Cabra de Bigode - e outras hi...

By rebelarte21

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O que um cangaceiro, uma assombração, um marido infiel ou uma criança curiosa têm em comum? Nada, é claro! Me... More

Cabra de Bigode
A loira do banheiro
A vez do cobrador
Dúvida de criança
O franco-atirador
Estrada a Peripoara
Sobre o autor

Olhar de Capitu

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By rebelarte21

– Bati – disse Márcio, largando as cartas na mesa. À sua esquerda Jaqueline fez beicinho, dando a entender que estivera prestes a levar a mão. Desapontado, Cristiano também deixou suas cartas deslizarem pelos dedos. Não sabia da esposa, mas para ele faltou muito pouco. Qualquer carta de espadas, um sete ou um dez, e a rodada seria sua. Mas Márcio, sempre mais sortudo, vencera outra vez.

– Como eu dizia – Natália, esposa de Márcio, foi juntando as cartas, indiferente a outra jogada perdida – Tem uma lojinha lá na praia do Campeche que é uma graça. Chapéus, tangas, toalhas, tudo feito pelos artesãos e rendeiras da ilha. E não é caro. Você ia amar, amiga.

Cristiano não prestou atenção. Reparava no jeito de Márcio, seguro, com um otimismo inato. Era um bom amigo, sem sombra de dúvida. Mas às vezes sentia inveja dele, do seu emprego perfeito, da sua lista de habilidades interminável, indo desde o domínio no carteado até a aptidão com a bola nos pés. Tinha também uma personalidade magnética, capaz de fazer amizades com a mesma facilidade com que imantava o sucesso.

– Puxa que legal, quero ir lá contigo – Jaqueline tagarelava enquanto ia cortando as cartas – Mas só depois de irmos no shopping. Quero tua ajuda pra escolher uns vestidos.

Escolher vestido! Cristiano Sabia bem o porquê. Jaqueline estava ficando gorda e precisava comprar a roupa certa, capaz de esconder os quilos a mais. Cristiano suspirou. Aos poucos, ela deixava de ser a mocinha adorável com quem decidira se casar. Não eram só as gordurinhas, mas o mesmo jeito de sempre, as mesmas caretas e trejeitos, a mesma rotina maçante e massacrante, ano após ano. Quando o padre lhe perguntara se aceitava, deveria ter aberto o jogo: sua jovem, linda e tarada Jaqueline, com o passar dos anos, se converterá numa velha, frígida e feia Jaqueline.

– Lembrem-se, viemos pra deixar de lado a civilização e curtir a natureza – Márcio disse, como sempre fazendo uma observação inteligente. Já estava distribuindo as cartas, e logo Cristiano tinha as onze à mão para a próxima rodada da canastra. Ainda não havia ganhado nenhuma, e já estava tarde da noite. Não que o horário fosse problema, pois afinal estavam de férias, ele, Jaqueline, Márcio e sua esposa. Estavam em Florianópolis, longe dos problemas e da poluição da caótica Porto Alegre. Há muito planejaram esta viagem. E era hora de, enfim, vencer sua primeira mão da noite.

– Esta ilha é maravilhosa – Márcio se dirigiu a todos – Mas queria que o dólar baixasse logo pra podermos voltar a viajar pelo exterior. Não vejo a hora de regressar à Itália.

– Ah, nem me fale – Jaqueline falou bem alto, escandalosa – Quero fazer compras em Milão pra ficar de novo na moda!

De novo não prestou atenção na esposa. Nem bem havia organizado suas cartas quando percebeu, à sua direita, o olhar que mudaria para sempre sua vida. Era Natália, que o observara de soslaio com a expressão afiada de uma felina esfomeada. Foi apenas por alguns segundos, tempo suficiente para deixá-lo perturbado.

– Pena – Márcio exclamou – não tenho nenhum coringa comigo. Chance para vocês.

Cristiano ficou pensativo. O que significara aquele olhar cor de mel? Com cautela, observou-a uma vez e depois outra. Natália, porém, agora estava focada somente no jogo. Mas lhe pareceu que ela, mesmo voltada às cartas, seguia observando-o pelo canto da vista, exercendo a arte da observação discreta na qual as mulheres eram especialistas. Cristiano estava chocado. Estaria Natália, a esposa de seu melhor amigo, interessada nele? Não, bobagem! Ela queria apenas ler nos olhos do adversário se o seu jogo era bom. Só podia ser isso. Ou não.

– Bati – Jaqueline anunciou com um gritinho de satisfação, deitando as cartas à mesa. Uma trinca e duas sequências, forradas por dois coringas, aqueles que faltaram a Márcio. Jogada de sorte da esposa. Mas Cristiano não sentiu por ela nem orgulho nem alegria. Apenas pensava no olhar.


