A SEMENTE DO DESTINO e outros...

By EscritorRaro7

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O mundo fantástico de Arabutã é uma terra mística, com suas florestas atravessadas por cinco grandes rios que... More

O CORAÇÃO DOS BENEVOLENTES
A LENDA DOS PROFUNDOS
O SANGUE DOS MORTALHAS
OS FILHOS DAS ÁRVORES
A UMBRA
A ORDEM DOS BENEVOLENTES
A GUARDA DE CARVALHO

A SEMENTE DO DESTINO

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By EscritorRaro7


Assim que as patas cobertas de pelos dourados alcançam o fim da grama, às margens do grande Rio Palma, a jornada termina. Cedra desce de sua montaria, passa a mão sobre a lomba da onça em sinal de agradecimento por todo o esforço, pois chegara ali tão rápido quanto os raios cruzam os céus. Autoriza o descanso do animal que se sorve alguns goles da água cristalina do vasto encontro dos cinco principais rios da floresta que se uniam como dedos em uma mão, por isso o nome Rio Palma dado pelo povo de Cedra, os Filhos das Árvores.

Através dos olhos brilhantes como pepitas de ouro, ela observa as raízes de Arabutã que saíam de dentro das águas, corriam para cima e se encontravam em um tipo de cúpula de madeira, formando o Templo do Amanhã, bem no meio do rio. 

– Enfim chegamos, espero que aqui tudo termine. - Pensou ela enquanto respirava fundo, emocionada.

Tamoki desce de sua onça, aproxima-se de Cedra  coloca a mão sobre seu ombro nu que mostrava bem sua pele de cor amadeirada. Ela vira o rosto para encarar os olhos do guerreiro amigo, ambos tinham o mesmo sentimento perante aquele lugar. Ele acena com a cabeça, indicando que não podiam perder tempo admirando as belezas daquele local sagrado. Cedra coloca os longos cabelos verdes para trás da orelha, olha por cima do ombro e vê a tempestade, que ganhava cada vez mais o céu. – Quem dera fosse apenas uma chuva – ela lamentou, sabendo que aquilo dentro das nuvens era o pior deste mundo.

Após acariciar os enormes felinos que os conduziram até ali, Cedra agradece todo o companheirismo do seu animal, coloca a cabeça contra a dele e depois tira sua sela, deixando ambos partirem para dentro da mata. Estavam livres. Ele conferiu em seu cinto que a essência de vagalume ainda estava em boa quantidade, pois seria nescessário.

Era uma pena que a floresta não tinha muito mais tempo.

Tamoki pisou sobre as tábuas da jangada amarrada à margem, estrategicamente colocada ali caso alguém quisesse se aventurar no Templo do Amanhã, mas, por anos, ela permaneceu boiando sem que ninguém tivesse coragem de se arriscar. Ao sentir a firmeza da embarcação, Tamoki acenou para Cedra, ela embarcou ao lado dele e assim que a corda soltou-se da margem, as águas brilhantes e claras levaram os dois em direção ao centro do rio. Trovões rubros, advindo de uma raiva humana, ecoaram até o ouvido dos dois.

– Não temos muito tempo – Tamoki disse preocupado.

– Agora já estamos aqui, só precisamos de uma palavra com a Anciã e saberemos o que fazer com a semente – Cedra tentou ser otimista.

– Já pensou na hipótese de não encontrarmos uma solução?

– Já – ela respirou fundo, olhou em direção ao templo. – Mas, algo me diz que é ali que tudo deve terminar. Meu pai não me entregou a semente à toa, sabia que algo iria acontecer.

– Como assim?

– Ele já esteve no templo, já falou com a Anciã. Foi ela quem lhe deu a semente.

Tamoki arregalou as sobrancelhas com aquela informação. Ele coçou os longos cabelos negros, confuso com o que foi dito, mas a poupou de perguntas. Enquanto boiavam, ele olhou seu reflexo na água, a nitidez era tanta que viu com perfeição suas penas vermelhas que cobriam os ombros, braços e peito.

