O nome da sombra - Crônicas d...

By FlaviaEduarda10

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Sombra já estava acostumada a ser apenas isso: uma sombra aos olhos da sociedade que a marginalizava há 9 ano... More

Reinado das sombras
Prisioneira de luxo
Cuidada e cheirando a rosas e lavanda
Mania do oráculo
Na escuridão
Mentiras
Calia
Entre uma coisa e outra
O castelo pela manhã
Cobras e outros animais
O treinamento
O belo mundo de porcelana
É necessário conhecer o oponente
Assassino
O último Galene
Apenas reparação
Pessoas e deuses
Espere o esperado
Confronto
Loucura da realeza
Ladra
Sombra
A entrada não é pela porta
Os dias 14
Curiosidade
Sobre um belo vestido vermelho
Os nuances sobre a verdade
Presente
Tudo que viera antes
O primeiro furto
O buraco
Contradição
O que faz uma resistência
Últimos preparativos
É apenas lógico
Propriedade (de ninguém) do reino
O que uma ladra faz? Ela rouba
Encontro inesperado
Decisões entre cartas e camarões
Hayes Bechen
Roubando um pouco de volta
O sacolejo do barco
A linha tênue entre bom e mau
Fogo e gelo
Bayard
Incapaz de ter um segundo de paz
O que há depois do rio?
A ladra nem precisou roubar
A realeza de Drítan
Drítan não gosta de estrangeiros
Deveria?
Diplomacia e chá
A biblioteca
Confusão e incerteza são certezas
A área particular
Uma flor do deus Ignis
A reação para a ação é justiça
A calmaria antes da tempestade
Todo o ar do salão
De respirar a se afogar em um segundo
Teria que ser tudo
Automático
Deusa da (justiça) vingança
Um é a ruína do outro
O fardo do saber
A compreensão de como uma fênix funciona
Reinando das Sombras

Limites

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By FlaviaEduarda10

Eu estava sob a mesa.

Sob a mesa como naquele dia.

Naquele dia há tantos anos.

"Acorde, Calia"

Por que? O que está acontecendo?

"Esconda-se, venha." –sua voz começava a me assustar, tão desesperada. Ela sempre fora calma

Mãe, estou com medo.

"Só fique escondida" Ela pegara meu corpo pequeno e me colocara sob a mesa da sala, um canto bem escuro na nossa casa, onde eu costumava ficar quando brincávamos de esconde-esconde. Era perfeito para ver o que acontecia ao redor e ninguém conseguia ver ali embaixo. "Não saia daí, não faça nenhum barulho." Ela se endireitou, virou para a porta e notei pela primeira vez os sons. Notei quase no mesmo tempo que notei as lágrimas, tanto em sua face quanto na minha e ela se virou para mim mais uma vez, sussurrando: "Aconteça o que acontecer, não saia daí, meu amor."

Eu não podia sair eu não podia sair eu não podia sair eu não podia sair.

Mas eu já tinha 17 anos agora e as lágrimas ainda estavam aqui, dessa vez só as minhas.

Tentei abafar o som, tampando minha boca, porém era difícil de respirar. Eu não podia fazer nenhum barulho. Não podia sair dali, ele me descobriria.

E eu não conseguia ficar lá também, agachada, sob sua mesa. Não aguentava mais aquilo.

Levantei de supetão, me surpreendendo tanto quanto Nikolai, sua mão flertando com sua espada ainda na bainha, seu olhar me escrutinando. Não tinha como esconder minha cara de choro, mas não queria parecer mais vulnerável do que já estava, trincando meu maxilar, minhas sobrancelhas tensionadas.

Sua face era indecifrável, parecia que eram muitas informações ao mesmo tempo e ele não sabia com o que lidar primeiro.

–O que você está fazendo aqui? –Sua voz saiu um tom mais grave, autoritário, contudo, eu notara sua hesitação. Ele estava incerto sobre aquela situação. Éramos dois.

