando que dois deles eram egípcios.

— Esse é Dr. Waziry, secretário geral do conselho de antiguidades, e este é Dr. Megahed. - Astrid me apresentou com polidez. Ambos curvaram a cabeça em tom respeitoso o que me fez retribuir.

— É um prazer finalmente conhecê-la, alteza. - Talvez ainda tivessem em sua mente a suposição de que eu era mera lenda, que só podiam ouvir histórias sobre mim e que não existia de fato. Aquilo me deixava intrigada.

Fiquei sabendo sobre este estudo com mais detalhes e isso me tocou de tal maneira que tive de vir presencialmente. - Informei notando o olhar deles em mim, idealizavam o quê?

Isso é grandioso, alteza.

Certo então me digam, não percam tempo, quando foi que encontraram o primeiro indício arqueológico que fizeram vocês investirem nas escavações nessa região em exato? – Observei-os darem espaço para me exibir documentações antigas, folhas amareladas e desenhos em rascunho me chamaram a atenção.

Em 2012 encontramos evidências em pequenos tijolos de barro, e desde então não paramos as buscas, essa semana tudo saiu perfeitamente bem para nos darmos por satisfeito. – Waziry era aquele, se antecipou em apontar para os rascunhos e logo expor fotografias recém tiradas que estavam em seu notebook sobre a mesa. A maneira como documentaram os detalhes me fisgou a atenção.

Eram muito cuidadosos com os detalhes, a fascinante percepção me trouxe para mais perto, cruzando meus braços para ocupar pouco espaço e olhar com idealização para a imagem.

Enxergava-me ali, dentre eles discutindo o próximo passo, talvez descobrindo o que de melhor podia haver na possibilidade de escavações subaquáticas. Trazer para as evidências históricas aquilo que nunca sequer foi capaz de ser levado aos holofotes.

— Isso é absolutamente incrível. - Não me controlei ao me perder nas informações que enchiam meus olhos.

— Você não faz ideia, alteza. Há muito que podemos explorar por aqui. - Waziry revelou, me dando uma perspectiva de curiosidade, ele estava incitando aquela pequena sensação em minha mente. Podia investir então algum dinheiro nas explorações em minhas terras, onde mais poderia investir? Deixaria aquele dinheiro para quem? Talvez estudantes de meu país conseguissem usufruir de uma estrutura que os acolhesse sem pré-julgamentos, já o fazia na América, mas com isso eu posso pensar diferente de antes em abrir possibilidades as quais nem refletia, propósitos maiores.

Astrid podia me ajudar, ela tem influência na Europa, podia abrir caminhos até mesmo na Bélgica para que conterrâneos meus possam estudar desde que eu ajude nas explorações no Egito e eles levem um pouco da glória. Ter tanto em mente me deixou remotamente curiosa sobre minha capacidade em conseguir coisas como aquela somente com o dinheiro, porém havia muito o que eu tinha de fazer com as peças reais que ainda me envolviam, uma delas sentava à minha frente encarando o Koshary com determinação.

Olhei ao meu próprio prato de Koshary entre minhas mãos, fingindo desatenção aos passos de Astrid e de Lauren que já estava perdida em sua própria refeição, frente a mim.

— O presidente queria conversar com você, isso é uma honra, Lauren. – A fácil perdição de Astrid em um ato que soasse agradável a seus olhos vindo de um líder de meu país quase me fazia revirar meus olhos em descrença. Como eram facilmente manipuláveis por aquele homem... menos Lauren, aquela sabia bem do perigo que já corria, talvez fosse uma exceção desavisada.

Ele viu meu olhar deixando claro em silêncio que devíamos manter as informações em seus devidos lugares e que elas não precisavam de holofote naquele momento.

É, fiquei surpresa que tenha chamado a atenção dele assim... – Sua fala parecia levar Astrid para sentidos distantes.

— Talvez ele queira te contratar para a Universidade do Cairo, já pensou? Viver no Egito, ah seria um sonho... - Astrid sugeriu a americana me fazendo voltar a focar em meu prato sem tantas pretensões de devorá-lo por inteiro. A comida estava deliciosa, minha mente só tinha outras preocupações, e estas não envolviam manter ninguém nesse país por tempo além do devido.

Que Allah fosse misericordioso, isso é uma hipótese inexistente.

Em minha fingida ausência de percepções eu sentia os olhares da estrangeira em mim, compreendia seus anseios, eles alimentavam suas percepções. Seus olhos pareciam mais bem alimentados do que sua própria boca com a maneira incisiva que se mantinha me olhando como se não fosse perceptível.

— Lauren? – Astrid tentou tomar sua atenção, porém ela parecia somente fingir que voltava a se alimentar a ponto de fazer sua colega de expedições desistir de sua desatenção e sair deixa-nos à sós. Ela segurava o garfo com força, repetindo seus desvios de atenção fingidos para qualquer lugar.

Ter em mim a percepção que despertava nervosismos em outra pessoa que não fosse referente a meu presente e passado obscuro me deixava estranhamente incomodada. Sua tensão ou ansiedade eram tópicos aos quais me fingia ignorante, bloqueava em mente de maneira que mostrava incapaz de sequer cogitar pensar.

Não posso me dar ao luxo de compreender sua ansiedade sobre minha presença, ou sua necessidade tão absurda de me olhar e tentar desvendar como explicitamente demonstra ter. Não sou uma idiota para não perceber, porém serei idiota o suficiente para não me permitir sequer compreender.

Não era para eu estar aqui.

— Não? – Sua chama de dúvida me fez negar lentamente com o rosto.

— Não, estou aqui porque sabia que o presidente viria atrás de você, não estava planejando fazer expedições com vocês ainda. – Entreguei-lhe uma dose de honestidade, pagando um caro preço de tê-la fantasiando privilégios, mas precisava fazer o que era correto. Ela e Normani podiam sair daqui, bastava que aceitassem.

E se não aceitassem... bom, há um teste a ser feito para provar-me finalmente seu merecimento em ter minha equipe se esforçando por sua cabeça inconsequente.

Seus olhos viajaram novamente por minha figura diante dela, parecia chocada com a informação.

Incomodava como ela me olhava.

— Alteza...eu...não sei nem o que dizer e nem como agradecer, esse homem me dá calafrios. – Foi sua deixa perfeita para mim.

— Eu sei como pode me agradecer. – Afirmei satisfeita que ela tivesse dado aquela abertura.

— Sabe? Como?

Volte para os Estados Unidos. – Simples e indolor, não havia nada mais complexo do que aquela pequena frase. Ela bufou exasperada com os braços abertos e se levantou me olhando como se estivesse lhe falando algo caluniador o suficiente. Ali estava, já entendia pela postura de resistência e surpresa que ela nunca aceitaria uma sugestão como aquela.

— O que? – Tentou como se estivesse ouvindo algo diferente demais e precisasse confirmar o que eu sugeria. Deixei meu prato de lado, sobre a mesinha de madeira e me ergui da mesma maneira, preenchendo o espaço com uma determinação diferente, talvez o perigo não soasse assim tão conspiratório para alguém como ela, tinha algum parafuso fora do lugar, sem dúvidas...

Aproximei a olhando honestamente, ela não podia enxergar minha face através do tecido, mesmo que sua determinação no olhar me entregasse algo diferente.