– Como sinto saudade de minhas asas... – ele lamentou enquanto passava a ponta dos dedos na parte de cima das costas, onde estavam as cicatrizes.

– Nem me fale, também sinto falta das minhas – por um momento, Cedra lembrou-se do seu tempo de glória como Guardiã da Floresta, quando voava com suas asas, trajando sua armadura de cristal e protegia os povos que viviam abaixo das árvores.

Cedra tateou a bolsa de couro, apenas para sentir que a semente ainda estava segura, depois passou a mão sobre a lança de pedra lascada presa nas costas, buscando segurança. Enquanto isso, mantinha o olhar fixo no templo, que pouco a pouco se aproximava.

– O que o Rei da Floresta te disse? – Tamoki lembrou-se que devido à urgência para deixar o templo em ruínas sob o fogo e as cinzas do caos, pouco se importou em questionar o que Cedra sabia.

– Antes de morrer, meu pai... disse para eu levar a semente para Arabutã.

– Só isso?

– Sim, ele estava morrendo! – ela o encarou para tirar suas cutucadas de desconfiança das costas.

Tamoki sentiu-se constrangido, virou para olhar o rio novamente e nada mais falou. Enquanto isso, Cedra pensava nas outras palavras ditas pelo pai, o Rei da Floresta, pouco antes de seu fim, que ela julgou melhor Tamoki não saber.

A jangada foi levada até dentro das raízes que emergiam das águas, eram tão grandes que pareciam as colunas do templo dos antigos Gorjalas do Norte, criaturas maiores que as montanhas que foram extintas quando Arabutã nasceu. Os dois admiravam com seus olhos a grandiosidade da primeira árvore da floresta, aquela que deu a vida a todos os seres, que abriu as fendas por onde correm as águas, a mãe de todas as criaturas e de onde sua semente, agora pertencente a Cedra, tornou seu pai o primeiro Filho das Árvores, o rei de todo o reino da floresta.

Quando as sombras tomaram tudo à sua volta, eles boiaram no escuro sem nada enxergar. Cedra pegou de seu cinto uma pedra lascada com essência de vaga-lume branco, esfregou, e o calor a acendeu dando-lhes um pouco de luz para enxergarem pelo menos um ao outro e ter um vislumbre dos desenhos antigos talhados na madeira que compunham o enorme corredor cilíndrico por onde passavam. Enquanto se perdiam pelas imagens que contavam a origem do mundo, as primeiras criaturas que nasceram dali e como o primeiro rei ganhou sua imortalidade, ambos se assustaram quando a jangada atracou em um chão de rochas retangulares, a entrada do templo.

Desceram cautelosamente e caminharam para dentro da escuridão, onde pedras e raízes se misturavam para gerar uma arquitetura antiga, não mais usada e impossível de ser concretizada pelas ferramentas modernas.

– Bem-vindos ao Amanhã – uma voz cavernosa e serena ecoou pelo escuro, recebendo-os.

Eles cessaram seus avanços. Um círculo luminoso surgiu no meio do breu, era uma lâmina d'água esmeralda que forneceu pequenas tiras de luz pelo vão dos desenhos esculpidos nas pedras, iluminando todo o salão com uma luz baixa, mas capaz de permitir aos visitantes enxergar com clareza tudo a sua volta.

