06 | agora | feridas

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— O que eu estou fazendo aqui? — estreito os olhos, mais pela dor de cabeça do que para focar melhor a figura da mulher de cabelos castanhos, estatura mediana, pequenas sardas no rosto e um sorriso gentil.

— A bebedeira foi grande — comenta revirando o globo ocular na orbe.

Gentilmente sua pequena mão me estende uma caneca branca e fumegante.

— Bebe — ordena — Você vai se sentir melhor.

Afundo as mãos nas molas do colchão embaixo de mim, sem conter o sentimento estranho que se alojava no meu interior e os questionamentos que não saberia responder. Arrasto meu corpo sentado, chocando minhas costas na cabeceira, agarro a xicara fumegante de café preto.

Isobel estende dois comprimidos em minha direção, que eu não recuso e jogo na minha boca, engolindo com o liquido quente que queima minhas papilas gustativas.

Sobre a caneca, observo a mulher magra, trajando uma blusa de lã preta e calças jeans sentar-se na outra extremidade do estreito leito, cruzar as pernas e apoiar o braço sobre.

Bebo metade do liquido, sustentando a alça da caneca entre meu indicador, dedo médio e polegar, engulo o líquido que não queima tanto quanto o uísque da noite passada. Sem ignorar os olhos castanhos que me observam curiosos.

— Então — ela quebra o agradável silêncio — Como foi o reencontro cunhadinho?

Isobel Clarke era uma figura rara, diferente da irmã, mais parecida com o pai – não que conhecesse a mãe para ter um parâmetro – era direta, com uma habitual expressão desafiadora, que a fazia uma boa jogadora de pôquer – ela já tinha participado da noite de pôquer junto com Michael -, e naqueles últimos dois anos tinha descoberto nela alguém capaz de me ouvir sem me achar chato, mesmo que ela nunca tenha me contando nada.

Eu mantive contato com os Clarkes após a partida de Lennon. Michael sempre me dizia: tenha paciência, a Lennon é que nem a mãe, cabeça dura.

Ele sabia o que dizia, talvez até os motivos por trás de tudo. Mas nunca me contou nada. Apenas ficou do meu lado como um amigo, um cara que apareceu no bar, uma semana após eu ser abandonado, sentou ao meu lado, pediu uma cerveja e me deixou chorar no seu ombro, me ouviu falar sobre sua filha e apenas me pediu paciência.

— Ela não disse nada — revela diante do meu silêncio, enquanto reclina seu corpo e envolve em seus dedos uma caneca repousada no piso que revestia o chão — Saiu apressada. Parecia perturbada. O que você fez?

Seus olhos se estreitam em minha direção atentos, enquanto seus lábios abocanham a cerâmica da caneca azul.

Aperto minhas pálpebras, tentando ignorar o agudo pulsar dos meus neurônios que doíam, apenas deixando que alguns flashes aleatórios invadissem minha mente, quase como a lembrança de um sonho que tivera no meio da noite e tinha esquecido a luz do Sol.

Trago o sabor amargo da minha biles e não do café preto e sem açúcar. Apenas para sentir o arrependimento por ter bebido e perdido – talvez a única chance – de conversar com aquela mulher.

— Sério que você não lembra? — aquela censura alcança meus tímpanos e separa minhas pálpebras.

Passo a mão entre minhas madeixas desalinhadas, apoiando a caneca no criado mudo ao meu lado, solto o ar pelos meus lábios entreabertos.

— Eu lembro dela — murmuro, encarando Isobel, mas sem realmente vê-la — Ela esteve aqui, nesse quarto, nessa cama comigo.

— Então — aquela palavra é silabada de forma curiosa.

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