A bailarina da lua

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A casa abandonada ergue-se perante mim, altiva, severa. Engulo em seco. Não sei o que é que me deu na cabeça para meter aqui os pés. Não tinha outro jeito. Tudo que eu procuro, as respostas às perguntas que nunca foram esclarecidas, tudo podia terminar dentro desta casa, por mais assustado que tivesse, tinha de continuar. O meu avô acabara de falecer na semana passada, fiquei desolado, mas ele estava agoniado de dores e já não tinha qualidade de vida, agora está em paz. Quando distribuíram a herança havia algo em meu nome, um livro bem antigo intitulado de "A bailarina da lua", sem autor. Curioso, quando peguei o livro e o desfolhei encontrei um mapa dentro dele, exatamente onde se encontra esta casa abandonada. Sinto que o meu avô me quer dizer algo deixando isto na herança dele, quero encontrar o motivo por detrás disso, mesmo que tenha de ficar contemplando esta casa que me dá arrepios até à espinha. Respiro fundo e entro.

O interior da casa está em perfeitas condições, tudo estava intacto. Não sei por onde começar a procurar pistas, tinha tantas divisões que me deixa cada vez mais confuso. Antes de conseguir tomar qualquer decisão ouço uma melodia vinda de um dos quartos do andar de cima. O normal seria me assustar, correto? Afinal acabo de ouvir algo num sítio onde supostamente não há ninguém, mas não, esta melodia faz-me sentir nostálgico por alguma razão e querer adormecer. O meu avô tocava uma música parecida quando eu era pequeno para eu dormir. Ganho coragem e subo na direção daquele som, abro a porta de onde acho que provem a melodia, que já se encontrava entreaberta e adentro. Não havia nada a não ser um quarto comum bem mobiliado, um grande piano, quem quer que fosse que morasse aqui antes tinha um bom poder monetário.

- Enganei-me no quarto. – Penso e suspiro.

Viro-me para sair do quarto, mas a porta encontrava-se trancada por alguma razão. Forço a maçaneta para tentar sair, nada acontece. Começo a ficar assustado e preocupado, dirijo-me à janela e reparo que a altura é demasiada para tentar saltar. Olho em volta para tentar encontrar algo que me faça sair daquele local.

- Não vás embora, por favor. – Ouço uma voz feminina vinda de lado nenhum.

Emudeço, não consigo pronunciar uma única palavra sequer, estava demasiado assustado para tal. Seriam vozes da minha cabeça? Estaria a ficar realmente paranoico?

- Quem és? Onde estás? – Falo finalmente com uma voz trêmula.

Uma figura feminina aparece à minha frente, devia ter os seus dezasseis anos, era muito bonita, possuía um cabelo castanho em duas tranças que caiam à frente dos ombros, um vestido um pouco antigo e, o mais marcante, uma expressão triste no rosto.

- Por favor, não te assustes. Eu não te vou fazer mal nenhum, só quero conversar. – Implorou a menina.

Fico sem saber o que fazer, estava assustado, o mais normal seria tentar fugir o mais rápido possível, mas aquele rosto triste hipnotizava-me e não me deixava mover sequer, senti pena e compaixão.

- Obrigado. – A rapariga faz um pequeno sorriso. – Sou Alina, tu és o... Geraldo?

Geraldo? Esse era o nome do meu avô, de onde ela o conhecia? Era por causa dela que ele me deu o livro? Para que eu pudesse vir aqui? Muitas perguntas vieram-me à mente.

- Não, sou o Mateus, neto do Geraldo.

- Oh. – A rapariga faz um sorriso triste. – Já passou assim tanto tempo?

- Tanto tempo? Como assim? – Interroguei-a confuso.

Alina começa a flutuar pelo quarto, depois desaparecendo e aparecendo em lugares aleatórios, tentando ganhar coragem para continuar o diálogo. Ela era um fantasma, mas mais uma vez eu não conseguia ter medo dela por alguma razão inexplicável.

- Eu era amiga do teu avô desde há muitos anos. Nós costumamos brincar aqui quando esta casa ainda tinha alguma vida.

- Morreste...

- Sim. – Ela assentiu. – Os meus pais nunca me deixavam sair de casa pois tinha uma doença sem cura, o teu avô foi contratado para ser o meu professor de piano. – Passou gentilmente a mão no instrumento. – Ele era a única pessoa da minha idade ao qual podia ter contacto. Ele além de ensinar-me música, contou-me muita coisa sobre a vida, como era o mundo lá fora e eu sorria sempre que ele falava. Sem eu contar tinha-me apaixonado, pelo menos eu acho, pois nunca tinha sentido nada assim por ninguém. Uma noite eu sentei-me perto da janela, observando a lua e contemplando a beleza dela, todavia o meu corpo ficou fraco e só me lembro de fechar os olhos, olhando a lua uma última vez. Não me lembro de mais nada, depois disso, acordei assim, um fantasma. – Soltou um grande suspiro e voltou a olhar a lua. - Sempre senti inveja dela, podia estar sempre onde quisesse e estava sempre rodeada das amigas estrelas. Todos os dias contava ao Geraldo o meu sonho de dançar numa lua cheia e ele prometeu-me que um dia isso ia acontecer. - Alina começou a chorar de nostalgia e aproximou-se de Mateus.

- Porque se separaram? Afinal podias aparecer para ele como estás a aparecer para mim, correto?

- Sim. – Ela assentiu. – Apareci durante um tempo para ele, mas ele tinha de seguir em frente e arranjar uma família, por isso, passado uns meses, deixei de aparecer para ele. Ele veio todos os dias durante anos, mas então desistiu e agora sei o porquê. – Sorriu olhando o rapaz. – Está na altura de eu também ir, o que me prendia aqui era o Geraldo e agora sei que o posso encontrar no outro lado. – Olhou a lua ansiosa. – É altura de cobrar a promessa dele. Obrigado Mateus, por vires até mim e por não te afastares. Adeus.

- Toma conta dele. – Mateus sorriu enquanto Alina desaparecia lentamente.

O rapaz olhou a lua através da janela e viu o que parecia ser Alina e o seu avô dançando na lua cheia.

A bailarina da luaWhere stories live. Discover now