O enorme espaço oval tinha um cheiro forte de mato molhado, um ar frio que entrava pela boca e pelo nariz, mas não agredia a pele. Apesar da aparência lembrar um túmulo, foi dali que tudo nasceu e podia ser considerado o primeiro berço das criaturas vivas. Atrás do pequeno poço, onde a luz esmeralda surgira, estava uma enorme rocha que se fundia com as raízes, como se sempre estivesse ali. De dentro de uma rachadura que parecia um túnel de tatu, a Anciã esticou sua cabeça rugosa para fora, esboçando um leve sorriso com seu bico e apertando as escamas que mantinham os olhos fechados.  Aquele ser, do qual Cedra e Tamoki ouviram tantas histórias, a ponto de sentirem como se já a conhecessem, estava a sua frente. Apesar da emoção mista de ver uma lenda diante dos olhos, eles pareciam ansiosos para falar. Ela, a anciã,  sem nenhuma pressa em seus movimentos, os olhou durante um longo minuto e os cumprimentou:

– Cedra, Guardiã das Árvores, filha do Rei da Floresta. Tamoki, príncipe das Aves Reais e o guerreiro rápido como o relâmpago. Sejam bem-vindos ao Amanhã.

Ao ver a primeira criatura do mundo, ambos imediatamente ajoelharam-se em reverência.

– Tolinhos, não cabe toda essa formalidade, levantem-se crianças – disse ela de forma simpática.

– Criatura Anciã, Mãe das Mães, Jabutuga, a Filha da Semente. Muito obrigada por nos receber em seu templo. Eu sou... – por um momento esquecera que ela já os havia apresentado. Após engasgar-se, Cedra tentou ir direto ao ponto. – Eu... eu fui enviada pelo Rei da Floresta, estou com a semente. Buscamos obter seus conhecimentos para salvar a mata, pois Elonom, o Ceifador de Vidas, está atrás de nós e sabemos que ele não pode obter os poderes imortais da semente.

– Por que não? – Jabutuga questionou.

– Ele... bom... – Cedra engasgou-se novamente, estava nervosa, considerou aquela resposta óbvia demais para a mente que tudo sabia. – Se ele se tornar imortal, a floresta não sobreviverá a sua maldade... Elonom é mau.

– Sabia que eu assisti o nascimento de Elonom? Assim como vi o nascimento de Iruki, o Rei da Floresta. Vi o seu nascimento e o dele – ela apontou para ambos com suas garras longas vindas da mão escamosa e bulbosa. – Sabe o que vejo? Ele não é mau, só é mal orientado. Ao invés de seguir os sentimentos que o tornaram forte, ele segue aqueles que sempre o chamaram de fraco.

– Entendo, grande Anciã, mas a semente contém todos os poderes de um rei. Elonom não pode tê-los. Ele matou seu próprio povo para obter a joia de Teju, agora com os poderes dela destruiu boa parte da floresta, queimou meu reino, todas as árvores onde os Filhos das Árvores, meu povo, e os Aves Reais, o povo de Tamoki, viviam. Se ele se tornar imortal, não poderemos vencê-lo em nenhuma hipótese. Peço que nos oriente para derrotá-lo ou pelo menos impedir que ele chegue até ela – Cedra tirou a semente da bolsa, segurando-a com a mão firme, era tão grande que ela não podia fechar seus dedos sobre a joia de madeira esverdeada.

Jabutuga deu um riso contido, como se ouvisse os problemas de uma criança confusa, ergueu a palma da mão solicitando a semente. Respeitando o pedido, Cedra entregou-a na mão da Anciã. Jabutuga olhou o máximo que seus olhos cerrados lhe permitiam ver e admirou a beleza daquela obra de arte da natureza.

– A semente de Arabutã. A primeira e única, dada ao primeiro homem que nasceu do solo de suas raízes para que esse guardasse, alimentasse a si e ao seu povo e obtivesse o poder necessário para guiar a floresta.

– Desculpe se meu pai falhou, ninguém podia prever a vinda de Elonom – Cedra abaixou a cabeça, mas Tamoki a consolou tocando seu ombro.

– Ele não falhou, minha criança. A floresta prosperou, viveu, e agora que está morrendo, a semente está aqui novamente, onde tudo vai terminar e depois recomeçar.

– Perdão, Anciã. Não entendi, o que quer dizer? – Tamoki questionou preocupado, seu tom beirou o atrevimento.