Puxei ar para os meus pulmões, soltando a única coisa que consegui pensar em dizer-lhe.

–Você é um assassino. –Minha voz quase não saiu, me perguntei se ele teria escutado, eu mesma não tinha certeza se realmente dissera aquilo ou se fora apenas na minha cabeça, o único indício de que ele ouvira foram seus olhos, lutando em surpresa e conformação, seu foco desviando pela primeira vez de mim para as folhas à minha frente, bagunçadas sobre a madeira escura.

Ele parecia congelado, parado, quando dei a volta evitando seu olhar e fui rápido em direção a saída.

Cheguei em meu quarto e coloquei uma cadeira sob a maçaneta, para que ninguém entrasse aqui agora que a porta não estava mais trancada.

A voz dela ainda martelava em minha mente, meus dedos tremiam e minha respiração saía ruidosa, minha memória me dizendo aquelas palavras.

Já sei o que eu precisava fazer para não escutá-la chamando meu nome me pedindo para acordar –simplesmente não dormir.

____________

Acordei com minhas costas sacudindo e a voz de Cordélia abafada e distante chamando por mim.

Claro, eu dormira sentada no chão, meu tronco apoiado na porta com a cadeira ao meu lado impedindo-a de ser aberta. Não queria ir para a cama, meu corpo se entregaria muito fácil para o cansaço, fiquei caminhando pela extensão do meu quarto, vendo as estelas no céu da sacada até elas darem lugar para o sol que estava querendo nascer.

Ainda esperando ficar com os olhos abertos, me sentei no chão, virada para a luz que entrava pelo vidro da janela. Não podia ter me recostado.

Me sentindo péssima, levantei-me e abri o portal, permitindo Cordélia entrar, carregando em suas mãos minhas roupas de treinamento que usei no primeiro dia já limpas, primeiramente olhando para mim preocupada, alternando sua atenção entre minha face e a cadeira do lado da entrada e vi seu cérebro fazendo suas conexões.

–A senhorita está bem? –Não, não estava bem, mas falaria isso para ela? Certamente não. O meu segredo era agir como se tudo estivesse bem até realmente estar, então coloquei um sorriso no rosto.

–Não precisa do "senhorita", Cordélia. Você literalmente me banha, acho que já passamos da formalidade. E, sim, estou bem, apenas não tive uma boa noite.

Cordélia dividiu seu foco novamente entre mim e a cadeira, obviamente não acreditando em minhas palavras. Eu ainda não havia visto meu rosto no espelho, mas não deveria estar nada bom.

–Gostaria que eu já te vestisse? –Concordei com a cabeça, Cordélia se dirigindo até a divisória de madeira e esticando as roupas ali para facilitar a troca e eu até a bacia de água sobre minha penteadeira, tentando lavar de mim o cansaço e o desespero que senti ontem. Agora era outra dia, nada eu ganharia se remoesse o passado.

Realmente, minha face não estava nada boa. Eu tinha olhos inchados, fundos e olheiras escuras, consequência da péssima noite que passei.

Depois de lavar meu rosto, ele não parecia tão doentio. Poderia enganar quem não me olhasse com afinco.

Cordélia, por sua vez, parecia ainda mais delicada –se isso fosse sequer possível. Quase não sentia as pontas de seus dedos sobre mim, como se fosse uma leve brisa que me vestia, como se eu fosse feita de vidro, porcelana, e ela estivesse com medo de me quebrar. Com seu cuidado sobre mim, quase esqueci de sua fragilidade, como ela ficara depois de me contar sobre seu amado. Virei minha cabeça sobre o ombro e a observei com mais afinco do que uma pessoa que acabara de acordar, analisando-a da mesma forma que ela fizera enquanto suas mãos mexiam em fitas e tecidos.

Tinha olheiras também, no entanto, sua pele mais escura que a minha conseguia disfarça-las melhor. Seus grandes olhos estavam levemente inchados, como se tivesse caído no sono chorando. Aquilo ainda era algo recente para ela, seus sonhos frustrados, a perspectiva de ter tido sua felicidade, que estava tão próxima, arrancada de maneira tão brutal por algo desconhecido e temido como a mania do oráculo. Ela também não estava bem.