— Isso mesmo que ouviu, volte a seu seguro e amável país. – Sua ilusão americana sem dúvidas era melhor do que o Egito para alguém como ela.

— Eu dediquei minha vida toda a entrar na Yale, não vou arriscar perder tudo isso por um nada, não entendo o que me pede aqui, Alteza. – Sua afirmação me deixou cética, a estadia então era por causa de um título de universidade? Isso valia mais do que sua própria vida? Isso é tolice. O que mantém aqui ainda é somente aquilo que a Yale pode garantir a ela como aluna? Ou possível professora?

Aproximei o suficiente, pensativa que a hipótese de ter prestígio em alguma universidade a tiraria dali com Normani.

Eu posso pagar pelo seu prestígio.

— Lauren eu honestamente comecei a conhecer você agora como profissional, você é uma mulher competente, vai designar boa função onde estiver, não se preocupe quanto a não ter onde trabalhar, se a Yale não quiser você, posso ajudá-la com a Harvard por exemplo, tenho boa indicação ali. – Minha proposta não trouxe nenhuma reação à sua feição.

Alteza... não posso desistir de meu sonho assim... – O lamento em baixo tom me trouxe o entendimento real de que talvez não fosse somente prestígio, parecia amar grandemente o que fazia, era um ponto válido mesmo que insano.

— Estou sendo honesta com você, corre sério perigo aqui. - Tentei, diminuindo o meu tom de voz, não queria que nossa conversa reservada se estendesse a outras pessoas as quais não interessavam.

— Não que eu queira todo mundo ferrado, mas porque ele só está focado em mim e não nos outros historiadores? Todos estamos debaixo de seu teto.

— Quando veio para esse país e de cara fez uma besteira, as coisas saíram do fluxo natural, você se apaixonou pela pessoa errada e aqui estamos. – Trazer Normani para esse jogo talvez fosse imprudência minha, mas não havia muitas armas as quais podia usar, não é?

Sua pausa confusa me fez arquear a sobrancelha.

— Normani, você e ela estão nesse caso de vocês desde o primeiro momento e isso te colocou na zona de perigo. - Afirmei notando sua face de compreensão e o rosto assentindo me fazendo cerrar o olhar para o movimento.

— Sim Alteza, mas o que há de tão diferente na situação toda que os outros já não tenham feito?

— Lauren, entenda uma coisa. Quem me odeia ainda pode ter um pequeno fio de respeito por mim, não por eu ser uma princesa de família militar e real, só respeitam pelo meu dinheiro, então todas as vezes que saio de minha casa para ir em locais públicos, saio com a certeza de que estarão sempre me vigiando a cada segundo. Quando Normani se enfiou naquele apartamento com você, chamou a atenção deles, e quando eu fui atrás, eu decretei o começo da perseguição sem nem mesmo pensar, eu estava irritada e intrigada. Não sou o tipo de mulher que vai atrás de ninguém, as pessoas que vem até a mim, e naquele dia eu infelizmente expus para eles uma falsa ideia de que ia atrás de ambas, isso te tornou foco importante. Você está nisso até o pescoço, eles nunca vão acreditar que não há um envolvimento seu mais estreito comigo do que os outros, essa mentira nunca irá funcionar. Seu vínculo com Normani te faz próxima de mim você querendo ou não e isso vai ser o motivo da sua morte, agora, daqui uma semana, ou daqui um mês, é inevitável para todos aqueles que se aproximam de mim. – Não esperava que a torrente de honestidade saísse sem pensar de mim como aquilo.

— Se pensa com racionalidade, precisa voltar, eu não consegui proteger meus pais, nem mesmo meu marido, não espere que eu consiga ser bem-sucedida com você. – Não dei-lhe tempo o suficiente para pensar demais, apenas continuei jogando torrente de informações.

— Qual meu propósito em voltar se ali não vou fazer o que eu quero? Prefiro ficar e aguentar o máximo que puder.

— Isso é loucura, se é dinheiro que quer... eu posso dar, você volta em meus carros de escolta, eu faço com que te coloquem em um avião seguro e que chegue em casa segura e bem para viver toda a vida. - Mais daquelas sugestões irrecusáveis, allah... qualquer ser humano que tivesse o mínimo de racionalidade em mente aceitaria.

— Alteza eu não entendo sua insistência.

Não quero ter mais outro nome na lista como morte que carrego a culpa. - Não é uma mentira, é insuportável somente em pensar na possibilidade daquilo acontecendo.

— Não se preocupe, é uma decisão minha. –Ela estava ceticamente certeira de sua decisão, já havia entregue os meus pontos. Só precisava da minha segunda certeza. Aproximei, olhando ao chão debaixo de minhas botas antes de erguer o olhar e idealizar o material da tenda atrás dela, estava próxima o suficiente para sentir-lhe a presença de maneira indesejada.

Diga-me seu preço para sair desse país. – Talvez eu estivesse pronta para encontrar seu ponto de corrompimento.

Eu tenho um preço... – Aquela resposta não era exatamente o que eu esperava, mas assenti a observando interessada, um pouco confusa pela refutação de minhas ideias sobre o quão obstinada em seu ideal talvez ela estivesse.

Havia um preço maior do que dinheiro ou poder que a fizesse partir daqui? Qual?

— Diga.

Seus segundos de relutância me trouxe aquela sensação ruim, do pressentimento em ouvir algo que talvez me desagradaria ouvir. Ela movimentou o rosto me encarando de perto, os ombros se alinhando de tal maneira que a postura a tornasse mais autoconfiante, o encarar que me deixou temerosa.

Mostre-me seu rosto.

Seu preço é minha identidade?

Confusa repensei na fala tentando absorver a verdade.

— Esse é seu preço para não morrer?

Ela deu de ombros sustentando o mesmo olhar de segundos antes de seu pedido. A olhei como se estivesse sob o uso de alguma droga perigosa, estava febril? Maluca? Constatar que ela parecia muito bem e me olhava esperando minha resposta ao pedido me fez sentir uma gargalhada me dominar sem poder conter.

Vai ser ótimo pagar o seu funeral. - Disse notando sua face se iluminar com um sorriso, parecia já saber que eu me negaria a pagar tal preço por sua vida. Não havia medo ou indícios em si de que não estivesse compreendendo o que eu queria dizer. Sua busca incessante em minha figura pessoal era maior do que podia imaginar.

Ela iria embora se de fato eu aceitasse? Somente se eu aceitasse me revelar?

É mais corajosa do que eu podia imaginar, Senhorita Jauregui. – Afirmei notando que ela parecia gostar do que ouvia, mesmo que não importasse.

— Isso não vai importar quando eu estiver a sete palmos da terra, alteza. – Sua obstinação me assustava.

Ela realmente o faria?

— Ah vai importar sim... – Não é como se a sua loucura não me fizesse obrigada a agir diferente, ela é um problema meu desde o começo, e precisava ser eu a cuidar dele.

— Vai? Por que? – Sua confusão me fez mover para capturar meu celular para ir, já havia entendido que ficaria, porque jamais pagaria o preço que havia me proposto para tirá-la daqui. O que sou é o preço mais caro que posso pagar.

— Porque isso foi um teste, Lauren.

— Isso significa que tudo o que me disse é mentira? – Sua confusão me fez negar.