– Que o fim chega para tudo. A semente está aqui para garantir a imortalidade das lembranças, mas não do mundo – Jabutuga deixou a semente cair sobre a lâmina de água do poço.

Estáticos e confusos com os dizeres, ambos olharam a semente boiar na água brilhante como se olhassem suas esperanças ruírem. Tamoki não se conteve e em um momento de medo, engrossou a voz nervoso e questionou Jabutuga:

– É isso? Vamos morrer e não temos o que fazer? Tudo pelo que lutamos, tudo o que construímos. Os Filhos das Árvores e os Aves Reais viveram anos de guerra até selarmos nossa paz, nunca houve momento mais próspero na floresta e tudo irá se perder por causa de um ser das cidades abaixo da terra com sede de poder? Isso não é justo!

Cedra agarrou o braço de Tamoki, o repreendendo por falar daquela maneira com a Anciã.

Jabutuga não se ofendeu e até achou um pouco cômico a agitação do jovem guerreiro. Ela se esticou do casco e deixou ambos receosos, fazendo-os recuar. Com movimentos lentos e calmos, ela se inclinou para frente, tocou com a ponta da unha o poço onde a semente boiava e os orientou:

– Sabe por que chamamos aqui de Amanhã? Pois, nesse templo, o poço nos mostra o que precisamos ver, mas antes de ver o amanhã, precisamos entender o ontem!

Cedra e Tamoki se aproximaram do poço, inclinaram-se para ver as estranhas imagens que se formavam nas águas. No início, nada de concreto se mostrou, pois as águas estavam turvas, depois que tudo se acalmou, ao lado da semente, quase como se olhassem por uma janela, ambos viram a si mesmos, conversando com a Anciã Jabutuga, depois, observaram o movimento de seus antigos eus pelo templo, boiando sobre a jangada nas águas do Rio Palma, chegando às margens com suas onças de guerra.

– Está voltando? – Tamoki perguntou ainda confuso.

– Está mostrando o que vocês têm que ver – Jabutuga esclareceu.

Antes de saltarem dos animais, as águas mostraram os dois correndo pela floresta com lágrimas caindo dos olhos pelas vidas perdidas e acompanhados pelas últimas brasas do enorme incêndio. Depois, mostrou Cedra recebendo de seu pai a semente, em seus últimos momentos de vida enquanto falecia devido à enorme coluna que caiu sobre ele, deixando apenas parte de seu corpo à mostra.

Neste momento, os olhos de Cedra encheram-se de água e ela não resistiu ao ver aquela cena novamente, afastou-se do poço para chorar.

Tamoki manteve-se ali e observava o terrível Teju Jagua que Elonom se transformara para destruir todo o reino. Pela segunda vez, o guerreiro viu seus irmãos voarem contra as sete cabeças de lobo que rasgaram com suas presas a carne de todos os guerreiros, a pele de escamas de serpente, a qual nenhuma de suas armas penetrava, as garras de suas patas que derrubaram as árvores e arrancaram as asas de Tamoki, retirando-o do combate. Sobrevivera por não poder mais voar, mas nunca lamentou tanto estar vivo, pois foi obrigado a assistir todo o povo ser devorado pela criatura e em seguida os Filhos da Floresta, que mesmo ao empunhar suas lanças de pedra, suas armaduras de cristal e suas asas de libélula, também não fizeram frente ao monstro, que os derrubou com o chicotear de suas três caudas, pisoteou os guerreiros com suas patas gigantes e ceifou suas vidas com as unhas peçonhentas.

– Chega! Por que nos mostra essa desgraça novamente, Anciã? Quer nos torturar?

– Todos que aí olham, veem de tudo: medo, ódio, terror, mas amor, felicidade e esperança também! – ela disse encarando o jovem revolto diretamente nos olhos.

Aquelas palavras mexeram com Cedra, ela colocou-se de pé e caminhou para ver o poço outra vez.