–E você, Cordélia? –Ela levantou seu olhar para mim, curiosa ao que eu me referia. –Você está bem?

Ela soltou uma risada fraca, como se dispensasse a minha sugestão de que poderia estar mal, contudo, identifiquei-a como forçada e sem humor algum.

–Claro que estou. Não tenho motivo para não estar. Tenho um emprego bom, sou respeitada, coloco um teto na cabeça da minha família e passo a maior parte do meu dia com a realeza, é mais do que eu poderia pedir. –Não iria forçá-la a se abrir comigo se ela não quisesse, além de que nem eu mesma o fazia. Apenas a respeitei.

Quase terminando de colocar as roupas, escutei batidas fortes e rápidas na porta e a voz abafada de Kai dizendo "Ophelia, não seja apressada, ter paciência não te mata". Um sorriso tímido surgiu em meus lábios. Não seria tão difícil me manter distraída, afinal.

–Ela já está quase pronta. –Cordélia respondeu em voz alta para a porta, silenciando a agitação do outro lado. –Quer que eu faça algo em seu cabelo? –Me perguntou já passando as mãos em minhas madeixas escuras embaraçadas. Respondi que queria apenas algo simples, talvez um rabo de cavalo alto, nada muito chique ou elaborado, já que depois do almoço ela me banharia e qualquer penteado iria se desfazer. Ela, sem se demorar, pegou a cadeira que ainda estava disposta perto da entrada e me sentou nela, de frente para o espelho em minha penteadeira. Antes que eu pudesse prestar atenção em suas mãos, ela já tinha terminado, deixando sua escova sobre a madeira.

–Se quiser alguma outra coisa... –Antes que ela terminasse, eu me levantei e a abracei, apertando-a carinhosamente em meus braços. Ela cuidava de mim, mas quem cuidava dela sendo que tínhamos quase a mesma idade?

–Se eu precisar de qualquer coisa, sei que posso te chamar. –A afastei, ainda segurando seus braços e olhando em seu rosto, as palavras implícitas "e você sabe que pode me procurar se quiser falar sobre qualquer coisa". O que mais me surpreendeu foi quando ela me puxou novamente para outro abraço, dessa vez retribuindo mais.

Passando pela porta, dei de cara com Kai e Ophelia, o primeiro sentado ao lado da porta, as costas apoiadas na parede e a segunda se encontrava no lado oposto, em frente da entrada, com suas costas e sua perna direita apoiada na parede.

–Que bom finalmente ver seu belo rosto, estava achando que você e Cordélia haviam pulado pela janela. –Ophelia disse sem perder tempo, mostrando toda sua impaciência.

–E eu estava começando a achar que se eu pedisse calma a Ophelia novamente, ela pararia de bater na porta e bateria em mim. –Kai argumentou se levantando do chão e se aproximando de mim, me pegando pelo braço, apoiando o meu em seu próprio, como meu parceiro de companhia. –Agora vamos tomar café da manhã antes que Dhara me bata por não te alimentar mais cedo.

Ele disse que iríamos, no entanto, ficamos parados no mesmo lugar por um tempo, como se ele havia congelado. No começo, não estava entendendo, até que minha porta se abriu e Cordélia saíra de lá. Ele se desfez de meu braço para se curvar em direção a jovem, um sorriso involuntário surgindo em sua face enquanto ele tentava controlar, era possível ver seu esforço.

–Bom dia, senhorita Cordélia. Só não te digo que está excepcionalmente bela hoje porque é assim todos os dias. –Cordélia, por sua vez, foi pega pela surpresa, seus olhos arregalados e seu modos polidos sem uma boa resposta para dar. Seu olhar se desviou dele para mim, como se buscasse algo. Eu, sem estar certa do que poderia oferecê-la, apenas assenti com a cabeça, o que a fez voltar seu foco para Kai. Enquanto retribuía com uma breve reverência, disse em um tom baixo.

