Psicose (Livro I)

By andiiep

4M 253K 395K

Melissa Parker é uma psiquiatra recém-formada que encontra seu primeiro emprego em um manicômio judiciário. E... More

Aviso Inicial
Prólogo
Um - St. Marcus Institute
Dois - A holandesa de Cambridge
Três - Inesperado
Quatro - Sutura
Cinco - Insônia
Sete - Progresso
Oito - Passado
Nove - Proximidade
Dez - Embriaguez Acidental
Onze - Hormônios!
Doze - Corey vs Brian
Treze - Fotografia
Quatorze - Helvete
Quinze - Perigo
Dezesseis - Triângulo
Dezessete - Sobrenatural
Dezoito - Confusão
Dezenove - Corey vs Brian (parte 2)
Vinte - O plano mirabolante de Corey Sanders
Vinte e Um - Render-se
Vinte e Dois - Bipolaridade
Vinte e Três - Mensagem Sobrenatural
Vinte e Quatro - Intimidade
Vinte e Cinco - O inferno converte-se em paraíso
Vinte e Seis - Não Há Compaixão Com a Morte
Vinte e sete - Quebra-Cabeças
Vinte e Oito - O Passado Condena
Vinte e Nove - REDRUM
Trinta - Veritas Vos Liberabit
Trinta e Um - Plano de Fuga
Trinta e Dois - Luxúria
Trinta e Três - Preparação
Trinta e Quatro - Vai Dar Tudo Certo!
Trinta e Cinco - Um Sonho de Liberdade
Trinta e Seis - Scotland Yard
Trinta e Sete - Reencontro
Trinta e Oito - Vigilância Constante
Trinta e Nove - Corpo e Alma
Quarenta - Encontros e Desencontros
Quarenta e Um - Armadilha
Quarenta e Dois - Salvação?
Quarenta e Três - Tentativa e Erro
Quarenta e Quatro - O Infeliz Retorno
Quarenta e Cinco - Do Pó Vieste...
Epílogo
AUTO MERCHAN

Seis - Happy Hour

107K 7.6K 13.4K
By andiiep


A primeira semana de Melissa no St. Marcus Institute beirava cada vez mais ao desastre total. Primeiro, porque precisava tratar um paciente que se recusava a proferir qualquer palavra, deixando-a à mercê de um monólogo irritante e constrangedor. Para completar a situação, Melissa ainda se encontrava ridiculamente encantada por Corey Sanders, o que deixava tudo ainda mais irritante e constrangedor; depois, tinha um paciente perturbado, que foi capaz de deixá-la uma noite em claro, devido às suas estranhas perversões e olhar maligno e cortante. Os momentos de pânico e frio que Melissa passou dentro daquele assombroso arquivo também não poderiam ser esquecidos. E, de fato, não seriam esquecidos tão cedo.

Então, para completar o início triunfal de sua carreira na psiquiatria, naquela fatídica sexta-feira aconteceria a sua primeira consulta com a tal Megan Janeth McPhierson, que finalmente havia saído da solitária. Tudo o que Melissa ouviu a respeito da ex-modelo que assassinou o ex-amante e toda a sua família dava a impressão de que certamente não sairia nada de bom dessa primeira sessão. E nem das outras. Melissa só esperava sair sã e salva de dentro daquele consultório. E prezava muito pela sua audição, afinal de contas.

Quando os guardas bateram em sua porta, anunciando a chegada da paciente rebelde, Melissa analisava pesarosa sua agenda. Corey Sanders tinha uma sessão marcada para as 14:00, no entanto estava sinalizada como cancelada, porque ele gozaria de uma estadia de 48 horas na solitária. Resultado, certamente, de sua briga com Jonathan Reagan. Melissa sentiu uma estranha pontada no peito ao ler a informação. Era sua culpa. Corey Sanders estava preso em um lugar escuro, insalubre e deplorável e a culpa era sua. E um pesado sentimento de culpa era com certeza um dos piores com que se poderia conviver. Mais um fator que contribuiu para piorar uma das semanas que Melissa já julgava, sem sombra de dúvidas, estar dentre as piores de sua vida.

-Doutora Parker? – chamou um dos guardas, vendo que ela ainda estava dispersa na análise de sua agenda.

-Sim? – Melissa levantou a cabeça, encontrando no mesmo instante, sem querer, o olhar injetado de loucura de sua paciente.