— Não, tudo o que eu disse em cada vírgula é verdade, até mesmo a proposta para fugir, mas ao menos sua resposta me deu a certeza de que vai então valer a pena te proteger de verdade, se é esse o preço que quer pagar. - E é o único preço que vou pagar quanto a ela. Nada além. Me movi me afastando e saindo da tenda para encontrar com Normani.

Seus olhos estavam nos soldados de ronda em torno das zonas de escavações.

— Siga o que tem de seguir, mesmo protocolo. Ela não aceitou a proposta de sair do país, temos de viver nossos dias como antes, mesmo que seja necessário redobrar as atenções quanto a Lauren, talvez seja necessário avisar Astrid em algum momento, não sobre tudo, e não agora. Mas é importante que fique de sobreaviso. - Pedi notando que ela se virou para me olhar com atenção.

— Faremos o que for possível, alteza. Mas não acha que talvez eu possa tentar? Convencê-la? - Sua necessidade em tirar sua amada do país me fez assentir. Se havia alguém válido aqui para tentar argumentar era ela...

Estavam em um romance...

— Prometo que todas as oportunidades também serão suas se assim decidir. - Falei notando que ela se sobressaltou.

Não a abandonarei, alteza. Isso não é uma opção. - Sua afirmação repentina me fez assentir observando seu portar defensivo.

Merece uma oportunidade além da que vive. - Perdi meu olhar no sol que brilhava tão forte sob nossas cabeças, refletia na areia de maneira que tornava tudo tão quente...

— Estou aqui somente para lhe proteger, é o que eu devo fazer. - Não queria acreditar que ela se colocasse naquela posição, mesmo apaixonada, havia algo além de mim que podia ter em sua vida. Era necessário. Seu olhar reencontrou o meu.

— É tudo o que eu tenho, alteza.

— Tem de viver sua vida.

Ela se aproximou negando, o olhar indo além de mim, o que me fez seguir sua obstinação e compreender que olhava para a historiadora junta de sua equipe de expedição. A maneira que gesticulava soava como liberdade para mim, eu a invejo imensamente, consegue ser aquilo que sempre desejou e agir impulsivamente para continuar no mesmo cenário, mesmo que isso possa lhe custar a vida.

Nunca pude dar ao luxo, não por temeridade quanto a mim, mas há tantas responsabilidades...

Alguém que pode lhe proporcionar liberdade não deve ser rechaçada. - Falei baixo, para que somente ela pudesse ouvir.

Eu não busco liberdade. - Seu discurso estranho me pegou em cheio, e eu congelei observando sua reação ao me lembrar do passado como hoje...

Esperávamos na sala de estar dos pais de Hamid, ela sentava ao meu lado olhando a volta como se a nossa ansiedade pudesse estar em sintonia. Conhecê-los pela primeira vez me despertou a mesma sensação que sentia agora, os revendo para que pudéssemos notificar do casamento.

Hamid não era muito tradicional, era uma das coisas que mais me encantava nele, havia feito o pedido enquanto estávamos a sós em um jantar que estivemos juntos no Egito semana passada.

Isso me deixa um pouco surpresa. - Senhora Shaer informou olhando de Normani para mim, Hamid se mantinha sentado na poltrona a direita de mim, seus olhos focados em minhas reações. Não era como se eu fosse tão tola, e mesmo que fingisse não me importar com aquela percepção. Seus pais não se agradavam com minha presença, talvez já soubessem o suficiente sobre a minha vida...

Talvez eu não fosse a mulher adequada para o filho deles...

Eu quis inserir vocês em nossas vidas dessa maneira, Karila é uma mulher reservada, e esta é a família dela, por isso da reunião tão imediata. - Hamid informou aos pais que olhavam para Normani dessa vez. Ela tem uma carranca de resistência que eu não consigo ter, não se intimidava com olhares reprovadores.

E está casada, Normani? - Senhora Shaer emitiu a inquisição.

Não senhora, sou segurança de Senhora Aistarabaw. - Sua afirmação me deixava aqueles calafrios. Não queria que sua vida fosse fadada a ser minha segurança.

Segurança? Tão jovem? - Senhor Shaer perguntou. Senti minhas bochechas queimando ao fato de olhá-la e receber seus olhos negros brilhantes me encarando com energia.

Minha idade não me impede de executar o meu trabalho, recebo muito bem para isso, Senhores. - Sua resposta pareceu fazer Hamid satisfeito, ele ligeiramente sorriu para mim voltando a olhar sério para seus pais que parecia em outra órbita. Eu me sentia como se estivesse prestes a cometer algum crime.

Uma mulher jovem, solteira e que ainda trabalha em uma profissão tão arriscada... Pode apresentar a seus amigos, Hamid. - Sua mãe sugeriu me fazendo desviar o olhar. Isso é tão...

Antiquado.

Observei os dedos de Normani se apertando em seu próprio colo, e ela segundos depois pediu licença para que pudesse conferir coisas do trabalho. Sabia que estava se controlando por minha causa, estava ali para me proteger e representar tudo o que ainda tenho sobre família.

Dei alguma desculpa qualquer e a persegui minutos após, olhava pela grande janela que dava aos jardins frontais da bela casa dos Shaer, estávamos distantes o suficiente para nos considerarmos sozinhas no ambiente.

Isso é estúpido. - Afirmou assim que sentiu minha proximidade, eu assenti, sei do que ela estava falando. O discurso deles soava como o discurso de meu pai.

Hamid não concorda tampouco, ele me reafirma isso quando estamos a sós... - Reiterei, e ela acenou positivamente, sabia que ele não refletia os mesmos comportamentos de seus pais.

Eu não preciso de um homem em minha vida para que ela aconteça. - Sua raiva parecia coisa física, ela gesticulou apoiando os braços sob o batente da janela, apertando os dedos das mãos uns nos outros para se conter.

Sim, eu concordo que não precise, mesmo que tenha meu apoio caso queira se relacionar com um homem que se apaixone. - Falei observando seu rosto negando lentamente.

Eu não preciso de um homem literalmente.

Literalmente? - Franzi o cenho confusa para a maneira em que estava falando.

Eu não vou aceitar que me demita, terá de denunciar a polícia. - Sua carranca foi ainda pior quando se alinhou para me olhar. Polícia? Eu estava genuinamente confusa com a maneira em que ela estava falando sobre demissões ou crimes inexistentes.

Por que a demitiria? - Questionei confusa.

Eu não gosto de homens. - Afirmou sustentando serenamente a confissão. Parecia ir além, eu tampouco gostava assim tanto de conviver com homens, eles eram irritantes e provocativos, não me agradava a maneira como falavam tão alto quando estavam juntos, apreciava que fossem menos efusivos, que tivessem os mesmos níveis de cobranças sociais que tínhamos para nos comportarmos.

Tudo bem, eu entendo. - Afirmei a observando negar tão depressa quando falei.

Não entende, alteza. Eu não gosto de homens amorosamente, eu não me identifico com nenhum deles, prefiro mulheres. - Sua revelação me fez reavaliar como estava levando aquela conversa. Sua boca selou em reflexo a minha entreabrindo e fechando tentando raciocinar. Ela estava cometendo um pequeno crime...

Prometo não contar a ninguém. - Foi a primeira coisa que repentinamente me veio à mente, eu não sabia o que falar.