–Agradeço pelo adorável elogio. Tenha um bom dia. –Se virou e se afastou de nós com pressa em suas longas passadas. Olhei para os dois boquiabertos ao meu lado com a surpresa estampada em meu rosto, pensando que ela estava começando a realmente considerar Kai.

–Isso foi... –Kai começou com cautela, devagar.

–Completamente estranho? –Ophelia se posicionou, o cortando, tendo sido pouco mais que uma espectadora da cena até agora.

–Educação? –Kai continuou sua linha de pensamento como se sua irmã nem tivesse dito nada, comparando a resposta de Cordélia de agora com o clássico comportamento um tanto frio com o qual ele era tratado por ela. Eu o olhei de esguelha e vi seus olhos com um brilho diferenciado enquanto ele pegava meu braço mais uma vez. Ele endireitou sua postura, parecendo mais altivo, olhou para mim com confiança, ofereceu-me uma piscadela e pintou um sorriso no canto de seus lábios já nos direcionando à cozinha, não querendo perder mais tempo fazendo caso sobre si mesmo.

Ao chegarmos ao nosso destino, os cheiros me inundaram mais uma vez, vi Eira, Dhara e um jovem que desconhecia. Ele carregava caixas de madeiras para dentro do local, cada uma com algo diferente. A primeira pessoa que nos percebeu foi Eira, passando seu foco por Kai, por Ophelia e por mim. O primeiro a fez revirar os olhos, a segunda a fez corar e eu a fiz parar. Ela me escrutinou por um tempo maior que gastou nos dois, me analisando. Não que eu me sentisse diminuída por olhares assim sobre mim, mas sua observação minuciosa me deixava insegura por como passara a noite. Ela me encarava pelas minhas olheiras e olhos inchados?

–Kai, não mexa, ou melhor, não chegue perto das caixas, por deuses. –Disse Eira passando na nossa frente, em direção ao outro lado da cozinha espaçosa, evitando transitar por onde o menino descarregava as caixas. –Bom dia, Ophelia. –Eira não curvou-se ao se aproximar dela depois de Kai, mas curvou sua cabeça com um sorriso, uma breve ação de respeito (ou talvez ela queria esconder sua face vermelha), tendo como resposta um dos sorrisos marotos de Ophelia. Quando chegou em mim, ela não se demorou e passou direto.

De começo, senti-me esquecida, invisível mais uma vez, como se eu não estivesse à sua frente, como se o que eu usasse não tinha sido ela mesma quem havia costurado, meu olhar acompanhando-a ir até uma das extremidades do cômodo enquanto ela pegava uma bolsa azul pequena de um material que eu não conhecia de dentro de uma gaveta nos armários e andava novamente até mim, colocando o que ela segurava em minhas mãos sem falar uma palavra. Já perto de Dhara, ela olhou por cima do ombro, apontou para a parte superior de sua bochecha, onde olheiras estariam se ela tivesse alguma e piscou para mim com um olho só. Ela não fora mal educada comigo, ela fora discreta com algo que notou em mim e, ao invés de apontar ou forçar intimidade perguntando-me o que causara aquilo, ela só me dera uma solução. Quis abraçá-la por tal atitude, mas me contive somente em oferecer-lhe um sorriso sem mostrar os dentes, sincero e agradecido.

Sabendo para o que aquela bolsinha servia com um só gesto de Eira, aproximei-a de minha face, alternando-a entre os olhos, sentindo sua reação em minha pele quase imediatamente, uma sensação refrescante me invadindo, revigorando-me.