Sem que se desse conta, seus olhos já analisavam cada detalhe daquela excêntrica mulher. Os cabelos loiros e compridos de Megan Janeth McPhierson, ao contrário do restante de sua aparência, reluziam, como na foto que Melissa tinha sobre a mesa. Os traços distribuídos com perfeição no rosto levemente arredondado ainda guardavam com competência aquela beleza rara, não abalada pelas escuras olheiras que rodeavam seus olhos verdes. Os lábios estavam ressecados, a pele maltratada, as unhas descuidadas, a palidez perdida naquele uniforme cinza, e ainda assim ela continuava... Radiante.

-Trouxe sua paciente. – informou o guarda, sorrindo incerto, enquanto tentava puxar uma arredia Megan Janeth McPhierson até a cadeira que lhe era destinada.

-Ah, sim... – Melissa desviou o olhar, sorrindo para o guarda.

Respirou fundo quando ele finalmente conseguiu fazer com que a paciente andasse e se sentasse em seu devido lugar. A proximidade da mulher passou a causar arrepios na espinha de Melissa. Ela era detentora de uma aura maligna só dela que, bem, parecia quase pior do que a angelicalmente malvada Julia Sheffield.

-A doutora prefere que algum de nós dois fique?

Melissa analisou a expressão preocupada dos dois guardas, para depois fitar o olhar assassino que Megan lhe lançava. Poderia jurar que tencionava desintegrar cada pedacinho seu só com a força do pensamento.

-Se for possível... – Melissa assentiu e forçou um sorriso, tentando apagar a intensidade daquele olhar, que parecia queimar sua pele.

O guarda que falou com ela dispensou o outro, e se postou ao lado da porta. As mãos foram cruzadas na frente do corpo, o olhar atento na maldosa Megan Janeth McPhierson, como se esperasse o momento em que ela pularia por cima da mesa e tentaria enforcar Melissa.

Era uma possibilidade bastante provável de se concretizar.

Melissa pigarreou, escolhendo as palavras que diria a seguir com muito cuidado. Porém, nem foi necessário puxar o fôlego para forçar a voz a sair, uma vez que Megan fez questão de se manifestar primeiro:

-Nem pense nisso, coisinha! – bradou a mulher, em voz aguda de perua indignada. Ela levantou a mão em um gesto que fez Melissa trancar os lábios instintivamente. – Pode manter essa boquinha de Angelina Jolie bem fechada.

Melissa quis rir daquele comentário, mas achou que não era seguro. Ao invés disso, optou por responder, mantendo um bom humor admirável em seu tom de voz:

-Mas você nem sabe o que eu ia dizer...

-Ah, eu sei sim, meu amor! A mesma coisa de sempre... "Como se sente?" "Por que tanto ódio?" "Por que tanto ciúme?" "Você foi maltratada pelos pais quando criança?". O mesmo blá-blá-blá, a mesma ladainha. Estou de saco cheio disso tudo. – ela rolou os olhos em desprezo.

-A gente não fala sobre isso então... – Melissa sorriu simpática.

-Por que sempre mandam umas menininhas todas simpáticas, com esse sorrisinho de Barbie para me atender? Eles ainda não entenderam que eu não suporto esse tipo? – ela reclamou, batendo as unhas extremamente compridas no braço de metal da cadeira. Estava inquieta. - Faz eu me lembrar daquela vagabunda, e acredite amor, não é bom quando isso acontece.

-Talvez eles esperem que você se identifique...

-Ah, pelo amor de Deus! – Megan rolou os olhos outra vez, encarando desinteressada a decoração pobre do consultório – Como é que eu vou simpatizar com mulheres bonitas? A minha vida toda eu fui obrigada a competir com elas. O ódio é gratuito. E você tem olhos lindos, aliás.

-Devo agradecer? – Melissa perguntou hesitante, abrindo um sorriso de mesmo tom.

-É o que manda a educação, não é? E uma menininha tão jovem como você, já formada em medicina, com esse brilho inocente nesses invejáveis olhos acinzentados... Tem educação, não tem?

-Sim, eu tenho. – Melissa confirmou com a cabeça - Obrigada.

-Será que eu posso arrancá-los e colocar no lugar dos meus? Verde anda tão démodé ultimamente... – Megan abanou a mão, como se estivesse comentando o fato de que calças boca de sino tinham caído de moda.