---


O novo dia trouxe o velho marasmo de antes. Jaqueline insistiu para Cristiano acompanhá-la numa caminhada na praia. Programa enfadonho, mas que a ela parecia ter a emoção de um safári. Cristiano sentia-se um velho ao lado daquela velha, ainda mais quando pensava o quanto Márcio e Natália estariam se divertindo na longa e desafiadora trilha rumo à isolada praia da lagoinha do leste. A companhia de Jaqueline ia de mal a pior. Culpa talvez do verão, das praias e da farta variedade de curvas femininas bem torneadas e desprovidas de panos, em flagrante contraste com sua gorda e envelhecida companheira. Mas o que podia fazer? Como dizia o padre, "o que Deus uniu o homem não separa". O mesmo diziam seus pais e os amigos do círculo da igreja. Isto o torturou pelo dia inteiro, até a noite os devolver à companhia do casal de amigos.

O entusiasmo de Márcio veio como um tônico, fortificando-lhe as alegrias. No jantar os dois só falaram de futebol. Estavam animados com a excelente fase de seu time, em contaste com a catastrófica crise vivida pelo grande rival. Tudo ia bem, na amena normalidade de sempre. Mas então, na hora de cuidar das louças, aconteceu de novo. Estavam todos conversando, Cristiano secando os pratos, quando a esposa do amigo se aproximou para guardar um maço de talheres na gaveta. Num relance, lá estava mais uma vez diante daquele olhar oblíquo e dissimulado, anunciado por um providencial toque no ombro, discreto, porém suficiente para atrair sua vista embaraçada. Jaqueline tagarelou algo, ele não ouviu, o amigo fez alguma observação sobre o clima, também não prestou atenção. Pensou na mudança de comportamento de Natália. Ela andava mais quieta do que o normal. Seu jeito reservado, e mais recentemente, a persistente procura pelo seu olhar, deixavam-no confuso. Fiel à máxima "mulher de amigo é homem", Cristiano jamais prestara atenção em Natália. Só agora notava como ela parecia madura e independente, em contraste com a natureza boba e espalhafatosa de Jaqueline. Por isso o perturbava aquele olhar de Capitu, eterna incógnita da nossa literatura reencarnada na misteriosa atitude de Natália: seria ela capaz de trair? Mas o que o abalou de verdade foi a necessária recíproca: seria ele, Cristiano, capaz de trair?

– Aii, e aquele cachorrinho que encontramos perdido na praia... Tadinho. Deu até vontade de levar pra casa, não é mesmo amor?

Cristiano sorriu forçosamente à esposa. Esperou que ela se virasse em direção à geladeira para poder retornar suas atenções à Natália. Então, pela primeira vez, observou seu corpo com genuíno interesse. Foi só por um segundo, pois temia ser flagrado pelo amigo ou pela esposa. Mas foi suficiente para apanhar toda a exuberância daquele intrigante ser. Natália era bem mais nova que Jaqueline e estava em ótima forma, quase atlética. Era uma bela morena de pele bronzeada, alta e elegante, enquanto a esposa não passava de uma loira falsa branquela, gorda e insossa. Era difícil acreditar que a mulher de Márcio, sendo quem o amigo era, pudesse prestar atenção nele – seria como regredir, descer de nível. Mas talvez ela também estivesse entediada com os longos anos de casamento. Talvez ela também se sentisse oprimida pelo mesmo rígido decreto sacerdotal de dormir pelo resto da vida com o mesmo homem, e portanto visse no amigo do marido a oportunidade de uma escapadinha. E haveria melhor oportunidade para isso do que naquelas ardentes férias de verão na praia? Cristiano estava desnorteado. Nunca pensara em ideia tão sórdida e ao mesmo tempo tentadora.

Mais tarde, ao pôs a cabeça no travesseiro, ao invés do sono veio-lhe a lembrança de Natália. Delirava ante a perspectiva de possui aquele corpo, a pele morena, aquelas curvas. Apreciava mulheres ousadas e determinadas, por isso a atitude de chamá-lo a esta aventura proibida prometia ser inesquecível. Mas não estaria vendo coisas? Não mesmo, não depois daquele segundo olhar. Ela estava ali, no outro quarto, desejando-o. Bastava ele querer. Ainda resistia, lembrando do juramento "até que a morte os separe", mas o ronco da esposa ao lado de nada ajudava. Olhou para ela. Jaqueline dormia de boca aberta, a papada enorme, as rugas se disseminando. Como ela estava horrível e velha! Era muita crueldade ter de se contentar, pelo resto da vida, com alguém assim. Não queria pedir o divórcio, só se divertir um pouco. Tanta gente fazia isso, por que ele não? Ele, sim! Cristiano tomou sua decisão, e um calor encheu-lhe o peito, trazendo uma emoção juvenil há muito esquecida. Sua mente funcionou a mil, arquitetando o plano nos mínimos detalhes. E só depois de arrumar tudo na sua mente, conseguiu pegar no sono.


