Capítulo 2

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O gato foi miando durante todo o caminho de casa até o pet shop. O som era desconcertante, para não falar irritante. Parecia que 20 pessoas estavam arranhando uma lousa ao mesmo tempo enquanto gritavam em meu ouvido.

— Ele não está ajudando muito com a minha depressão — comentei, tentando segurar o gato sujo de uma maneira que o fizesse ficar quieto.

— Ah, pelo amor de Deus, Sâmia — minha mãe resmungou. — Você só está com ele há duas horas. É claro que a ajuda não vai vir tão depressa.

— Você sabe que podia ter me dado um cachorro, não é? Cachorros são muito mais legais. Eles pegam a bolinha e podem passear com você na rua. — Fora que o único gato que eu conhecia, o da mãe de Guga, era uma criatura inútil. Ele só dormia e comia o dia inteiro, sequer se levantava para brincar. Era bem sem graça.

Minha mãe bufou.

— Mas você ganhou um gato, já disse que você precisa aceitar as coisas que Deus te dá.

Revirei os olhos. No fundo, sei que mamãe ficou com dó do gato e está usando minha depressão como desculpa para não mandá-lo para o abrigo.

Apesar de minha mãe ser praticamente uma beata, eu não era exatamente adepta a religiões num geral e, com frequência, conseguia escapar da missa. Aliás, para uma pessoa tão católica, minha mãe era bastante liberal. Ela até deixou eu fazer uma mecha azul no meu cabelo. Claro que era uma pintura bem escondida, em uma das mechas próximas a minha nuca e que mal aparecia, mas eu me orgulhava por ter pelo menos um tiquinho do meu cabelo tingido.

— Deus podia ter me dado um cachorro... — murmurei entre dentes, ganhando um tapa no braço logo em seguida. — Ai!

— Para de usar o nome do Senhor em vão — ela ralhou.

— Isso podia ter machucado.

Minha mãe tirou os olhos da rua por um segundo, apenas para ver que meu braço continuava exatamente igual.

— Nem ficou vermelho — retrucou, revirando os olhos.

Decidi permanecer em silêncio pelo resto da viagem.

O pet shop não ficava longe. Era um desses lugares que estavam em Riacho Alto "desde que a cidade foi fundada". Entre aspas mesmo porque a frase realmente estava escrita em baixo da placa, para todo mundo saber quão antigo era o estabelecimento.

Minha mãe estacionou bem em frente a entrada. Tive que ajeitar o gato no meu colo e segurá-lo de uma forma que suas garras não acertassem meu olho. Vou te contar, parecia que ele queria me deixar uma cicatriz igual a dele.

Fomos direto para o balcão do veterinário. Minha mãe informou a atendente que queria dar um banho e vacinar o bichano, mas confesso que parei de prestar atenção na conversa assim que a outra mulher pegou o gato do meu colo.

Finalmente livre das garras mortíferas daquela fera, passei os olhos pela loja. Eu só havia entrado ali uma vez, com a mãe do Guga, em um dia que ela buscou a gente da escola. No meio do caminho, ela lembrou que precisava de mais ração para o seu gato, por isso parou ali. Como nunca tive qualquer animal de estimação, não fazia sentido perambular pelos corredores cheios de brinquedos e roupinhas.

Mas até que havia umas coisas interessantes na loja. Os hamsters, por exemplo. Fui até uma gaiola onde havia cinco desses animais. Eles eram minúsculos, muito fofos. E com certeza não deviam tentar arrancar meus olhos, como aquela coisa que minha mãe arranjou.

Estava tentando pensar em justificativas para minha mãe me deixar ficar um hamster ao invés do gato, quando eu a vi.

A menina do ônibus.

Meu Gato Me Odeia - degustaçãoWhere stories live. Discover now