-Acho melhor não.

Megan abriu um sorriso esperto, e cerrou os olhos em malícia na direção de Melissa, que não entendeu sua reação, até que ela abriu a boca para exteriorizar os motivos:

-Não precisa ter medo de mim.

-Não estou com medo.

Megan balançou a cabeça em negação.

-Parece que sim, não minta para mim.

-Sua percepção pode ser falha às vezes.

-Duvido muito. – Megan estalou os lábios – Qual o seu nome, doutora Parker?

-Melissa.

A mulher fez um biquinho, analisando clinicamente Melissa.

-Um nome doce como você... – comentou Megan, de repente sentando na ponta da cadeira e apoiando as mãos na mesa.

Melissa permaneceu estática, uma rocha em sua cadeira de psiquiatra.

-Não se preocupe, não sou tão ruim quanto todos falam por aí... – disse ela, em uma voz baixa e doce, quase de uma mãe dizendo ao filho o quanto ele é importante em sua vida.

Os dentes alinhados e brancos dela apareceram em um sorriso que tencionava ser simpático, porém um simpático que causava calafrios. As rugas de Megan pareceram profundas, e por um instante, Melissa pôde perceber o quanto a estadia no St. Marcus a envelhecera.

-Sei que não, Megan. Também tem uma garota doce escondida em você, uma que não quer ser violenta, não quer ter ódio do mundo, não quer fazer mal às outras pessoas...

Megan abanou a mão em desinteresse.

-Bobagem! Mas ainda não te odeio o bastante para ter vontade de arrancar seus olhos que são mais bonitos que os meus, ou desfigurar seus lábios mais bonitos que os meus, ou arrancar cada fio de cabelo mais bem cuidado do que o meu... Até suas unhas bem pintadas de vermelho eu poderia arrancar uma por uma... Como eu disse, ainda não te odeio.

-Será que devo agradecer pelo voto de confiança?

-Eu disse que não te odeio ainda. Mas é bom ficar esperta! – Megan piscou sedutora, e depois voltou a sentar comportada em sua cadeira.

-Eu vou ficar.

Quando o relógio anunciou a chegada das 18:00, Melissa pôde respirar aliviada. Havia sobrevivido intacta a uma sexta-feira tensa. Assim como a toda aquela desastrosa semana. Depois de Megan, Melissa teve uma sessão com a assustadora Julia Sheffield e o senhor Carter, o maluco que estava na enfermaria dois dias atrás e que não soltava nada além de resmungos. Foi interessante conferir com os próprios olhos o desempenho do paciente, que era comparável a um homem das cavernas.

Melissa organizava sua mesa e guardava os papéis dispersos nas gavetas, quando foi atingida pelo contagiante e belo sorriso do doutor Brian Peters.

-Boa tarde, doutora. – disse ele, depois de passar pela porta.

Brian não vestia branco, como todos os dias. A camisa preta e os jeans de lavagem escura o deixavam particularmente mais atraente do que o usual. O par de tênis moderno completava o figurino de alguém que passaria algumas horas se divertindo em um pub.

-Boa tarde, doutor. – respondeu.

-Suponho que teve um dia cheio e cansativo? – perguntou, e ao que Melissa concordou com a cabeça, continuou: - Cansada demais para um happy hour no 'New In' ou está interessada em encarar um momento de descontração com seus mais novos colegas de trabalho?

Melissa pensou por breves e insignificantes instantes.

-Por favor! – foi o que respondeu, abrindo um sorriso que beirava o agradecimento.

Distração com conversa fiada e bebida alcoólica era tudo o que precisava depois daqueles cinco dias mais intensos de sua breve vida.

A noite já havia caído escura sobre o St. Marcus Institute quando Melissa deixou seu quarto em direção à entrada do prédio administrativo. Brian disse que a aguardaria ali. Não havia levado roupas menos casuais do que jeans e as básicas camisetas, mas encontrou um vestido xadrez de manga comprida que era o suficiente para a ocasião. A jaqueta de couro negro a protegeria do frio. Melissa tomou nota mental de pedir à mãe que lhe enviasse roupas mais elaboradas da próxima vez que falasse com ela.

-Você está linda. – observou Brian sorridente, quando Melissa se aproximou.

-Obrigada. – agradeceu, desviando o olhar para a porta aberta que deixava entrar o vento frio da noite.

