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My head spins in circles so I'm dizzy now
All of this time I should've figured it out
I'm a free animal

Minha cabeça gira em círculos, então estou tonto agora
Todo esse tempo eu deveria ter percebido
Eu sou um animal livre

(Foreign Air - Free Animal)

Isso é um sonho.

Isso só pode ser um sonho!

— O que a senhora está dizendo? — pergunto, quando minha boca desperta do seu torpor momentâneo. — O que está acontecendo?

Ela segura minha mão entre as suas e pensa por alguns segundos.

— Eu estava enganada, Cecília. Seu lugar não é aqui. Nunca foi e nunca será.

— Eu pensei que a senhora quisesse...

— Eu queria — interrompe-me, apressada. — Eu realmente queria, mas foi um erro. Você sempre teve um brilho diferente no olhar, minha querida. Você sempre teve um fogo dentro de si, uma vontade de viver. Você tem ambições demais para um lugar como esse.

Ainda que em um simples sussurro, posso sentir toda a carga de suas palavras, carregadas de orgulho e apreensão. Não sei o que responder. Não sei nem se me lembro como respirar.

— Eu pensei que, para se proteger, você tivesse que se tornar uma de nós. Eu realmente pensei que, quando você aceitasse seu destino, tudo seria mais fácil.

— Mas tudo ficou mais fácil, Irmã — argumento.

— Não. Não ficou, porque você deixou de ser você. Desde que você resolveu levar o convento a sério, aquele brilho no seu olhar sumiu, aquele fogo se apagou e aquela vontade de viver morreu. E não existe nada mais triste do que isso, Cecília. Morrer estando viva é a pior sentença que alguém pode assumir. — Sinto um leve tremor em suas mãos. — Eu não posso deixar que isso aconteça.

Continuo sem esboçar qualquer reação, esperando o momento em que ela vai dizer que isso é uma brincadeira. Deve ser uma espécie de teste ou algo do tipo. Só pode ser.

— Eu te conheço desde que era uma criança, querida. Eu sei reconhecer quando está feliz, quando está com raiva e quando está triste — continua. — Mas o que vi nesses últimos dias... Você está apática! Cumprindo suas tarefas como uma máquina sem vida. Não tentou se refugiar no seu dormitório uma única vez sequer, nem a vi sorrindo ou de conversa fiada com a Camila. Tudo o que tem feito é cumprir suas obrigações, como se isso fosse uma obsessão.

As observações da Irmã Adelaide me deixam, no mínimo, perplexa. Eu nem sabia que ela prestava tanta atenção em mim.

— Há muito anos, conheci uma menina igual a você. O nome dela era Janice e ela era tão desajustada quanto você, talvez até mais. Eu já tinha feito meus votos há bastante tempo quando ela chegou e, por mais que eu tenha tentado ensiná-la a se portar, ela nunca quis. — Ela para por alguns instantes, como se precisasse se esforçar para lembrar do que aconteceu há tanto tempo. — Um dia, encontrei um mapa no meio das suas coisas e, quando a confrontei, ela assumiu que estava planejando sua fuga. Eu tentei convencê-la de que essa era uma ideia horrível, que ela poderia morrer, mas ela argumentou que este lugar já tinha sugado toda a sua vida. Ela me convidou para ir junto, mas eu não aceitei.

Arrumo minha postura, porque não posso perder nenhum detalhe da sua história. Se esse realmente for um teste, não creio que eu esteja me saindo tão bem assim.

INCOMPLETOS - Livro 1 (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora