Vergen

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A temperatura havia descido nos últimos dias. O vento gelado fazia as peles mudarem de tom gradativamente, até que se tornassem levemente rosadas e ressecadas. Geralt podia ver o corpo do bardo tremer levemente sob a capa escura que cobria a cabeça com um capuz pontudo e descia até os tornozelos, mas nada podia fazer para impedir que reagisse ao tempo, pois ele próprio atingiu o limite da tolerância com a grossa chuva que viera após a garoa que os acompanhava há mais de vinte e quatro horas.

O caminho até Vergen não havia sido fácil, e quando alcançaram a longa passarela de entrada da cidade, nem mesmo um suspiro de alívio o bruxo conseguiu dar. O olhar subiu para os grandes pilares de pedra que decoravam os dois lados da passarela; os pés afundaram em uma poça suja, mas Geralt não soltou xingamentos como normalmente faria, sequer olhou para baixo enquanto continuava a caminhada. A chuva continuava sem piedade, porém, nenhum dos dois viajantes apertou o passo. O olhar continuou sob os muros, e a mão apertou levemente as rédeas de Plotka, que vez ou outra reclamava da água que atingia os seus pelos.

— Parece que as coisas continuam as mesmas por aqui — a voz do bardo soou baixa ao lado do bruxo, que se agitou internamente.

Os anões sobre os muros, um em cada lado dos pilares, os olhavam com desconfiança de lá de cima, alguns até mesmo apontavam suas bestas em direção de ambos, acompanhando seus passos com cautela. Porém, o bruxo não se importou com a maneira que eram recebidos, pois em sua mente só conseguia se importar com a voz trêmula pelo frio do trovador.

Há horas Jaskier mal falava, o que era um óbvio sinal de que havia algo de muito errado, e o bruxo não precisou perguntar ou analisar para saber qual era o problema. Eles haviam partido de Kaer Morhen juntos; Geralt com sua égua Plotka, e Jaskier, com o cavalo que havia batizado de Furioso. O cavalo era difícil de lidar, não aceitava que o tocassem, até Jaskier se aproximar em Kaer Morhen. O animal se afeiçoou pela música do bardo, e de uma forma estranha, também a Jaskier, que foi presenteado com a posse de Furioso por Vesemir. Ele viajou orgulhoso em cima de Furioso, que parecia ganhar energia com o som do alaúde. O poeta o tratava bem, e Furioso o obedecia como nenhuma outra pessoa. Era surpreendente, Geralt admitira no meio da viagem, enchendo o bardo ainda mais de orgulho, porém, o sentimento foi abalado quando Furioso adoeceu subitamente, e pela manhã que antecedera a chegada em Vergen, não resistiu a doença e caiu.

Geralt podia contar nos dedos de uma única mão as vezes em que vira Jaskier chorar. Fosse por alegria, tristeza ou raiva, os momentos eram raros e esquisitos, difíceis de lidar, e após enterrarem Furioso, o bruxo se viu em tal situação. Ele gostava de Plotka, cuidava e alimentava, a respeitava e gostava da ideia de mantê-la em pé o máximo que fosse possível, porém, não havia sentimento tão intenso quanto o que vira em Jaskier por Furioso. Muitas Plotkas haviam passado por sua vida, talvez fosse esse o motivo, ele não sabia, porém, doía ver o bardo daquela forma, porque para o bruxo, ver lágrimas em alguém como ele era muito mais triste do que a morte do animal.

— Não vamos baixar a nossa guarda por causa disso — Geralt o respondeu no mesmo tom, puxando a capa do bardo, para que ficasse mais perto. Os anões ainda pareciam desconfiados, o que era comum, porém, o bruxo não queria ter nenhuma surpresa, principalmente em um momento como aquele.

Pela primeira vez em longas horas, o peito do bruxo se aqueceu levemente com a baixa risada de sua companhia.

— Eles estão apontando bestas em nossa direção, quem disse em baixar a guarda?

Geralt quase sorriu.

— Eles sempre são assim, você sabe.

— Sim, mas não faz menos desconfortável ser recebido desta forma — Jaskier rebateu, ainda trêmulo, mas menos cabisbaixo enquanto se aproximava um pouco mais do bruxo, em busca de calor. — Ao menos estamos mais perto de um lugar quente e uma boa bebida. Faz eras que não tomo hidromel de Mahakam, e aqui com certeza iremos achar.

De Kaer Morhen à Kaer TroldeOnde histórias criam vida. Descubra agora