Se sente incomodada com a ideia? - Ela perguntou não piscando sequer uma vez, parecia congelada em não perder minhas reações que pareciam não querer vir. Eu não sei bem o que ela está tentando me falar, eu não sei sobre isso além de que seja um crime, não consigo simplificar em algo concreto aquilo que não tenho intelectualmente em mim, nunca sequer li algum livro sobre alguma coisa relacionada.

Os Iguais não se multiplicavam, era o que repetiam.

Talvez ela não queira se multiplicar, era um ponto difícil, sei que talvez seja difícil para ela também tomar uma decisão como essa...

Eu não sei como reagir. - Minha honestidade a fez assentir.

Eu não gosto amorosamente de você, se isso é uma preocupação, alteza. - Sua fala me fez negar depressa, preocupada que tenha falado aquilo alto demais a ponto da família de Hamid ouvir. Toquei em seu pulso para contê-la de falar algo além, eu não pensei naquilo, sequer pensei.

Está tudo bem, deve ser tão difícil para você... - Confessei sentindo que ela parecia mais relaxada quando a toquei.

Não é tão difícil, é bom.

Assenti para que pudesse agradá-la, eu não podia entender o que estava dizendo mas estava aqui reafirmando para que não se sentisse mal.

Tem de tomar cuidado com a polícia religiosa, aparições públicas, não quero que se machuque. - Pedi observando seu rosto concordar. Não sei qual loucura ela estava prestes a cometer em vida, mas não a queria se machucando em nenhuma hipótese.

Sou boa em esconder isso, faz muito tempo.

Muito tempo? 1 ano? - Tentei.

Um pouco mais... - Afirmou me fazendo chocada.

Tudo bem, eu não preciso saber sobre esses detalhes, ela ficaria bem... cuidaremos disso.

Precisamos voltar, ficará tudo bem. - Prometi.

Ela parecia aliviada, relaxou e caminhou ao meu lado de volta a inquisição dos pais de meu futuro marido. Essa é Normani, não há possibilidade que eu a rejeite para nada, ela é a minha família, e entre perdê-la a aceitar qualquer coisa, eu aceitaria qualquer coisa.

Ela é tudo o que tenho.

-

Após a longa tarde produtiva na expedição tcheca, a qual com apreço me acolheram de uma maneira que não me senti tão bem há tempos, chegamos em minha casa e tive a oportunidade de descansar pós banho. No dia seguinte era noite para comemorar como fazia em outras oportunidades sobre o dia das mulheres. Tentava de alguma maneira compensar o que tínhamos de viver em meu país.

Sei que é somente uma tentativa, havia muito a fazer e eu ainda podia pouco...

Normani me ajudou com a escolha de roupa para tentar descansar, ela sempre fazia questão de se certificar que eu não estava me machucando, os olhos sempre tão focados adiante esperando que ficasse confortável e vestida o suficiente para me olhar com respeito.

Conversarei com Lauren agora. - Falou me fazendo assentir, estava tudo bem para ir, era seu momento de tentativas. Movi em meu quarto e capturei sem pensar uma daquelas garrafas a qual compartilhei com a historiadora em nossa própria conversa, era um movimento estranho e eu sabia que ela não entenderia, mas eu estava a incentivando a ter um momento feliz com a amada dela, era a primeira vez que ela me via fazendo algo como aquilo, lhe incentivando.

O que significa? - Apontou a garrafa. Dei de ombros.

Viva sua vida, é o que significa. - Pedi lhe entregando a garrafa, ela sorriu tão espontaneamente que me fez estremecer o coração em temeridade. Sou responsável por tirar partes tão singelas de sua vida, de sua amorosidade, é o mínimo que posso fazer, incentivar que busque alguém como amor mesmo que eu mesma não compreenda exatamente.

Obrigada, alteza. - Seu agradecimento foi a deixa para que ela saísse e me deixasse sozinha.

-

Music on* For Ya - Paloma Mami

Por vezes em minha rotina pós banho diária, costumava me deitar em minha cama e fechar meus olhos para tentar descansar diante do sono que raramente vinha, sabia que Normani estava se reunindo com sua amada, não desejava interromper ou sequer ouvir o que estavam a falar em um momento delas, logo decidi me direcionar a outro cômoda da casa.

Caminhei em direção às portas de meu terraço e reforcei a puxada das cortinas, cobrindo o vidro com determinação, minha mente distante àquele ponto, tentando buscar algum relaxamento delirante. Perdi o olhar em minhas mãos e estanquei ao ouvir, era baixo, mas infelizmente perceptível.

— Droga mulher, eu tomei esse vinho. Por isso eu fiquei daquele jeito. - Aquela era a voz de Lauren, não dava para confundir. Minha noção explícita era que saísse depressa, eu estava ouvindo uma conversa privada, não se referia à mim, não fazia absoluto sentido permanecer ouvindo-as, mas entre a necessidade de sair e a rapidez em que a aquela mulher destemperada falava... não consegui evitar ouvir suas próximas palavras que me congelaram em minha posição de tal maneira que talvez eu estivesse sentindo o Egito à menos 30 graus.

Aún sabiendo que tú, no lo harías por mí

— Como? Do que está falando? - Era Normani.

— Eu me sinto atraída por sua chefe e esse vinho potencializou muita coisa que agora me faz sentir bem idiota.

I would give you anything

Senti o gélido calafrio percorrer minha nuca, olhando para as maçanetas da porta. Se havia algum motivo para sair daquele lugar, estes pareciam ter desaparecido de minha mente, paralisei diante da porta mal conseguindo respirar ao me curvar e enconstar minha testa contra a madeira, tentando puxar uma profunda e difícil respiração.

Não fale besteiras...

— Está brincando comigo... – Normani questionou me fazendo fechar meus olhos lentamente ao tentar identificar o que havia em seu tom de voz, temeridade.

Era claro que estavam, elas estavam se relacionando... Ocidentais brincam o tempo todo...

— Falo sério, alguma coisa mudou.

As respostas de Lauren só tornava tudo pior a minhas percepções.

Porque alguém fala de atração atribuída a outra pessoa com alguém que já se ama?

Lo doy todo por ti

— Lauren isso é... complicado de ter recíproca, você sabe...Certo? - Recíproca?

— Eu sei, isso nem devia ter acontecido.... – Lauren respondeu depressa me fazendo confusa ao pensar no que estava falando, que insanidade estava falando? Estava ficando maluca? Não que aquilo não se aplicasse à aquela mulher em outro momento qualquer, ela estava alucinando? Era isso? Alucinações a esse ponto?

— Quando você se foi para o Marrocos, na noite em que ela ficou só, eu me ofereci para um vinho e conversa, sabia que ela poderia precisar... e eu sei que nada disso é algo demais pois se qualquer um ali abaixo se oferecesse para isso, ela aceitaria porque estava fragilizada por te perder, e eu sei que não é especial... Mas nós conversamos, eu cobri meus olhos e bebemos o vinho dela, e foi tão bom que ela acabou me cedendo um livro autobiográfico para ceder a meus amigos historiadores, naquele momento eu senti uma trégua de verdade... E... – Senti meus dedos se apertando na maçaneta, me segurando fortemente para abrir e acabar com toda a conversa maluca, do que estava falando...

— Quando ela se levantou e foi para o quarto eu tirei a venda, e despretensiosamente sem querer, eu a vi pela fresta do vidro no quarto, eu juro que não foi intencional, foi tão de repente que até duvidei ser verdade, vi as costas dela toda tatuada... E algo mudou em tudo em como eu a enxergava, então talvez eu só tenha me atraído a coisa física, e isso é bem justificável por ser bonita fisicamente, e isso é normal, quem não iria se atrair, não é?

