Eu herdei a pele morena da minha mãe (um tom mais pálido) e os cabelos e olhos castanhos dos Pilarian, enquanto que a Nokata tem a pele clara e o os olhos azuis como gelo. Os traços dos Bergarian intactos… os traços da realeza intactos…

Continuo a arrumar os livros e fico a olhar para o ultimo da pilha. A capa é de um castanho amarelado que já viu muitos anos, nela encontram-se uma montanha cinzenta e mais quatro dragões. 

Desde o sopé até meio da montanha encontravam-se três dragões de perfil olhando para cima e outro no topo da grande montanha. Um dos dragões era azul como o céu, com o mar atrás dele, sem asas, mas aparentando ser esguio com uma cobra. O outro era verde, com vestígios de castanho nas asas e na barriga, com uma floresta a seus pés. O da direita era vermelho como o fogo, este tendo duas cabeças: uma delas parecia ter uma expressão confiante e provocante, enquanto que a outra tinha uma expressão um pouco tímida e submissa, enquanto um monte escuro deitando fumo e lava atrás do dragão. O último, que se encontrava no topo da montanha, com a cauda enrolada no topo da mesma, era de um tom de prata, quase branco com quatro asas e com metade do tamanho dos outros dragões.

A lenda dos Antigos… sempre que a Nokata chorava em bebé  ou quando está triste esta história sempre a acalmou… sempre que os olhos azuis se enchem de lágrimas começo a falar dos dragões e o efeito é quase imediato. Se eu pudesse a trancar numa história seria essa.

- Eu adoro dragões! Quem me dera ter um. Voávamos para todo o lado e tinhas sempre muitas aventuras! - sorriu ao recordar quando eu acabo de ler a história e ela sempre diz isto… é pena isto tudo não ser como a lenda e o nosso pai não puder viver durante mil anos…

Não posso pensar nisto agora… tenho de me concentrar no meu dever e ele é proteger a Nokata e a nossa mãe. Eu ainda não tenho provas… mas algo me diz que a morte do meu pai não foi um caso de doença… o meu pai sempre foi um homem forte que raramente ficava doente. A minha mãe continua a dizer que foram todas aquelas noites a trabalhar no escritório dele, até madrugada, mas eu tenho sérias dúvidas… alguém envenenou o meu pai e eu vou descobrir quem foi… se alguém vem atrás da Nokata vão ter de passar por mim!

- Corian? Se não nos apressamos chegaremos atrasados ao funeral.

- Eu já vou mãe… - guardo o livro na estante e olho para a minha mãe…o preto faz com que ela pareça mais velha… mais miserável… o amarelo e o vermelho ficam-lhe muito melhor…

- Pensava que já estavas lá fora, meu filho.

- Peço desculpa, distraí-me com os livros. 

Quando saímos do castelo dirigimo-nos para o elevador, que se encontrava na lateral da montanha, a minha irmã já estava lá dentro com os guardas e com os pequenos ombros dela a tremer… 

- Corian… ein kurken… kurata (Corian...o meu coração... doi)

- Ja… lie rekon… (Sim...eu sei) mas agora tens mesmo de falar na Língua Comum está bem? - ainda a soluçar, ela acena com a cabeça, limpando as lágrimas ás mangas do vestido.

As Línguas do Reino, como Niltária, devia ser só falada em cerimónias como casamentos ou enterros, mas eu e a Nokata dominamo-la tão bem quanto a Língua Comum e usamo-la quando queremos contar segredos um ao outro. A maior parte das pessoas só quer saber as coisas que se deve dizer nas cerimónias, por isso é como se fosse o nosso código secreto. No entanto, quando os quatro reinos estão reunidos, é mais educado falar na Língua Comum já que é a que todos dominam.

- Maninho? - chama-me a Nokata quando já íamos a meio da descida no elevador - o que é que se faz num funeral?

- Bem… o pai era um Bergarian, por isso vão faze-lo parte da montanha.

- Como é que se faz isso?

- Tu devias saber isto. Acho que a tua mentora já te ensinou as cerimonias de cada reino.

- É que… - sussurra ela corada - nesse dia tinhas prometido brincar comigo que eu não prestei muita atenção…

- Se soubesse que ias fazer isso não te tinha prometido!

- Corian, ela ainda é uma criança. Não devias ser tão duro com ela. Tu nem querias estudar as devidas coisas com a idade dela. - diz a nossa mãe, tentando proteger a nossa pequena.

- Eu não quero ser duro com ela, só quero que ela aprenda o que se espera dela - olha para ela de lado - e esperasse que ela saiba que na cerimonia de enterro dos Bergarian é feito um buraco com a lava do vulcão de Kleignight, que depois é arrefecida com a água do mar de Nynphakall, onde é colocado o rei num caixão feito da madeira da floresta sagrada de Navíria.

- Mas porque maninho?

- Para simbolizar a união dos quatro reinos no seu rei. A pedra, a água, a terra e o fogo. Cada um simboliza uma nação. E todas estão ligadas pelo seu rei.

- E… tu tens a certeza de que o papá…

- Sim. O Mestre Curandeiro tem a certeza de que o pai está morto. Sabes porque é que ele é o Mestre Curandeiro?

- Porque é o mais experiente?

- Isso mesmo. Eu acho que uma pessoa experiente sabe a diferença entre alguém que está morto e alguém que está só a dormir, não achas?

- Corian! - disse a nossa mãe - Chega desta conversa disparatada. Estamos a chegar.

A minha mãe tem razão… estamos a chegar ao sopé da montanha e não é altura de estar a discutir… temos de parecer a família perfeita mesmo estando mortos por dentro…

A Nokata acena com a cabeça e pede-me desculpa. Quem deva estar a pedir desculpa era eu mas só lhe dou um beijo na testa dela e sussurro:

- Quando chegarmos não te afastes de mim, sim?

Ela apenas acena com a cabeça enquanto respira fundo e aperta as saias dela. Ela é uma verdadeira heroína e eu tenho de certificar que aquele fiozinho fica seguro. Ninguém vai por as mãos na minha pequena… eu sei o que é que aconteceu com o nosso pai… o rei Aidel não morreu por acaso… mas agora não é tempo para pensar nisto. Agora temos um funeral para assistir.

Uma questão de ConfiançaDonde viven las historias. Descúbrelo ahora