Brian estendeu o braço para que Melissa passasse e caminharam descontraídos até o estacionamento. Aquela situação toda mais se parecia com um encontro, do que com uma ida a um happy hour com os colegas de trabalho. Melissa se sentiu incomodada ao chegar a tal constatação. Se não havia aceitado aquele convite para ir à Starbucks, não havia exatamente se livrado do encontro com o doutor Brian Peters. Só desejou chegar o mais rápido possível ao 'New In'. O que aconteceria, uma vez que Winchelsea se orgulhava do trânsito mais tranquilo de toda a Inglaterra.

Melissa fitava absorta a bela paisagem da colina que desciam segundo o movimento do carro de Brian - um belo Audi, ela observou atenciosa - quando escutou a voz dele chamando sua atenção.

-Algum motivo particular para estar tão calada?

Melissa voltou seu olhar a Brian, que fitava a estrada com atenção, mas esperava por sua resposta:

-Não. – deu de ombros – Só pensando na vida...

-Bem mais tranquila quando tinha mil páginas de livro para ler, não era?

-Talvez...

-Quando passar a primeira impressão você vai ver como é, no fundo, divertido.

Melissa cerrou os olhos, duvidando seriamente das palavras de Brian.

-Você fala na loucura com tanta naturalidade, Brian. Invejo você por isso, sabia?

-No começo eu era tão receoso quanto você... – ele sorriu compassivo, voltando a atenção para a estrada novamente. Já estavam na entrada de Winchelsea a essa altura. – É só uma questão de costume e experiência, e você vai enxergar neles muita coisa além da loucura.

-Assim espero.

O silêncio durou mais poucos minutos, então Brian parou o carro na frente do 'New In'. Pelo lado de fora, já era possível perceber o quanto estava cheio.

-Tudo bem se eu for, não é? – Melissa parou na entrada do 'New In', apertando o casaco de couro contra o corpo.

Encarou Brian hesitante, que por sua vez já adentrava o lugar.

-Mas é claro que sim! – ele rolou os olhos, puxando Melissa pela mão para dentro do estabelecimento.

Tudo esquentou de repente. Culpa do calor corporal que se acumulava por cada mísero canto ocupado por pessoas. Parecia que todo o vilarejo se encontrava ali, sorrindo, bebendo, confraternizando... Era agradável de ver.

Brian continuou puxando Melissa pela mão, para o lado direito do pub, onde uma mesa grande era ocupada por vários rostos conhecidos. Rostos com os quais cruzou pelo corredor a semana toda, ou viu de relance pelo refeitório nos horários das refeições. Nenhum deles foi muito simpático, e repetiram a atitude arrogante quando Melissa chegou ao lado de Brian, que sorridente cumprimentou os colegas com um aceno animado.

Engraçado que para ele aquele bando de idiotas dava atenção.

A única pessoa que acenou para Melissa com empolgação além do normal foi a enfermeira Kate. Sustentava uma pigmentação avermelhada na pele, que também não era normal. Resultado, com certeza, do conteúdo colorido e provavelmente alcoólico do copo que ela segurava em uma mão, enquanto com a outra chamava Melissa a se aproximar. Ela olhou para Brian, como se o convidasse a se juntar a ela.

-Que bom que se juntou a nós, Melissa! – comemorou Kate, em um tom agudo distinto do sempre gracioso. – Achei que você era daquelas certinhas que evita esse tipo de confraternização!

Melissa franziu o cenho, olhando de Kate, aparentemente meio bêbada, a Brian, que a fitava desafiador. Melissa se aconchegou melhor em seu lugar, adotando uma posição menos formal, antes de responder:

-Eu costumava frequentar as festas da faculdade. – disse, em um tom defensivo demais. Kate percebeu.

-Tem certeza?

-Claro que sim. Não era presença constante, mas em uma ou outra não era difícil de me encontrar.

-Continuo não acreditando... – Kate rebateu, levantando de repente de sua cadeira – Vou buscar mais um desses – disse, mostrando o copo ainda pela metade em mãos – Quer um?

Melissa deu de ombros e Brian confirmou com a cabeça. Ambos observaram Kate caminhar cambaleante na direção do bar.

-Ela tem um fraco por bebidas. – disse Brian.

-É... Eu percebi.

-Costumava ser a rainha das festas no colegial. A festa não começava enquanto Kate não chegava... Pode ser absurdo de se dizer hoje em dia, mas naquela época ela era uma rebelde!