Dhara demorou um tanto a nos perceber, parando de dar informações ao rapaz agora e se voltando para a entrada, onde ainda estávamos esperando por algum tipo de permissão ou reconhecimento, caminhando até nós rapidamente, todos seus movimentos pareciam em um nível de velocidade maior que os meus, finalmente parando à minha frente, eu ainda segurando o objeto contra meu olho esquerdo antes de transferi-lo para o direito. Suas mãos grossas e delicadas, mesmo que calejadas, descansaram em meus ombros enquanto os apertava e me analisava como Eira fizera momentos antes, contudo, bem menos discreta e muito mais incisiva.

–Problemas para dormir, minha criança? Não pense duas vezes para me pedir por uma xícara de chá com leite antes de se deitar, minhas receitas derrubariam até cavalos se cavalos pudessem tomar chá. Por enquanto, tome um cafezinho que eu acabei de passar. Espere apenas alguns minutos que novos pães vão sair da fornada. –O jovem, que terminava de trabalhar com suas frutas e verduras, fez uma reverência dura, virou-se e retirou-se do lugar com pressa, levando consigo uma cesta de palha que estava separada na mesa, supus que Dhara a fizera para ele justamente quando fosse embora. Me peguei pensando no que fazia Dhara ser tão... Dhara e não conseguia encontrar uma justificativa boa para que ela cuidasse de todos como filhos. Por um segundo, chamou Eira, que, extremamente prestativa, já tinha um copo com café em mãos para mim. Tomei o primeiro gole com receio de estar muito adoçado, meu gosto havia se criado sem adição qualquer de açúcar e, para meu deleite, o café preto estava quase puro, seu gosto amargo tomando conta do meu paladar. Dhara, tornando-se para os irmãos que me acompanhavam, continuou. –Espero que não estejam pegando muito pesado no treinamento dela.

Ophelia, por sua vez, soltou uma risada espontânea.

–Bom dia para a senhora também, Dhara. –Dhara, com um sorriso resignado, soltou meus ombros para dar tapinhas na bochecha de Ophelia.

–Bom dia, menina. Vejo que está muito bem. –Seu estudo passou de mim para Ophelia, descendo seus olhos pela jovem, medindo se realmente estava tudo bem com ela ao mesmo tempo que Eira já retirava os novos pães do fogo. Kai logo se aproximou do tabuleiro de metal que Eira colocava sobre a mesa e, antes que ele pudesse já roubar um pãozinho, ela deu um tapa veloz em sua mão, afastando-o e o fazendo esperar enquanto sibilava "ainda está quente, cabeça oca, vai se queimar.".

Saboreando meu café e pegava um pedaço de queijo de cabra que estava disposto, esperando pelos pães esfriarem, quando Zoram apareceu à porta.

–Oh, bom dia, Zoram. Que surpresa te ver aqui. –Kai comentou o cumprimentando e Zoram, por sua parte, saudou as pessoas no cômodo, eu inclusa, no entanto, foi ele se endireitar que vi seu cenho franzir, confrontando seus próprios pensamentos, uma briga entre sua educação e sua aversão ao que eu representava. Será que ele estava imaginando que poderia ser indiferente ou até mesmo gostar de mim e ainda não concordar com o que eu fazia?

–Senhorita... –Ali estava, a comum confusão que as pessoas do castelo tinham quando se tratava de mim. Se sou uma ladra, continuo podendo ser considerada uma senhorita? –Sombra, –tentou dar margem para as duas possibilidades depois de uma pausa entre meu nome e a primeira palavra –Nikolai me pediu para escoltá-la até seu escritório.

Um novo silêncio ficou instalado entre nós, Kai me olhando e Ophelia se voltando para Zoram.

–Achei que ela treinaria conosco primeiro. Ele deveria voltar ao castelo hoje, não sabia que seria tão cedo ao ponto de já se organizar planejar uma reunião antes mesmo do café-da-manhã.

–Acabou que ele voltou ontem tarde da noite. –Zoram informou Ophelia algo que eu já sabia muito bem. –Me acompanhe por favor, Sombra.

Antes de segui-lo, dirigi meu olhar para a comida que não tive tempo de pegar e me retirei com um semblante decepcionado. Caminhamos até outra ala que eu não era familiarizada, uma repleta de entradas, bem silenciosa e iluminada.