Atração?

Tatuagens?

— E ainda tem esse vinho, lembra-se? Eu sou intersexual! Eu me sinto queimar com coisas afrodisíacas, eu fiquei insana depois que bebi isso, ela não sabe que sou, por isso que me deu o vinho.

Que... p....

Eu estou delirando? É isso, eu estou febril e eu estou em meio a um pesadelo e isso é um delírio meu, eu estou inventando uma conversa maluca em minha mente e isso não existe. Isso não faz o menor sentido, onde eu estou com a minha cabeça?

Afastei da porta olhando confusa, tentando colocar em ordem todos os meus pensamentos. Isso é uma insanidade que invadiu a minha linha de raciocínio por algum motivo imbecil e logo vai passar, não é? Nada do que eu supostamente ouvi faz sentido. Minha negação me deixou entorpecida, tentando acordar do maldito pesadelo e me forçando a mente a agir de maneira correta.

Os minutos somente passavam e entendia que não era um delírio ou pesadelo.

Não vou pensar nisso, eu estou proibida de sequer cogitar pensar sobre essa loucura. Minha mão direita pressionando a lateral de minhas têmporas tremia quando tentei respirar fundo e me colocar em órbita. A tentativa de me colocar mais calma me fez sentir uma enxaqueca terrível a ponto de empurrar meu corpo sobre meus lençóis, me perdendo no silêncio confortante ao não conseguir ouvir voz alguma...

Adormeci...

-

Karila se mantinha sonolenta em sua cama, as mãos se enfiando debaixo do rosto em um ato natural de puro esquecimento de que devia ser durona e difícil de lidar, a postura rompia quando tentava repousar timidamente em seu silencioso e solitário quarto. Ao fechar seus olhos perdeu imediatamente aquela pequena chave que induzia a pensar e entender o que era realidade ou não.

O corpo se moveu despertando em seu adormecer, sentou em sua cama congelando ao observar que não estava sozinha, as velas que todas as noites estavam acesas para iluminar seus banhos e sua purificação aqueciam um corpo diferente a seu próprio. Piscou repetidas vezes, franzindo o cenho ao tentar compreender se estava delirando, sua mente repetindo milhares de vezes em consciência que aquilo era um sonho.

Não entendia.

Quem ocupava sua banheira recostou, deixando que os cabelos caissem para fora, respingando no chão. A figura feminina a fez se mover da cama, se aproximando entre o borrão estúpido que se autocriava para dificultar as coisas, parecia adorar se desafiar, era o que pensava com irritação ao envolver o robe de seda com força no corpo e se postar em pé ao lado da banheira encarando quem ousava se banhar em sua banheira, se deleitar da essência de rosas que perfurmava sua própria pele.

Lauren Jauregui abriu os olhos, sorrindo confiante para ela.

As mãos se movendo para apoiar nas bordas da banheira, o riso era pura autoconfiança, expondo-se daquela perspectiva agora tão clara totalmente nua, os olhos esverdeados aterrorizavam em sentidos que não podia definir ao notar que refletiam a luz das velas. Não a questionou em imediato o que estava fazendo, parecia muito segura de si naquela posição, e enxergava algo além de sua nudez em sua própria banheira, ocupando espaços que eram seus com tamanha convicção.

Sem temeridade.

A implicitude do fato a fez mais incomodada do que o entendimento de que estava ali, isolada consigo em seu próprio quarto. A dona do olhos verdes acenou para que ela se aproximasse, Karila se manteve imóvel, se abraçando com força a observando curvar o rosto e sorrir para sua resistência, a nuca tocando na banheira a medida que sorria e se expunha tão tranquila... como se soubesse bem que era tolice sua se negar.

A egípcia deu um passo à frente observando a escura água da banheira se misturar com sua pele clara, submersa nela, as percepções eram montadas por sua cabeça, por suposições do delírios criados. Nada podia ser realidade se de fato nunca a havia visto daquela maneira.

Karila retesou se afastando um passo atrás quando observou a mulher lhe estender a mão, a convidando para entrar naquelas águas escuras consigo. A egípcia negou depressa, dando mais passos desesperados atrás fugindo da cena com pressa, suas costas pressionando a porta enquanto caía com força no chão e seu corpo de supetão se ergueu em sua cama, engolindo em seco ao observar a escuridão de seu quarto.

Era um pesadelo.

Seu alívio foi tão tremendo que não se conteve de se mover em direção às portas de seu terraço e olhar através do vidro, não havia ninguém ali fora, nada era real... nada... Abriu as portas com necessidade de respirar um ar puro, as mãos pressionando no batente de concreto ao observar seu país diante de seus olhos.

Não ficou muito tempo naquela posição.

Sua mente repetia baixinho que estava ficando maluca ao entrar em seu quarto, trancando as portas e conferindo duas vezes se estavam mesmo trancadas e impossíveis de serem adentradas.

Sabia que sua noite estava arruinada, não iria conseguir fechar novamente os olhos com medo de ter aquelas cenas repetindo em seus pesadelos, além disso não conseguia mensurar o caos que estava em sua mente ao pensar que o conteúdo daquela conversa podia ser fruto de uma verdade proibida.

-

No silêncio que me aterrorizava de minha sala movi as fichas pessoais de Lauren Jauregui para verificar com o que estava lidando. Que raios estava falando sobre intersexualidade? Nada daquilo estava indicado em suas fichas de saúde, não era uma clara informação que pediam o ingresso no país, não tinha relevância se não afetasse sua realidade.

A única informação relevante daquele tópico era que o meu vinho afetava a ela como afetaria um homem. Qual o sentido de algo como isso estar acontecendo? Como é possível? Pensar na situação me trazia a incômoda percepção de que tudo o que era atribuído de positivo ou negativo na ingestão daquela bebida ela absorveu em nossa conversa reservada. Saber da informação me deixava ansiosa, um pouco estressada era verdade, não saber exatamente o que acontecia me causava isso.

Não podia tê-la obrigado a revelar algo como aquilo antes, seria estúpido, era pessoal demais.

Tão estúpido era ainda a realização de que estava mentindo para mim com Normani encobrindo seu encalço, como uma confidente de loucuras a serem realizadas. Não estavam em um relacionamento, ou em amor compartilhado. Cerrei o olhar, sentindo meus lábios dolorosamente pressionados com irritação.

Eu estava incentivando todo o teatro, sou uma idiota.

Não sei nem mesmo começar a listar o que mais me deixava confusa naquela situação, mesmo que comece a entender que a entrada de Lauren neste país tenha sido um erro.

"Eu me sinto atraída por sua chefe e esse vinho potencializou muita coisa que agora me faz sentir bem idiota."

Essa mulher estava vivendo em uma insanidade por sequer proferir algo como isso em voz alta.

Olhei as fichas profissionais e percebia informações inegáveis, a desgraçada era brilhante profissionalmente. Tentei me focar naquilo que no momento me tirava mais a atenção, o tópico biológico sobre sua saúde me incomodava, ao fato de delirar sobre minha pessoa não me corrompe neste momento.

Normani deixou claro que era impossível, ela não pode fazer nada.