-Vocês se conhecem desde o colegial? – Melissa perguntou curiosa.

Não pôde deixar de notar que Brian passou o braço em torno de sua cadeira.

-Desde sempre, na verdade. Nossos pais são amigos desde sempre, que os pais eram amigos desde sempre. E as gerações seguem... – Brian sorriu saudoso, e Melissa não pôde deixar de notar o modo carinhoso com que encarava Kate, que agitada chamava a atenção do garçom no balcão.

-Vocês... Hum... Já tiveram um romance? – Melissa perguntou, antes mesmo que percebesse sua língua incontrolável tagarelando.

Fitou Brian envergonhada logo depois, quase como se pedisse desculpas pela intromissão.

-Não! – Brian, por sua vez, tratou de responder logo – De jeito nenhum! Kate era a namorada do meu melhor amigo.

-Sei... – Melissa sorriu, voltando a observar Kate, que tagarelava e parecia atrapalhar o serviço do barman.

O barman parecia encantado demais com a beleza graciosa da moça para se lembrar de servir os demais clientes.

-E você?

Brian chamou sua atenção outra vez, e Melissa voltou o seu olhar a ele.

-E eu o quê?

-Tem um namorado?

Melissa pigarreou hesitante, se sentindo mais quente de modo repentino. Não era uma pergunta que gostava de responder. Não era um assunto sobre o qual gostava de falar. Seu passado amoroso era um borrão distante, do qual não tinha muitas lembranças. Talvez porque sua consciência, ciente do trauma por que seu coração havia passado, preferiu apagar as memórias. Assim privou Melissa de um estado depressivo pouco saudável e bastante indesejado. Sua vida amorosa era um fracasso, em conclusão.

Kate chegou, no entanto, salvando Melissa do momento chato e constrangedor. E Melissa agradeceu internamente por isso.

-Ei! – Kate disse, colocando três copos sobre a mesa – Sobre o que estamos falando?

-Sobre o namorado que Melissa não disse se tem... – foi Brian quem se manifestou.

-Ah, não! Não vamos falar sobre isso! O amor é uma dor! – bradou Kate rancorosa, fazendo bico – Vamos falar sobre outra coisa...

-Contanto que não seja sobre os pacientes do St. Marcus... – pediu Melissa, antes de dar um gole em seu drink.

Teve que se segurar muito para não tossir. Era forte.

-Nada de amores, nada de St. Marcus... – Kate foi listando nos dedos – Qual seu filme favorito? – ela sorriu então, alegre até demais.

Melissa teve que dar risada, acompanhada por Brian. Percebeu que ele passou encara-la de um modo suspeito e insistente. Talvez estivesse se sentindo mal com isso, mas preferia que o álcool no seu sangue fosse o responsável por mandar essa paranoia para longe. A noite seria bem interessante...

Alguns drinks mais tarde, Melissa acabou percebendo que todos os médicos e enfermeiros do St. Marcus ali presentes foram se soltando e se tornando razoavelmente simpáticos. A verdade era que somente a bebida era capaz de afastar as perturbações daquele lugar de suas cabeças. Uma semana toda era muita informação a ser armazenada. E no fim das contas, Melissa até conseguiu manter uma conversa agradável com três ou quatro deles.

A que mais fazia questão de se mostrar por perto era aquela doutora de cabelos tingidos de vermelho com a voz cativa de dubladora de desenho animado. Melissa ainda se lembrava de tê-la visto em sua primeira refeição no St. Marcus. E a proximidade insistente, aos olhos de Melissa, se dava somente porque ela provavelmente tinha uma grande queda por Brian. E aparentemente só conseguia exteriorizar esse interesse quando bebia. Ela o encarava de maneira sedutora, e a todo o momento era flagrada tentando agarra-lo.

Em um dado momento, quando já estava tarde e Melissa, sentada em um canto, começava a se sentir sonolenta, Brian entrou em seu campo de visão. Parecia fugir pela milésima vez da grudenta doutora Jennifer Iates – a ruiva apaixonada.

-Por favor, me ajude! – pediu ele, em uma voz mole e desesperada. – Finja que é minha namorada, faça qualquer coisa, mas tire essa maluca do meu pé! – suplicou, abraçando Melissa de lado.