Ao chegarmos em uma porta que não parecia muito importante, mais simples até que a do meu quarto, sem nenhum entalhe sobre a madeira, Zoram parou e bateu, esperando uma resposta do outro lado, um breve "entre" proferido por Nikolai deu o veredito e meu acompanhante a abriu para mim. A sensação era esmagadora, a expectativa do porque ele queria me ver, se ele voltaria à noite anterior, o que era tão importante, aquilo era quase sufocante.

Entrando lá, fui absorvendo o ambiente. Era menor que meu quarto, mas não era pequeno. As paredes eram estantes cobertas de livros, papeis e objetos estranhos, uma janela alta, como de costume no castelo, se encontrava em direção oposta à entrada, iluminando o lugar, uma mesa retangular de seis lugares estava disposta no meio do local com folhas, anotações e mapas espalhados, um prato com pãezinhos daquela manhã (essa era uma característica fácil de perceber) no centro enquanto ele ocupava uma das cadeiras. Havia dado dois pequenos passos para dentro, hesitante, a porta se fechando atrás de mim e ele levantando a cabeça, seus olhos nos meus.

–Por que me chamou? –Ele franziu o cenho desdenhoso, como se não precisasse de motivo.

–Seu principal objetivo para estar aqui é pegar os registros no reino de Drítan. Por mais que o treinamento seja divertido assim ter ver penar para se manter de pé na luta, a rainha não precisa de você pelas suas habilidades em combate. O mais importante aqui é o roubo e, para que ele seja bem executado, precisamos de boas estratégias, a menos que você queira ser a executada. –O encarei desacreditada por dois motivos. Aquilo fora uma tentativa de piada? Espero que não. Segundo, ele escolhera esquecer de ontem à noite? Será que aquele era um acordo velado para que eu também finja que não sei sobre o fato dele ser um assassino?

Ou melhor, o assassino. O assassino real, trabalhando diretamente a pedido da coroa, isso não era pouca coisa. E eu estava sozinha com ele.

Com a porta fechada.

De repente, suas ameaças ganharam um peso maior.

–Venha, já separei o material que vamos precisar agora. –Ele não se levantara e eu não me mexera, sua mão indicando que eu me aproximasse. Ainda calma e cuidadosamente, fui até ele e peguei um dos pães de Dhara que eu não pude comer na cozinha. –Começaremos com o mais simples: familiarização dos possíveis locais em Drítan onde os registros podem estar guardados.

Cheguei ao seu lado e ele se levantou, vendo o mapa esticado à sua frente. Estávamos próximos mais do que eu gostaria, mais do que sabia que era prudente, tendo conhecimento do que ele era. Estranhamente, percebi que Nikolai tinha um cheiro bom, mas não sabia direito identificar o que era.

Seus dedos começaram a traçar linhas pelo pergaminho desenhado enquanto eu o escutava falar da maior biblioteca de Drítan, onde tinha a história do reino inteiro (ou só a história que queriam que fosse contada para que eles fossem vistos de melhor maneira) e sobre a biblioteca real que também ficava na capital, Solandis, de onde o mapa era. Depois das localizações externas, ele puxou outro mapa para perto, afastando o que usara até agora, para me mostrar onde os registros poderiam estar caso estivessem dentro do castelo. Sua mão começou a desenhar pelo papel, me falando da disposição do palácio, apontando para rabiscos que, para mim, não faziam sentido. Ele dissera que aquilo era mais uma biblioteca, dessa vez dentro do castelo.

