10 | agora | em queda

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Definitivamente socar um espelho não tinha sido uma ideia sensata, não que tivesse pensado para fazer, apenas precisava descontar minha raiva e frustração em algum lugar.

Mantenho meus lábios comprimidos, em um silencioso protesto. Levo o copo até meus lábios, bebericando o liquido, que brinca com a minha língua antes de ser digerido.

— Ainda irritado comigo? — não ignoro aquele questionamento dirigido em minha direção.

Sem vontade elevo os ombros, que permanecem por alguns minutos assim, enquanto mantenho meus lábios ocupados.

— Por você me chamar de idiota ou por ter razão? — rebato com outro questionamento.

Giro meu pescoço, encontrando a figura de cabelos loiros e alinhados, barba feita, camisa com os primeiros botões abertos e sem gravata de Bufton, meu amigo. Aquele tipo de amigo que ninguém quer, mas todos precisam e acabam tendo, um amigo que fala as verdades inconvenientes.

— Filho da puta — aquele xingamento se sobressai entre as demais vozes que balbuciam pelo enorme salão.

Em um movimento coordenado, Bufto e eu encaramos em direção a mesa de sinuca a peculiar cena sobre os ombros: um homem de camiseta e jeans, com o boné virado para trás, um taco de madeira fino em uma das mãos e uma garrafa de cerveja na outra.

Brevemente, nós entreolhamos, em uma velada e silenciosa conclusão de que não escapa por entre nossos lábios, mas fica contida em nossos pensamentos: que idiota.

Eu bebo. Ele bebe. Preferimos manter nossos lábios ocupados por alguns incontáveis minutos nada silenciosos.

— Sinto muito — aquelas duas palavras voltam a dar início ao nosso diálogo.

Ele fixa seu olhar no fundo do copo. Balanço o copo em sua direção, em um convite silencioso para um brinde que não acontece, pois Bufton mantem suas mãos e seu copo apoiado no balcão.

— Você tinha razão — o parabenizo — Ela não me merece — levo o recipiente de vidro, quase vazio, até os meus lábios — Ela me traiu. Foi embora com outro. E está feliz.

As palavras saem por entre meus lábios mais amarguradas do que gostaria, apesar que se pudesse sangra-las com uma faca, certamente faria.

— Me felicite Bufton — o incentivo, girando o mínimo possível meu corpo no banco.

Os ombros largos do homem ao meu lado murcham, enquanto seu cenho se arqueia em alguma dúvida que ignorava.

— O rapaz — aquele chamado passa entre mim e o homem no banco ao lado, ambos encaramos a muitos passos de distância um homem tagarela de outrora, segurando o taco de sinuca do lado do seu corpo — Isso você — seu dedo dança em direção ao jovem atrás do balcão — Traz uma bebida, rápido.

O jovem atrás do balcão balança a cabeça, agitado, enquanto seu corpo parece tremular de temor. Meus olhos se cruzam com os familiares olhos claros, que não escondem sua reprovação.

— Babaca — Henry rosna entre seus lábios, vocalizando nosso pensamento inicial.

Volto a apoiar minhas mãos sobre o balcão. Inalando o ar cheio de bebida alcoólica, nicotina e um misto enjoativo de perfumes, bebo o restante do liquido esquecido no copo, em silêncio o homem amigável faz o mesmo ao meu lado.

Ele poderia me tripudiar, dançar na minha miserável figura patética que tinha se iludido, mas por consideração, pena ou amizade, não o faz, apenas bebe em silêncio.

— Ei — aquelas vogais soam próximas, quase em nossas orelhas.

Voltamos a encarar sobre os ombros a figura do homem outrora distante com um taco, agora estático praticamente ao nosso lado, com seus dedos repousados no ombro de Bufton, que reage ao seu toque, girando o corpo.

Sempre sua Garota [✓]Where stories live. Discover now