Involuntariamente, Melissa afundou o nariz em seu pescoço. E nem pensou em afastá-lo depois disso. Ele era forte, quentinho, particularmente delicioso de ser abraçado e cheirava a um perfume de fragrância oriental que era hipnotizante.

-Ela é bastante insistente, não? – comentou Melissa, quando Brian afrouxou o abraço, mas continuou com as mãos ao redor de sua cintura.

Eram mãos grandes e fortes.

-Ah, você não tem noção do quanto! Desde que cheguei aqui, ela tenta abusar sexualmente de mim! – reclamou, fazendo bico. – Não importa se eu disser que sou casado, ela não vai parar de insistir enquanto não ver minha suposta esposa em carne e osso! Bem que você podia colaborar com a minha farsa, não é mesmo? – Brian lançou aquele olhar intenso e brilhante, dando uma piscadela marota. E logo depois desviou o olhar para os arredores, para voltá-lo em tom preocupado a Melissa, de repente afetada. – Ah, não! Ela está vindo de novo! – Brian rolou os olhos, voltando a abraçá-la daquela maneira forte e gostosa.

Melissa olhou por cima da cabeça de Brian, passando os braços em volta de seus ombros largos, apenas para encontrar um olhar matador da ruiva apaixonada.

A moça franziu o cenho e a boca, bufou indignada, e deu meia volta, batendo os saltos no chão do pub.

-Bem, agora ela não está mais. Foi embora. – Melissa sorriu – Mas me olhou de uma maneira estranha. De quem provavelmente vai tentar me passar uma rasteira da próxima vez que nos encontrarmos no refeitório.

-Duvido muito! – Brian se afastou novamente, sem largar sua cintura – Amanhã ela nem se lembra de nada.

-Tomara que não! – Melissa sorriu incerta, olhando para Kate, que voltou a tagarelar animada na orelha do barman.

Então olhou Brian de novo, que a fitava inquisidor.

-O que está pensando?

-Por que Kate é tão revoltada com o amor?

Brian suspirou, tomou o copo de sua mão e virou o que restava do líquido antes de pousá-lo na mesa.

-Como eu disse, ela costumava namorar o meu melhor amigo, mas aí ele a trocou pela Academia da Scotland Yard. – Brian torceu a boca, pesaroso. Melissa repetiu seu gesto de modo instintivo. – Ela era perdidamente apaixonada por ele. E ainda é, me arrisco a dizer. E foi bem nessa época que eu entrei para Medicina, então vamos dizer que Kate foi abandonada ao mesmo tempo pelo namorado e pelo melhor amigo. Entrou em um estado depressivo e quando se recuperou, nunca mais foi a mesma. Virou aquela garota graciosa, que fala baixo e doce e olha todos como se fosse uma mãe. Parece que ela tenta reprimir a verdadeira personalidade, porque acha que foi essa personalidade que afastou tanto eu como Josh. Obviamente não foi o que aconteceu, nós só crescemos e seguimos caminhos diferentes. Todos adoravam Kate daquele jeito. E é só quando bebe é que deixa a Kate louca e extrovertida do colegial aparecer.

-Isso é muito triste... – comentou Melissa.

-Dava para escrever um romance dramático, se quer saber... – Brian sorriu triste – Mas você ainda não me respondeu aquela pergunta...

-Qual pergunta? – Melissa desconversou.

Sabia bem a que ele se referia. Preferia fugir do assunto, no entanto. Toda vez que pensava nele, aquela pontadinha estranha irritava sua têmpora, a visão começava a ficar turva... Mal estar exagerado para quem não precisava disso.

-Você tem um namorado ou não tem?

Melissa suspirou, desejando que ele não tivesse tomado o restante de seu drink. Faria muita falta, contudo Kate a salvou novamente. Estavam sendo providenciais suas intromissões naquela noite.

-Melissa! – disse ela, chamando a atenção dos dois para si. – Já disse que seus olhos são lindos demais? – perguntou, e abraçou Melissa, afastando Brian.

Melissa nunca antes se sentiu tão feliz por ter uma amiga bêbada para cuidar.

-Você está horrível. – a voz de Pete, o carcereiro chefe do prédio C, reverberou nos ouvidos de Corey de modo tão intenso, que parecia uma banda marchando em sua cabeça.

Ele fechou os olhos por um instante, eles ainda lutavam para se acostumar de novo com a claridade. O silêncio de antes acostumou-se a seus ouvidos, de modo que qualquer som era barulho demais.