–Aqui? –Perguntei seguindo sua indicação, nossas mãos se tocando acidentalmente, causando uma reação estranha em minha pele. Não é como se ele nunca tivesse me encostado, contudo, naquele momento não estávamos nos ameaçando, não segurávamos lâminas entre nós, meu pelo se arrepiando pela surpresa e eu afastei meu braço ligeiramente. Mas ele recuou ainda mais rápido, como se tivesse sido picado. Levantei meu olhar para encará-lo enquanto seu foco estava na mesa, me evitando, notando seu rosto vermelho e talvez expressões de confusão e frustração. De repente, fui somando o que sabia, ele evitando encostar em mim no treinamento, segurando meu braço sob o tecido... talvez o problema fosse minha pele. Talvez ele não queria encostar diretamente em mim. Nikolai tinha tanta aversão assim à mim?

Ou... talvez, ele ficasse nervoso em minha presença.

Eu já colocara uma adaga contra sua garganta e o esfaqueara no primeiro dia que nos conhecemos, mesmo que ele soubesse que é infinitamente mais habilidoso em combate que eu, no mínimo faria sentido não querer ficar perto de mim. Dei um sorrisinho irônico pelo canto da boca com o conhecimento de que poderia usar aquilo a meu favor.

–Não se preocupe, eu não mordo. –Eu sabia exatamente que aquilo soaria até engraçado, tendo a sabedoria que eu havia, de fato, o mordido, o que provocou uma risada sarcástica da sua parte ainda sem me olhar nos olhos.

–Nós dois sabemos que isso é mentira. –Dei alguns passos em sua direção devagar, lhe dando tempo para levantar seu olhos e perceber que eu me aproximava. Seu corpo se retesou, não querendo recuar na mesma medida que não queria ficar ali.

–Eu te deixou nervoso, Nikolai? –Ele estudou meu rosto minunciosamente, terminando em meus olhos, me fazendo tremer por dentro com medo de que ele percebesse o que eu fazia, que ele pudesse ver as engrenagens se movendo em minha mente. Ele ajeitou seus ombros, se fazendo altivo, no entanto não me diminui, apenas inclinei a cabeça, desafiando-o. Ele franziu o cenho, claramente tentando entender algo.

–Você me faz sentir várias coisas, nervosismo não é uma delas. –Estreitei meus olhos, nossos poucos centímetros de distância se provando presentes e bem notáveis, só não mais que seu corpo indo para trás de maneira quase imperceptível. Acentuei meu sorriso de canto e cobri o novo espaço instalado entre nós

–Então por que fica se afastando? –Seus ombros e maxilar estavam rígidos, tensos.

–Por que você invadiu meu quarto ontem à noite? –Ele me pegara de surpresa (o que não deveria acontecer, era de se esperar que ele trouxesse essa questão à tona cedo ou tarde), me fazendo ir para trás como se tivesse levado um soco. Foi sua vez de cobrir a distância, se impondo como eu estava fazendo. –Parece que, afinal, sou eu quem te deixa nervosa.

Ele estava tão perto que eu podia sentir sua respiração, aguentando seus olhos inquisidores por bastante tempo enquanto queria a resposta para sua pergunta, um assunto que eu não estava disposta a reviver, sendo a primeira a quebrar o contato visual, me virando de costas para ele e seguindo até a ponta mais distante da mesa, parando atrás da cadeira. Respirei fundo e voltei a encará-lo.

–Veja bem, você não gosta de mim, eu não gosto de você e nenhum de nós dois confia no outro, mas temos que colaborar para que, pelo menos, façamos um bom trabalho. –Sua expressão mudou, interessado para o que eu falava, se apoiando à mesa. –Para que isso funcione, precisamos de limites. –Enchi meus pulmões com ar para tirar aquilo de mim, para não voltar a me fragilizar. –Perguntar sobre ontem é fora dos limites. –Você viu uma cena rara, quis dizer, mas quanto menos voltássemos ao que aconteceu, melhor.

Ele tinha o rosto pétreo, no entanto, eu percebi sua curiosidade sendo contida, reprimida. Abaixou a cabeça, a balançando enquanto soltava um riso baixo sem muita força.

–Eu não sabia que teria que explicar que meus aposentos ficam fora dos limites.

Então era isso. Tínhamos um acordo.

Era o mais próximo de trégua que viríamos a ter.

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