Os dois toques rápidos na porta me fizeram mover as informações espalhadas por minha mesa para a primeira gaveta, observando a entrada com atenção.

Entre. - Permiti observando Normani entrando em minha sala sorrateiramente. Sua face não expunha a mentira, e a capacidade de fazê-lo era o que me irritava.

As coordenações do jantar para essa noite no restaurante às margens do Nilo estão prontas. - Avisou.

Ótimo, se tudo ocorrer seguramente é o que me importa. - Falei voltando a me aconchegar em meu lugar, fingindo que olhava a um documento qualquer indiferente diante de mim.

Está tudo bem? - Ela perguntou, não me permiti olhar para sua face ou revelaria o que sentia sem pensar.

Perfeitamente, noite passada foi agradável? - Custou-me muito para não soar um pouco mais ríspida que o usual.

— Sim, fico grata por isso, alteza.

Como era capaz... Não me revelaria nada? Sequer as insanidades que ouviu? Não me preveniria diante da possível loucura de sua "colega"?

— Lauren apreciou de seu vinho.

Segurei a vontade de rir em escárnio a sua fala.

Ah, eu tenho certeza que sim, não são tantos que podem apreciá-lo como ela pôde. - Falei elevando meu olhar a sua face, e ela concordou dando um leve sorriso sem graça de canto.

— Precisará de ajuda para se arrumar essa noite?

— Não, será Najwa que irá me vestir essa noite, preciso de ajuste na roupa. - Respondi voltando meu olhar indiferente ao papel qualquer em minha mão.

— Certo, estarei esperando com Akil pela nossa saída quando estiverem prontos.

— Sei que sim, até.

Minha resposta a fez partir enquanto me levantei de minha cadeira sentindo a quentura da irritação borbulhar por minha pele. Não falou nada.

Olhei através da janela aos jardins de minha casa. Há esse pressentimento terrível de algo que está para acontecer, depois de tantos anos sobrevivendo em meio as minhas paranóias, aquela sensação era certeira como poucas coisas em minha vida, e incomodava muito ter plena noção de que por um instante estava cega de perspectiva.

Ser feita de idiota não era algo que me agradava ou a qualquer um, porém, como vou lidar com as informações que sei é o que vai determinar para mim como devo encerrar essa história.

Minutos mais tarde Najwa me ajudou brilhantemente a vestir adequadamente para aquele evento, era importante para mim que pudesse ter um momento como aquele fora de casa. A falsa sensação de liberdade comprada por algumas horas me faria bem, talvez seja isso que eu preciso depois de tantas informações loucas acontecendo em sucessão.

— O cinto está apertando? - Najwa perguntou observando-me. Olhei a minha cintura, o cinto em couro sintético não apertava tanto, estava tudo bem.

— Não está, aprecio sua ajuda. - Falei notando seu cumprimento em retorno.

Najwa é uma doce e talentosa mulher, suas habilidades entre desenhos e cortes de roupas chamou minha atenção em uma das raras visitas que fiz a uma destas galerias de produtos para turistas vendidos nas ruas. E sua filha era cúmplice do desenho eterno que carregava nas costas, herdou-lhe os bons dotes de traços firmes e profundamente talentosos.

Music on* Sabrina Claudio - Cross Your Mind (English Version)

Encarei meu reflexo no espelho por segundos e me deixei caminhar em direção ao saguão principal, estava pronta. Astrid estava ao lado de Christine, a divisão de escolta seria em três, não que não pudesse levá-las juntas em meu carro, só não era adequado colocar alguém em perigo no mesmo carro que eu.

Todas estavam ali, com exceção de uma. Minha esperança reacendeu para uma noite tranquila, talvez ela quisesse ficar.

Seria positivo se não fosse.

— Onde está a Senhorita Jauregui? – Tentei olhar melhor entre as mulheres para não admitir meus delírios.

— Ela ainda não desceu, alteza... deve demorar alguns segundos. – Astrid foi rápida em reiterar, me fazendo franzir os lábios em desgosto a nova informação.

Só podia ser. – Clamei percebendo o pequeno desconforto da princesa belga notando que nada parecia ter evoluído em meu apreço quanto a sua historiadora convidada. Muito menos agora que ouvi tantas loucuras sem sentido.

Desliguei-me do mundo à minha volta, perdendo o olhar em meus seguranças aflitos pela nossa saída, isso sempre antecede minhas saídas de casa. Talvez em algum momento sejam capazes de dar-me logo um fim para que a agonia de seus dias seja amenizada. Ironicamente? Eu não suportaria viver o que vivem.

— Ah, ali está... ainda bem. - A voz aliviada de Astrid me fez virar para observar do que falava.

Soltei um suspiro resignado, perdendo o olhar no hijab em seus cabelos. Usado naquele momento para fazer alusão a alguma espécie de respeito, e era o que mais me incomodava nela, em como o usava em si, em como se adequa tão bem como duas peças encaixando, me despertou o incômodo imediato, daqueles de sentir o frio preencher minhas palmas mesmo tão protegidas em minhas luvas.

Qualquer daquelas historiadoras, daquelas mulheres me tecendo e expondo respeito a meu país e a minha cultura se tornava bonito, sutil, soava certo porque nada daquilo se encaixava no que eram, no que expunham como significado de suas próprias vidas, não era possível que despertasse uma vertigem sequer de incômodos.

Mas a sua imagem caminhando com tantas certezas alimentando suas passadas e seus olhos convictos, preenchidos de lápis preto, parecia tão certeiro, tão adequado para si que me alimentava dos incômodos silenciosos que me preenchia. Ela se aproximou o suficiente para olhá-la de perto, centímetro nenhum do tecido deslizou por seus cabelos, ficou onde estava, como se fosse parte de si...

Eu podia pedir que retirasse, mas ela não entenderia.

Ninguém entenderia, era claro, ninguém havia escutado o que escutei na noite passada.

— Desculpe fazê-las esperar. - Se antecipou em preencher o silêncio que moveu com sua contemplação.

Não lhe respondi, me mantive em silêncio porque sabia que nada sairia por minha boca naquele momento se não um pedido para que não estivesse daquela maneira. Estava inserida absolutamente naquilo que eu sou, tão assustadoramente que minhas exigências mentais eram absurdas, tão irritadiças e tão incômodas...

Não desejava que soasse tão adequada, tão inserida como uma parte daquilo que representava o que sou. Era impossível evitar os pensamentos, a falsa sensação de pertencimento esquentou-me a ponto de olhar para os lábios dela, rubros como sangue.

Dessa maneira, ela é tão...tão adequada...

Dei-lhe as costas em silêncio e me afastei, era uma aversão tão física que se tornava incompressível.

Sentei sozinha em meu carro, olhando para minha casa através da janela. A história toda é incompreensível, como pode haver alguém tão irritante? Que tudo em si soasse tão ruim? Tudo nessa mulher incomoda, seja por se achar uma intelectual desde o principio, seja por suas confusões destemperadas para uma Doutoranda.

Seja pelo seu desejo repentino e inadequado de desvendar aquilo que eu não quero.

Tentei dedicar meus pensamentos a noite em nós mulheres estávamos vivendo, mesmo que os pensamentos que incomodavam só estivessem adormecidos. Não quis exigir ao dono do restaurante um incômodo com seus clientes fiéis de todos os dias, então pedi que Normani reservasse apenas a ala externa com vista ao rio, para que pudéssemos ter um tempo de descontração sem incômodos.