---


O que passa na cabeça de quem decide trair? Foi a pergunta que se fez na manhã seguinte, quando a presença de Márcio e Jaqueline na mesa do café o levou a envergonhar-se dos planos da noite anterior. Na verdade, não havia motivo para se envergonhar. Todos têm o direito de fantasiar de tempos em tempos, do contrário a vida seria insuportável. Mas a propósito, onde estaria Natália?

– Ela saiu mais cedo pra tomar sol na praia – Márcio contou.

– Puxa – Jaqueline ficou emburrada – justo hoje que eu ia no shopping ver os vestidos. Você vem comigo, mozão?

Cristiano lembrou-a do futebol marcado com Márcio e a turma que o amigo conhecera na trilha.

– Assim vou ter de desistir – Jaqueline fez beicinho, encolhendo-se.

– Não fique assim, querida. Olha, eu te encontro na loja depois do futebol, e aí te ajudo a escolher as roupas. Pode ser?

– Sim! Combinado! - e levantou-se da mesa aos pulinhos para ir se arrumar.

Por que havia dito aquilo? Sempre odiou ir na loja com Jaqueline, e agora se dispunha a ir com ela. É que fazia parte dos seus planos agradar a esposa para não despertar suspeitas. Não! Não havia plano algum, pensou enquanto reparava na alegria de Márcio, os dois indo a pé até o campo de futebol. Só estava cumprindo seu papel de marido. Era justo que Jaqueline, e não só ele, aproveitasse as férias. Mas no caminho do campo, atravessando a praia, cruzaram com Natália. Ela estava num biquíni estonteante. Sorria muito, e caminhava de um jeito que parecia desfilar na passarela. Trocou umas rápidas palavras com o marido. O sol do final da manhã estava muito forte, ela estava voltando pra não se queimar muito. Ainda sorrindo despediu-se dos dois, e Cristiano teve a certeza de que ela piscou-lhe por baixo dos óculos de sol. Mas não perdeu tempo com pensamentos. Correu junto com Márcio para não perder o início do jogo, e os dois chegaram bem a tempo do pontapé inicial. Logo no começo Cristiano correu em disparada atrás de um lançamento difícil, levando a mão à coxa. Voltou do lance caminhando com dificuldade, e até disputou a bola no meio de campo. Mas quando um contra-ataque do adversário obrigou-o a correr mais uma vez, foi ao chão levando as duas mãos à coxa. O jogo parou, todos esperando para ver se ele poderia continuar. Cristiano até tentou colocar peso na perna, mas fez cara feia sacudiu a cabeça em negativa. Saiu do campo mancando, deixando o time desfalcado de um jogador. Preocupado, Márcio foi atrás:

– Nem te estressa – Cristiano disse, contendo a dor – Só pode ter sido a caminhada na areia fofa, acabou me dando um mau jeito. Logo passa.

O amigo, porém, estava decidido a ajudá-lo até em casa. Não podia deixá-lo voltar assim, pulando feito saci pererê. Mas os outros reclamaram, estava faltando jogador! Por isso Márcio voltou ao campo e Cristiano retornou sozinho, mancando.

Quando estava longe da vista, Cristiano parou de mancar e saiu em disparada. Não havia tempo a perder! O amigo jogando bola, a esposa no shopping, somente ele e Natália em casa! Como ela era esperta. Arranjou tudo com facilidade enquanto ele, burro como era, quebrava a cabeça com os planos mais mirabolantes. Abriu a porta. A casa estava em silêncio. Da porta fechada do banheiro vinha um vapor e uma fragrância agradável, indicando que alguém havia acabado de tomar banho. Ela estava esperando-o no quarto! Mas será que o esperava mesmo? Ora, pense! Depois de todos aqueles olhares sugestivos, da pose sensual e da piscada chamativa de logo cedo, e de como tudo se arranjava agora, teria de ser muito panaca para não perceber. Se titubeasse agora, não estaria à altura desse mulherão. Passaria o resto da vida lamentando o momento perdido. Não, mesmo! Deteve-se diante da porta do quarto, silêncio lá dentro. A expectativa deixou-lhe com o calção apertado, de forma que ele o tirou. Enfim descobriu o que passava na cabeça de quem decidia trair: nada de mais. Apenas a firme determinação de ver-se livre da vontade corrosiva, satisfazendo seu desejo. Levou a mão à maçaneta, girando-a com força.