O templo tremeu diante de um impacto, algo com peso superior a tudo ali abalou as estruturas e fez cortinas de poeira e detritos caírem sobre eles. Assustados, os dois olharam para o teto sabendo o que se aproximava, eles viraram-se para Jabutuga que também observava e com a calmaria de uma brisa constatou:

– Elonom, o Último do Povo Subterrâneo, o portador da joia Teju Jagua e o Ceifador de Raízes chegou até o templo.

O coração de ambos gelou.

– O que faremos?

– Não sei!

– Temos que enfrentá-lo, não há o que fazer! – Tamoki disse respirando fundo.

– Não, há um jeito, meu pai não me mandaria aqui por nada!

– Cedra, seu pai... seu pai... Jabutuga já nos disse, a morte é certa, eu vou morrer lutando! Jamais me darei por vencido.

– Mas, ele disse... Tamoki, tem um jeito, o poço vai mostrar.

– Cedra, aceite, é o nosso fim, vamos encarar a morte, pois é nosso destino.

Enquanto se encaravam, com sentimentos contraditórios inundando os olhos, novos tremores chamaram a atenção deles. Cedra, sem nada dizer, afastou-se de Tamoki e foi para perto do poço para tentar enxergar algo, mas a turbulência das águas dificultou a formação de imagens. Tamoki meneou a cabeça negativamente, lamentando a esperança falsa que inundava sua companheira. Ele retirou suas espadas gêmeas do cinturão que prendia sua tanga de pelos, bateu as lâminas feitas de aço nas botas e caminhou para o meio do templo.

O ar vindo do rio, que antes era frio, tornou-se quente e trouxe o cheiro da besta que se aproximava. Tamoki firmou os pés, esperando a chegada de seu oponente e segurou com firmeza suas espadas.

Novamente, uma imagem se formou, Cedra pôde ver claramente antes da aliança dos povos dela e de Tamoki, antes da guerra entre eles, quando apenas existia o enorme palácio sobre as árvores de seu pai. Quando as magníficas asas de mariposa carregavam o rei com sua armadura pela floresta, ele atravessou o Rio Palma e pousou naquele templo, trazendo consigo a semente. Aproximou-se de Jabutuga, ofertou o grão à anciã e ela negou, não podia ouvir o que diziam, mas Cedra via toda a cena claramente. Após uma rápida conversa muda, o rei recolheu a semente para si e saiu do templo voando. Quando chegou a sua morada, acariciou o bebê que dormia tranquilamente em seu ninho, a pequena Cedra.

– O que ele te disse? O que você disse a ele, Anciã? Eu não pude ouvir!

– Ele me perguntou sobre a semente, sobre como podia obter o poder supremo dela, sobre como podia continuar imortal e rei da floresta.

– E o que você disse a ele?

– O mesmo que ele disse a você.

Os olhos antes arregalados, cheios de curiosidade e esperança pela resposta que ela acreditava ser sua salvação, perderam a emoção, ficaram sensibilizados pelas palavras de Jabutuga.

– Agora que você entendeu seu ontem, veja o seu amanhã – Jabutuga tocou com sua garra nas águas.

Cedra olhou novamente para o poço, muitas lembranças haviam voltado, a imagem atual era seu próprio reflexo, mas a Cedra que ondulava com a liquidez levantou-se e movimentou-se de forma contrária a original. Ela inclinou-se para ver aquele momento.

– Ora, ora, os dois ratos que roubaram minha joia agora estão encurralados – a voz asquerosa e com tons de satisfação quase obscenos de Elonom saíram do escuro antes dele.

Caminhando com dificuldade sobre as duas pernas, que já havia desacostumado, o pequeno ser de pele cinzenta, orelhas pontudas, presas grandes e crina branca admirou o guerreiro e a guerreira com seus olhos brilhantes.