Pareciam ainda não entender o princípio completo de meu convite, então ao me sentar entre elas, pude relembrar do que desejava falar.

Não sei se sabem da grande dificuldade que é ser mulher aqui no Egito, mas eu sempre comemoro essa data em anos porque considero intimamente importante exaltar de jeito especial o que a força feminina sempre representou na minha vida além de um conceito equivocado de sexo frágil que a sociedade que me cerca dispõe. Podem pensar que é uma loucura eu ter me deslocado de casa até aqui com vocês ao invés de pedir que as minhas meninas, dentro da seguranças de minha casa, façam comida para nós como todos os dias, mas é sobre meus princípios e hoje nenhuma delas trabalham porque estão se dedicando a si mesmas como eu sempre desejo que o façam em datas especiais. Aproveitemos bem essa noite que é especialmente nossa. – Falei sentindo seus olhares animados em mim.

Talvez não parecesse, mas datas assim eram significativas ao extremo para mim, podia lembrar de mim mãe e a maneira como ela sempre fazia um jantar especial para as meninas que trabalhavam em nossa casa. Ela pedia que elas levassem os filhos para comer conosco em noites como essas, sempre iam dois meninos tão pequenos e magrinhos nos últimos anos de sua vida, ela sempre estava disposta a presentear os filhos das funcionárias.

Davam-lhe dinheiro escondido do meu pai, fingindo que eram para vestidos novos ou jóias que nunca apareciam entre sua vasta coleção, ele nunca percebeu. Desejava que fosse um pouco daquilo que minha havia sido em sua vida, fazia-me refletir sobre o quão diferente nossos caminhos haviam sido traçados.

— O vinho é produção sua, Alteza? - Christine perguntou animada, me trazendo a realidade novamente.

— Sim, a produção é mais segura para consumo, somente às mulheres podem beber a minha presença. Homens embriagados não são boa companhia. - Não era o motivo real, porém não havia ninguém que pudesse provar o contrário, então eu mentia.

— Isso é muito especial, e tem um sabor incrível, como poucos vinhos de Porto me fizeram sentir! - Seu elogio me fez assentir ao elogio, se pudesse ver meu rosto notaria que esbocei um pequeno sorriso. Havia me esforçado para encontrar o melhor sabor que podia, dentre as melhores uvas que podiam ter nas regiões que entornam o meu país, desejei na época que fosse bom e efetivo.

Não funcionou como a meu avô, continuava sendo incapaz de ter um filho depois de todos aqueles anos, mas ao menos tinha um bom sabor, era o que lhe restava.

Christine em seu ritual educado ofereceu da garrafa de vinho para cada companheira, mas um movimento em especial me chamou atenção.

Vinho? – Sua sugestão me fez olhar da garrafa à reação da historiadora com curiosidade. O que faria? Mentiria que não bebia? A situação de encurralamento sem que planejasse me divertiu a ponto de não tirar meus olhos da conversa. Se havia a possibilidade da palidez tocar mais sua pele, ali estava, só faltava enterrar.

Quero sim, mas acho que vou retocar minha maquiagem antes. – Sua mentira foi seguida de seu corpo se levantando, caminhando em direção ao banheiro, mas antes ela ainda conseguiu trocar um longo olhar com Normani. Sua cúmplice em ação para acobertar sua situação de encurralamento com o vinho que lhe "mal" agora.

Retocar a maquiagem? Sinceramente, ela já foi melhor em mentir em outras situações.

Elevei a mão para Akil depressa, pedindo que ele se aproximasse para me ouvir. Seu movimento impediu que Normani pudesse deixar-nos sozinha, visto que não havia mais ninguém para vigiar além deles.

Ele curvou e eu movi meu rosto para falar próxima a seu rosto, direcionada a sua orelha.

Avise sua irmã que eu quero ela exatamente onde ela está, sem mover um centímetro sequer, pois é ela que me dá segurança total no que faço. – Ordenei observando Normani olhar a nós e depois colocar as mãos atrás das costas observando o mar à sua esquerda.

— Sim, alteza. Mais alguma coisa?

— Não, volte ao lugar. –Pedi. Notando o olhar de Astrid, sorri mesmo sabendo que ela só podia ver pelos meus olhos e elevei a taça em um brinde singelo quebrando o gelo da situação. A maneira em que Akil se aproximou de Normani lhe proferindo o comando me agradou a tal ponto de lhe erguer a taça também, sabendo que ela entenderia o recado.

Normani não é burra.

— Na próxima expedição estará conosco, alteza? - Astrid perguntou, sua animação vinha do pouquinho de vinho no sistema ou na reunião de tantas mulheres brilhantes? Não sabia definir...

Sem dúvidas, não perco a próxima expedição por nada. - Afirmei notando a historiadora Americana voltando no final do saguão. Sentou em seu lugar e virou a taça tão teatralmente que somente um idiota não notaria que estava fingindo. Apenas molhou os lábios e me olhou em uma fuzilante necessidade de descobrir quem rompia seu plano perfeito.

— Estamos muito felizes de saber que virá na excursão conosco a El Kab, alteza. – Astrid reafirmou bebendo mais do vinho, a maneira em como soava repetitiva afirmava que talvez estivesse inicialmente embriagada. O vinho era encorpado, forte...

Quero ficar de olho bem de perto no que fazem. É um prazer. – Falei devolvendo a taça à mesa, não me permitiria mais um segundo sequer de embriaguez. As historiadoras brilhantes, uma segurança desesperada, uma idiota que fingia beber... Que noite incrível. Não entendia porque me incomodava tanto o fato de ter mentido com Normani, de todas as insanidades que havia ouvido noite passada, aquela tocava no ponto mais frágil de meu desgosto.

Talvez pela certeza de que as outras realizações fossem impossíveis de acontecer.

Christine.

— Sim?

Troque de lugar comigo... – O pedido me fez olhar para ela, se erguendo de seu lugar e caminhar para sentar exatamente à minha esquerda.

— Alteza... – O chamamento tão próximo me deixou ansiosa, apertei minhas mãos contra os joelhos evitando demonstrar que me sentia tão desconfortável.

Algum problema acontecendo? – Perguntei de praxe, tentando manter meu tom de voz calmo e minha postura congelada. Ela negou, pareceu custar-lhe alguns segundos a mais de conspiração.

— Ursel me contou que um jornal americano precisava de um historiador para assinar como chefe de expedição sobre a sua história publicada. – Não esperava que algo como aquilo saísse de sua boca naquela conversa.

Sim é verdade, mas até agora não quiseram assinar por medo. – Não era uma novidade, eu não estou tentando bancar uma heroína moderna, era somente uma maldita assinatura.

Eu fiquei sabendo disso por ela, estão temendo por suas vidas...

Coisa que qualquer ser racional faria, diferente de você, Lauren Jauregui...

— Inteligentes são eles de não investirem em propostas que os tornem mira e puro suicidas. – Ironizei notando-a tentar se aproximar tanto que cerrei o olhar para o movimento, a temeridade me fazendo afastar o rosto ligeiramente.

Já sou mira o suficiente, eu quero assinar a matéria. – Seu senso de loucura tinha limites? A conversa com Normani em que ela revelava tantas coisas tinha impacto naquilo? Por que estava fazendo algo como isso? Interesse?

