O som da televisão alta no andar debaixo, na sala, indicou que meu pai tinha acordado do seu profundo sono. Ele estava na mesma posição que eu o encontrei de manhã ao sair para a faculdade: sentado na poltrona somente de bermuda e o ronco alto a ressoar pela casa. Seu ronco era a única garantia que eu tinha de que ele estava vivo, e não morto.

Me poupava de precisar certificar e por um deslize acabar acordando a fera insensível que hoje em dia habita dentro do seu corpo descuidado.

Quando finalmente passado os quinze minutos, eu tirei a máscara e entrei no box. Tomei o meu banho apreciando cada momento -Ao mesmo tempo que- desesperada para acabar logo e colocar a roupa, que seria o primeiro presente que a minha mãe me deu.

Pensando sobre, eu tinha aceitado o apartamento. E para a minha surpresa tinha outro terceiro presente me aguardando na garagem do prédio, e, é claro que eu deveria ter esperado por um carro. Era a cara de minha mãe querer um pacote completo.

E mesmo amando tudo eu não sabia se era capaz de deixar papai se manter por sua própria conta. Afinal eu pagava as contas e as outras despesas. Sem a minha ajuda como ele faria para sobreviver? O que faria para comer coisas básicas e pagar as contas?

E se eu escolhesse partir. Não sei se conseguiria aceitar que mamãe me bancasse, assim como não teria estruturas para manter esta casa, as duas despesas e as minhas despesas no meu apartamento. Era como um plano infalível, até mesmo uma missão suicida. Eu jamais poderia fazer os dois, e esperar alguma mudança da parte do meu pai. E ao mesmo tempo eu só estava criando problemas para não deixa-lo.

Ele não se importaria em um fio. E muito menos mudaria. Para ele, morrer não seria sequer notado. Ele nem perceberia assim como não percebe nada à sua volta que não seja da sua profunda vontade, e o que ele conseguisse - Seja dinheiro ou bens materiais - ele levaria para jogo ou muito mais provável: a bebida.

Era inútil e desgastante parar e pensar nesse imenso problema justo hoje. E esse pensamento me levou ao atraso no banho.

Corri para dentro do quarto e me sequei tratando de me arrumar sem morrer de vontade de checar as horas e ver se eu estava atrasada ou apenas ansiosa e por este motivo imaginando estar atrasada.

Ajeitei a saia jeans e depois de uma imensa burocracia consegui vestir e amarrar a blusa de uma forma que ficasse bonita afinal eu precisava amarrar na frente e qualquer um veria o nó que eu dei. Finalmente com a roupa no corpo, olhei ao redor do quarto em busca da minha sandália básica e confortável.

Quatro tentativas depois, e uma cena de drama, eu consegui fazer um delineado simples e perfeito. Ajeitar o cabelo e passar o meu perfume. Meu celular vibrou em uma mensagem, encarei a tela esticando o pescoço.

Era de Vinnie, ele tinha avisado que estava aqui. Ou sendo sincera algumas casas antes, meu pai faria um escândalo se o visse. Sendo sincera se visse qualquer garoto. Atitude ridícula, porém eu não poderia esperar nada de alguém que destruiu a minha infância e os meus possíveis e antigos relacionamentos fracassados, e que nem foram devidamente engatados.

Troquei os brincos dos furos em minhas orelhas depois de limpar ela e os brincos. Apesar de saber que deveria correr e sair de casa. Não consegui resistir, precisava usar os brincos novos dos outros furos.

Fitei a garota do espelho e senti orgulho e nervosismo. Tirei uma foto no espelho e mandei para mamãe, porque no futuro eu queria me recordar desse dia e de como tudo foi, do que aconteceu depois, mesmo que as chances de serem trágicas fosse imensas. Uma vez com fotos para relembrar esse dia disparei do quarto, para as escadas ao som da televisão alta.

- Onde você pensa que vai, Liana? - A voz dura do meu pai me parou. Encarei a cabeça dele iluminada pela luz da grande televisão da sala.

- Eu vou sair com alguns amigos, é o meu aniversário pai. - esclareci em uma mentira, aquelas eram as primeiras palavras que trocávamos hoje e ele vinha com essa dureza e asperez, como se eu estivesse fazendo algo errado. Ele sequer tinha se lembrado do meu aniversário e queria saber onde eu ia, como se importasse.

- Foda-se o seu aniversário. Você não vai. - franzi o cenho e levantei um pouco mais a cabeça. Respirei fundo e girei a maçaneta da porta.

- Eu não estou pedindo permissão, pai, estou lhe comunicando. - ele se levantou na mesma hora e se virou para me encarar. - Deixei comida pronta na geladeira.

- Liana, volte aqui!

Passei pela porta e a tranquei apenas para poder correr pelo jardim morto chegando na calçada e procurando pelo carro de Vinnie. O encontrei quando escutei o som de uma buzina. A voz de papai agora era distante.

Atravessei a rua e bati duas vezes na janela, nervosa e com medo do meu pai estar saindo para tentar me impedir. Depois de alcançar a maioridade eu me recusava a ter que ver meu pai ou qualquer um decidir onde eu vou ou não. Eu não precisava de permissão alguma.

Bati outra vez na porta e vi o corpo de Vinnie se mexendo. Ele destrancou a porta e eu entrei devagar e receosa em seu carro, gelado por causa ar condicionado. Os olhos dele encontraram os meus e tudo ao meu redor sumiu, meu coração disparou, tive falta de ar e as minhas pernas estremecem.

E com apenas um olhar, eu já era dele.

✔ 𝗕𝗔𝗗 𝗗𝗥𝗨𝗚 ✗ vinnie hacker Where stories live. Discover now