– Acharam que conseguiriam se esconder aqui? Com isso, nenhum lugar se opõe a mim – Elonom disse ao tocar, com seus dedos finos e suas unhas longas, a pedra azul presa a um colar no pescoço. A joia Teju. – Quem vai ser o primeiro a ser devorado? A libélula filha do Rei ou o pássaro sem asas? Olha só, temos a tartaruga, chegará sua vez em breve, velha!

– Eu sei, criança, não o temo – disse ela com um sorriso simpático, gerando estranheza em Elonom.

Esse deu de ombros para a caduquez da Anciã e viu que o guerreiro o encarava com o fogo nos olhos de um lutador disposto a morrer:

– Já temos a resposta – ao dizer isso, ele tocou seu colar e fez a energia escura vazar pela joia e envolver a pequena criatura em uma nuvem preta.

A névoa expandiu-se e quase alcançou o teto, ganhando proporções tão grandes quanto o salão. Quando dispersou-se, a pequena e asquerosa criatura deu lugar ao enorme titã Teju Jagua, um ser de sete cabeças de lobo, três caudas e pele de cascavel. Ele rugiu com suas presas imensas para o guerreiro, mas Tamoki segurou suas espadas ainda mais firme. Sem temer, apenas decidido a morrer como seus irmãos, ele correu contra o monstro.

Suas penas vermelhas, herança de seus pais, davam-lhe a capacidade de cortar o ar como uma onça. Tão rápido quanto um raio, ele sumiu da vista do monstro, passou por entre suas patas e fez um corte em cada uma delas. Sabendo que as escamas não podiam ser penetradas, mas a pele das patas e das cabeças ser vulnerável, o guerreiro banhou suas espadas com o sangue da criatura.

Cedra afastou-se do poço, digerindo todas as imagens que ele lhe dera. Ela colocou de pé, olha para Jabutuga, que sorri ao ver que os olhos da guerreira entenderam o seu amanhã. Após minutos com a mente distante, que terminava de conectar as perguntas com as respostas, Cedra esboça um leve sorriso para Jabutuga. O grito de fúria emitido por Tamoki chama sua atenção, ela vira-se e recolhe sua lança das costas, com o olhar firme e confiante.

Irritado, Elonom rugiu, suas caldas chicotearam tão rápido que Tamoki não viu seu movimento e foi acertado por uma delas no rosto. Isso o desequilibrou e o fez rolar pelo salão. Mesmo sem largar suas armas, Tamoki estava indefeso. Pisando com as patas dianteiras sobre os braços do guerreiro, prendendo-o ao chão tanto com o peso quanto com as garras que cravaram no piso pedregulhoso, Elonom lambeu os sete beiços com suas sete línguas enquanto admirava o último das Aves Reais. Com suas bocas, a criatura devorou o guerreiro.

Cedra olhou horrorizada aquela cena, pegou sua lança e atirou contra Elonom. A seta bateu em suas escamas e caiu para longe, servindo apenas para chamar a atenção dele. A criatura olhou com todos os seus olhos para a guerreira, que estava desarmada, com roupas de couro e sem suas asas.

Sorrindo, o monstro aproximou-se de Cedra. Jabutuga observava paciente. A criatura falou com todas as sete vozes em único som:

– Lamenta seu fim, guerreira? Lamenta que agora eu serei o rei imortal da Floresta?

– Não, eu lamento seu fim, Elonom. Sua sede não é de água, por isso, se afogará em seus desejos.

Jabutuga abriu um largo sorriso ao ouvir aquelas palavras.

– Do que está falando? – ele questionou esbravejando entre vozes e rugidos.

– Meu pai, Iruki, o Rei da Floresta estava certo. Nosso sangue foi escolhido por Arabutã, nosso sacrifício era necessário. A praga de Elonom era necessária. A semente precisa de sangue e água para trazer vida.

– Do que está falando?