Sair da solitária era sempre um martírio.

-Obrigado pela informação. – Corey ironizou, rolando os olhos.

O som de sua voz era tão raramente ouvido, que soava estranho até aos seus próprios ouvidos.

-O que foi dessa vez?

-Jhonnatan Reagan estava pedindo por um corretivo. Não poderia negar um pedido tão fervoroso.

-Ele fez alguma coisa para você?

-Não a mim diretamente. Mas incomodou uma pessoa em especial que, bem, não merecia ouvir as coisas que ele tinha a dizer. A verdade é que uma hora ou outra alguém teria que calar a boca dele. Fico feliz de ter sido eu a fazê-lo. Se pudesse, teria quebrado todos os dentes daquela boca nojenta, só para garantir que ele ficaria calado por tempo suficiente para aprender a ser gente. – declarou por fim, de modo tão revoltado, que ganhou um olhar surpreso do amigo.

-Você tem que parar com isso, Sanders. – ele balançou a cabeça em reprovação – Achei que havia desistido da solitária.

-Eu desisti, mas não poderia ficar calado enquanto ele... – Corey pigarreou nervoso, sentando confortável contra seu travesseiro – Bem, ele não tinha o direito de fazer o que estava prestes a fazer.

-O que ele estava prestes a fazer, Sanders? – Pete perguntou, particularmente curioso.

Suas rugas permanentes ao redor dos olhos castanhos, nesse momento franzidas, denunciavam o quanto ele estava louco para saber da fofoca. Pete era um fofoqueiro, essa era a verdade. Corey não sabia como ele ainda não estava por dentro das novidades:

Corey Sanders socou Jhonnatan Reagan porque ele estava atazanando a doutora Melissa Parker.

Ora, era uma história e tanto, não era? Logo Corey Sanders, o filhinho de papai que vivia em um quarto confortável, andava por aí livre como se não fosse um prisioneiro do helvete e ignorava a tudo e a todos como se não fossem dignos de adentrar em seu mundo particular. Era um prato cheio, isso sim!

-Não quero falar sobre isso. – foi o que Corey respondeu, cruzando os braços e trancando os lábios em uma linha fina, o que significava que a partir dali não diria mais nenhuma palavra.

Nem que o mundo ao seu redor estivesse desabando.

Pete suspirou derrotado, antes de informar:

-Sua irmã chega em meia hora. – foi o que disse, recebendo um olhar de aprovação, antes de sair e fechar a porta atrás de si.

Corey respirou fundo, buscou a melhor posição em seu colchão, uma em que seu corpo não doeria demais, e fechou os olhos por alguns instantes. Tudo o que precisava era de alguns minutos de descanso, para limpar sua mente dos horrores da solitária, e então poderia receber a visita de sua irmã. Entretanto, Corey achou que mal fechou os olhos, e a batida característica de Pete na porta já o acordava de supetão.

-Ela já está aí.

Carolyne o aguardava no prédio administrativo, na sala de visitas, sempre com aquele brilho angustiado nos olhos pesarosos. Dessa vez, como em todas as vezes em que Corey havia acabado de sair da solitária, sua irmã arregalou os olhos e tampou a boca com as mãos, horrorizada com a situação sofrida e deplorável do irmão.

-O que fizeram com você, Corey? – perguntou ela chorosa, quando a porta foi fechada e o irmão já estava acomodado em sua cadeira.

Ela fez menção de se aproximar através da mesa que os separava e tocá-lo, mas ele o impediu com um gesto de recusa.

-Já que disse que não quero que se aproxime de mim, Carolyne. Estou sujo, só preciso de um banho, mas estou bem.

-E eu já disse para você parar com essa idiotice! – replicou ela, indignada. Ainda estava chorosa, como se a qualquer momento fosse desabar em lágrimas. – Você é meu irmão, Corey! Tem ideia de quanto faz falta o seu abraço?

-Eu sei, Carolyne, mas acredite, é melhor assim.

-Não vejo como pode ser melhor.

-Não discuta, por favor.

-Tudo bem. – ela assentiu relutante – Então pode começar a me dizer o que diabos fizeram com você nesse maldito lugar? Você está tão... Maltrapilho.

-Fui para a solitária. – Corey deu de ombros, como se fosse a coisa mais natural e saudável do mundo. – Não nos deixam tomar banho por lá, é só sujeira e falta de vitamina D.