— Estará apertando o gatilho de seu suicídio. – Relembrei, tentando trazer alguma racionalidade para ela. Eu preciso da assinatura, mas se há um poder de escolha eu não quero que seja ela, não desejo dever nada a Lauren Jauregui para ter que pagar com seja o que for. Ela não é uma pessoa a qual eu confie dever alguma coisa.

— Se não vou sair daqui, ao menos eu faço algo que preste que me deixe ser um pouco lembrada depois da morte, não vou morrer como uma qualquer.

Olhei discretamente a nossa volta tentando compreender se alguém ouvia suas insanidades, mas ela falava baixo, escondendo a fala de quem fosse motivado por curiosidades. Entregava-se tão fácil a possibilidade de sua morte que não fazia sentido, estou acostumada a ter esse tipo de inconsequência sem medir somente dentro de minha cabeça, notar que haviam pessoas semelhantes e exageradamente piores me fazia confusa.

Havia uma típica presunção em seu comportamento, se quer bem saber... é isso que ilumina os olhos verdes a me desafiar para uma proposta suicida que a inclua.

— Você é uma mulher muito presunçosa, Senhorita Jauregui. – Repreendi.

Não é isso alteza, só sei que sua cabeça vale milhões...

— E está entrando na disputa para ter ela? – A ironia da minha provocação vinha do fato de que ela idealizava demais. Uma eterna sonhadora, devaneava sobre o impossível. Não teria minha cabeça em qualquer hipótese que fantasiasse.

Isso é uma piada, sorri do fato de ser tão impossível...

Eu escolhi você para estar ao lado, posso não ser uma segurança forte e cheia de habilidades físicas, mas eu vi como você e seu marido eram em uma fotografia e nunca vi nada tão lindo. – Sua menção a Hamid me fez olhar para sua face com urgência, sentindo o sorriso esmaecer de meus lábios, sentia as palpitações nervosamente oscilar por meu peito, era muito raro que qualquer indivíduo conseguisse me desestabilizar mencionando meu marido, eu sabia que sempre tentaram, mas naquele ponto ela atingiu em cheio.

Quero te ajudar de alguma forma, talvez esse seja um propósito bom para minha vida. Não avise ainda que quero assinar, me deixe reunir com o presidente casualmente, me deixe ouvir a proposta dele, ele deve querer profundamente que eu te engane e me infiltre... deixe que eu aceite antes dele sentir a verdade. – Ela parecia tão fervorosa naquilo, me fazia até pensar que se estivesse assim tão perdida naquela conversa ela estivesse investindo nisso como se fosse seu próprio propósito.

Eu não tenho nada, talvez Normani somente para cuidar e nada além, mas ela... ela tem família e um futuro a construir, porque uma anseio tão grave a se entregar? O que sentiria seus pais se tivessem uma filha perdida? Em meio ao perigo de um país desconhecido, nas mãos de um insano ditador que morreria todas as noites se fosse possível pelo poder.

— Você é suicida, mulher... Devia ter seguido os conselhos de sua mãe. – A lembrança veio como forma de repreensão a seus pensamentos, devia pensar em seus país em primeiro plano, não em uma vida louca de insanidades sem pensar quando se tem tudo. Ela tem tudo o que precisa nesse momento, o que mais deseja tanto para que faça tantas loucuras?

Em algum momento seu cerco vai fechar, é melhor saber de uma vez por todas o que aquele homem quer comigo, se ele vai me matar de qualquer jeito, que seja... Deixe que eu assuma que estou do seu lado. – Sua resposta pareceu me trazer um direcionamento estranho da minha pergunta. Eu preciso dessa informação, sobre os anseios corretos de Al Sisi sobre a proximidade dela, mas eu não vou usar essa mulher como isca para conseguir o que quero.

Mesmo que ela queria bastante se colocar em risco e o seu fervor nesse ato me deixe confusa, porque não há muitos que tenham sido corajosos até aqui para tomar responsabilidades que são minhas para se portar como um aliado. Há Dayna e Omar que são amigos fora dos holofotes, tenho certeza que não arriscariam suas cabeças pela minha vida, isso é estupidez.

Sou má com você e mesmo assim teima em me ajudar... talvez não seja falta de amor próprio? – Queria que fosse um pouco mais honesta em suas respostas que se referiam a minha proteção. O que quer realmente? Qual é a sua intenção com a proximidade e coragem louca para me proteger que não esteja envolvido com intenções desviadas?

Eu ouvi tudo, sei que tem intenções.

— Não sou mulher de devolver na mesma moeda, alteza. – Não esperava que respondesse aquilo. Somos sim absolutamente diferentes, não há nada em mim que seja sequer próximo ao que Lauren representa, ela é uma Americana que vive uma vida de liberdades, e eu sou uma assassina.

Ela sorriu, dando de ombros para a maneira em que parecia satisfeita com sua resposta.

Olhei a seu rosto, focada nos olhos delineados, como os meus estavam... esperava orgulhosamente, sustentando a feição com uma postura desafiadora, usava vermelho na boca, como eu. A realidade em que era mais semelhante do que eu podia prever me fez queimar as bochechas.

Desgraçada.

Elevei de meu lugar tentada a pedir que pudéssemos ir embora naquele momento. Normani me encontrou no corredor ao caminhar em direção aos banheiros, suas mãos vindo a minhas costas para me guiar com cuidado e discrição.

Está se sentindo bem, alteza? - Sussurrou próxima ao meu rosto.

Ficarei, me deixe sozinha. - Pedi me afastando dela para entrar no banheiro.

Respirei fundo ao me certificar que estava sozinha naquele ambiente, sentindo aquela confusão lancinar em dor nas minhas têmporas. Minha vida sempre foi confusa, entender muitos aspectos que a envolvia era difícil, o motivador dos meus perseguidores era o dinheiro, o poder, queriam extrair aquilo de mim com tudo o que tinham.

Mas a apreciação era nova, eu não tenho apreciadores, não honestos ou que precisam de mais elementos do que me definem de verdade, beleza ou dinheiro não era uma opção, porque o dinheiro alimentava o poder e como é verdade tudo o que precisam de mim é o poder. Ninguém necessita olhar para minha face e investigar o que podem ter de mim diferente disso.

E por algum tempo eu sempre paguei por isso, consegui capturar meus alvos com o dinheiro fácil, minha identidade revelada não era nada para ninguém. E aqui estou, tentando mensurar o valor que somente eu tenho para que seja fruto de um pagamento tão caro que não envolva dinheiro, para que custe tanto a alguém uma troca sem propostas a ponto de agir como uma suicida.

Desejaria em outro cenário que fosse mais honesta em falar o que realmente queria para que pudesse logo negar sem tentar interpretar as segundas intenções alheias. Mas talvez essa seja uma verdade a qual eu não esteja pronta para ouvir, uma torrente de diretas me faria surtar somente por cogitar tê-las ouvindo tão claro.

Pensar em uma troca que o produto do pagamento não envolvesse um milhão de dólares brutos e sim a mim, me deixava tão zonza a ponto de apoiar minhas mãos na pia do banheiro. Só há uma maneira que a faça partir para que os incômodos em não saber suas reais intenções me abandonem de vez.

Preciso entregar-me como o produto da troca, preciso entregar meu rosto.

Twitter: kcestrabao

Continue Reading