---


Caro leitor, o que o espera daqui para a frente? Um final vexaminoso, na qual as tentações carnais sejam desmascaradas como a ruína do homem? Ou um final deveras lascivo, onde o pecado encontre nele próprio sua razão de ser? A alma humana é como um interminável labirinto de portas, nunca se sabe o que há na próxima sala – talvez um minotauro, talvez uma musa, talvez nada. Abrir portas erradas pode conduzir por caminhos tortuosos, quiçá sem volta, onde aguardam o vício, a desgraça ou a loucura. E, frequentemente, sequer dominamos nossos próprios passos! Mas esqueçam de Heisenberg ou de Schrödinger. Por mais (des)caminhos que se percorra, e não se conheça o ponto de chegada, toda caminhada sempre terminará nalgum ponto específico. Como a história de Cristiano. Sabes qual o final? Não. Mas sabeis que somente um final é possível – e, talvez, seja o bastante. Não pretendo, porém, dar resposta à secular pergunta: ela traiu ou não? Tal pergunta atravessará as eras sem resposta definitiva. Mas você, caro leitor, dono das chaves de portas de seu próprio labirinto, terá o poder de escolher seu próprio final.


UM FINAL


Levou a mão à maçaneta, girando-a com força. Deparou-se com Natália de costas, enrolada na toalha. Ela virou-se num pulo.

– Olá, gata. Você me queria, não? Pois bem, aqui estou.

– Por que demorou tanto, seu safadinho?

E deixou a toalha descer ao chão, expondo aos sedentos olhos de Cristiano a nudez completa de seu deslumbrante corpo. Sem demoras lançou-se a ela, e os dois se deliciaram de um néctar há muito não provado, o da paixão nova, casual e descompromissada.

Após voltarem pro sul, Cristiano passou a evitar os amigos do círculo da igreja, além da própria família, e nunca mais foi mais visitar Márcio. Este não conseguia compreender o fim da amizade. Mas a esposa do ex-amigo passou a ser sua companhia frequente durante as escapadinhas do escritório e as ditas viagens a trabalho. Até cansarem um do outro. Como ele previra, Jaqueline, mesmo sem descobrir a verdade, acabou por pedir o divórcio. Cristiano não se importou com isso. O que Deus une, os homens desfazem ao seu bel prazer, riu enquanto já pensava na bela secretária do escritório, também casada e que, outro dia, havia lhe observado de esguelha. Feito a fera que não consegue parar de matar depois de provar o sangue humano, Cristiano descobrira como um anel dourado na mão esquerda deixava as mulheres muito mais sensuais. O proibido é mesmo um vício insaciável.


OUTRO FINAL


Levou a mão à maçaneta, girando-a com força. Deparou-se com Natália de costas, enrolada na toalha. Ela virou-se num pulo.

– Olá, gata. Você me queria, não? Pois bem, aqui estou.

– Meu deus do céu – Natália levou uma mão ao rosto, a outra à toalha, escondendo-se do objeto armado que se aproximava, ameaçador. Ela se pôs a gritar, pedindo socorro.

– Mas... Mas você quis... Quer dizer...

Nisso, ouviu passos apressados. Era Márcio que chegava de súbito, apurado pelos gritos da esposa. Cristiano fora pego de calças curtas. Ou melhor, arriadas.

– Cristiano! Eu não acredito!

– Ahhhh, socorro, socorro!

– O que está acontecendo? – Jaqueline apareceu, saindo do banho – Jesus Cristo!

Cristiano fez que ia dizer algo, mas não conseguiu. As duas mulheres berravam histéricas, Márcio lhe dava empurrões e agitava-lhe os punhos. Cristiano só conseguia pedir a Deus para um buraco surgir sob seus pés, tragando-o para longe dali.

Após voltarem pro sul, Cristiano passou a evitar os amigos do círculo da igreja, além da própria família, e nunca mais foi visitar Márcio. Este só se arrependia de, na época, não ter um revólver à mão para matar aquele desgraçado. Mas a esposa do ex-amigo, esta cruzava de tempos em tempos com ele na rua, numa infeliz coincidência que só servia para lhe aguçar o arrependimento. Como ele previra, Jaqueline acabou por pedir o divórcio. Cristiano não se importou com isso. O que Deus une, os homens desmancham por conta da sua própria estupidez, repetia a si, tristonho e amargurado.

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