-Acho um absurdo esse lugar ainda ter uma solitária! Em pleno século XX! Não sei como papai ainda não fez algo sobre isso... O dinheiro dele manda nesse lugar, poderia... – Carolyne protestou.

-Deixe nosso pai fora disso, Carolyne. Não é tão ruim quanto parece.

-Eles trancam você em uma cela suja, escura, sem banho... Ao menos te dão comida?

-Sim, eles me dão, não estou desnutrido. – Corey revirou os olhos.

-Não é o suficiente para mim. Já passou da hora de as coisas mudarem no St. Marcus. Esse Dr. Thompson é um monstro...

-Carolyne... – Corey repreendeu – Não mereço tratamento melhor, não depois do que deixei acontecer a Barber.

-Não é sua culpa, Corey.

-É minha culpa.

-Não...

-Não vamos discutir isso de novo, tudo bem, achei que agora, três anos depois, já tivéssemos chegado a um consenso.

-Nunca vamos chegar a um consenso sobre você estar preso injustamente, Corey.

-Eu mereço. Acredite em mim.

Carolyne suspirou com força, então deu-se por vencida, mudando parcialmente de assunto.

– Eu já não te disse para parar de arranjar confusão? Para evitar ir parar nessa porcaria de solitária?

- Eu parei, mas dessa vez não deu para evitar! – Corey se defendeu. – O cara praticamente implorou para que eu distribuísse uns socos de graça.

-E é claro que você não recusou, não é mesmo?

-Nem poderia.

-Por quê? Mesmo sabendo que isso te custaria algumas horas de solitária? Por quê?

-Porque... – Corey relutou um pouco, considerando se era seguro ou não dizer o que vinha sentindo e pensando nos últimos dias. E acabou por concluir que, aquela era sua irmã, e se não dissesse nada a alguém urgentemente, explodiria. Ninguém melhor do que Carolyne, seu porto seguro, a pessoa que mais amava no mundo, para entendê-lo. – Porque ele a estava provocando e eu não consegui deixar acontecer.

-Espere aí! Ele a estava provocando? –Carolyne bufou irritada – Quem é ela, Corey?

Corey engoliu em seco, se arrependendo imediatamente de ter aberto a boca. E depois ainda perguntavam por que ele era sempre tão calado...

Estar com medo de Carolyne não era algo de que gostava. E era exatamente assim que se sentia naquele momento.

-É uma nova médica. – Corey soltou por fim, esperando a gritaria e a bronca que viria a seguir, mas não foi o que aconteceu.

Carolyne o encarava curiosa. Como se estivesse tentando deduzir de onde é que o conhecia.

-Você bateu em outro paciente para defender uma médica? – perguntou, e logo em seguida estava rindo.

Não era a reação que Corey esperava. Definitivamente.

-Mais ou menos...

-Ah, os tempos estão mudando... – Carolyne parou de rir, e agora só sorria contente – Já falou com ela?

-Prefiro manter a boca fechada como sempre.

-Pois eu acho que você deveria considerar a possibilidade de deixar sua maravilhosa voz soar na presença dela, porque se essa abençoada alma foi capaz de mexer com você de tal maneira, acho que ela tem algo importante a lhe acrescentar. – foi o que Carolyne disse, e que deixou Corey pensativo por um bom tempo.

----------

Continue Reading

You'll Also Like

Declínio By Dmitri Bucareste

Mystery / Thriller

266K 22.6K 171
"Eu queria devorar esse moleque. Me sentia plenamente capaz de passar a noite inteira traçando ele, até meu pau esfolar. Meu peito tava agoniado. Em...
834 63 4
✶ ۫ ᰈ 𝐒𝐏𝐀𝐑𝐊𝐒 𝐅𝐋𝐘, graphic shop. ⸝⸝ ⭒ ONDE EU, O MESTRE, ANAKIN SKYWALKER, e sua jovem padawan, taylor swift, nos res...
31.1K 4.5K 51
A paisagem congelada era um fiel retrato do coração de Ailyn Bernardi, uma jovem princesa do reino de Salim, com uma aparência unicamente exótica e u...
2.4K 575 96
A Guilda de Aventureiros é uma organização respeitada, principalmente no reino de Yogratax, onde foi fundada. Sua fama se estende além das fronteiras...