Cedra recolhe do cinto a pedra lascada com a essência de vaga-lume, faz um corte longo na palma de sua mão com a ponta afiada por ela mesma. Estica o braço sobre a semente, que boiava nas águas do poço, aperta o ferimento com seus dedos e permite que gotas de sangue caiam sobre ela e tinjam as águas de um vermelho-escarlate.

– O que está fazendo, sua tola, reverenciar Arabutã não vai impedir que ela morra sobre minhas presas.

– Você está certo, eu não vou impedir que Arabutã morra, mas está errado quanto ao resto, pois suas presas não serão as responsáveis por ceifar a vida da Árvore Mãe.

Após dizer aquilo, uma onda vibratória estremece todo o templo e atinge a pele de todos ali, vibrando seus espíritos e suas carnes como o som de cornetas que avisam sobre a aproximação de algo novo.

A semente se racha e permite vazar de dentro de si raízes pequenas, frágeis e malemolentes que se multiplicam, espalham e crescem rapidamente.

Assustado com aquilo, Elonom tenta morder as raízes com seus dentes pontiagudos, mas não consegue penetrar na seiva e nem rasgar aquele tecido fibroso que, ao sentir a ameaça, mergulhou para dentro das gargantas demoníacas da criatura, sufocando-a e ceifando a vida de Teju Jagua.

Cedra trocou um último olhar de gratidão com sua breve mentora, Jabutuga, pouco antes de ambas serem envolvidas pelas raízes, não sobrando nenhum vão entre elas para se enxergarem. Sem resistirem, apenas aceitando o destino certo, a nova árvore tomou suas vidas de forma delicada e respeitosa. Depois, separou as rochas que formavam o templo, quebrou as raízes antigas, arrancou as cascas secas e penetrou no interior oco da árvore, mergulhando por dentro dela; começou pelas raízes expostas ao céu que emergiam das águas do Palma até descer pelo gigantesco tronco que terminava em seus galhos que envolviam o núcleo do planeta. Ali, no centro da Terra, as raízes substituíram os galhos velhos e as plantas mortas na superfície, a nova Arabutã esticou seus novos galhos, erguendo-se mais alto do que antes, possibilitando que todos os povos daquela terra vissem sua vastidão, mesmo que estivessem muito distantes a ponto de nunca antes na vida terem visto o Rio Palma.

Renovada, jovem novamente, e maior, os galhos da nova Arabutã rapidamente criaram suas folhas que se tornaram uma verdadeira floresta suspensa, confundindo-se com as nuvens brancas. Por detrás da grande árvore, permitiram nascer os primeiros frutos, que rapidamente cederam seu elo com a madeira e caíram por cima da terra e dos rios. O fruto que espatifou onde Elonom em sua forma de Teju Jagua pisou, trouxe grama novamente e levantou as árvores que a criatura derrubou.

Os frutos caíram por cima do local onde os corpos das almas ceifadas por Elonom repousavam, enterraram toda a carne no chão e da fusão de seus gomos com aquele adubo, mais vegetação cresceu, esticando-se uma floresta mais alta e extensa que antes, com cores vivas e com mais variedade de meios para alimentar as formas de vida ainda restantes. A floresta ganhou um novo recomeço.

No centro do Rio Palma, onde ficava o antigo templo, agora destruído, Arabutã erguia seu enorme tronco majestoso e imponente. Entre sua madeira, uma flor desabrochava tímida e de forma lenta, quase que alheia a todo vigor das outras providências, era a única do tipo em toda a extensão da árvore. Assim que abriu suas delicadas e gigantes pétalas, seu pólen escorreu como um ovo que se abre. Molhada com o líquido sagrado que alimentou sua existência, uma forma de vida levanta-se, desorientada e confusa, mas familiar, com a pele cor de madeira, cabelos longos e verdes e grandes asas de mariposa nas costas. 

A primeira criatura filha da nova Arabutã carrega consigo, como se fosse fruto de sua gestação, uma nova semente, envolta em seus braços, reconhecendo e celebrando sua vitória.

FIM.

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