A droga da paixão

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Corpos dançantes eram iluminados por luzes coloridas e davam vida àquele lugar que mais parecia um galpão abandonado. A música alta, de batida forte, grave e desritmada agitava as pessoas colocando-as numa espécie de transe. Braços eram erguidos e movimentados sem nenhuma coordenação, os corpos balançavam cada um a seu modo, cada um para um lado, completamente diferente da sincronia do ballet qual estava acostumada. Parei para observar, extasiada, o descomprometimento daquelas pessoas em acertar os passos e a entrega aos sentidos que a música lhes proporcionava. Aquilo parecia um sonho. Deixar as emoções fluírem a ponto de se transformarem em movimentos, justamente, era o que não me incentivavam a fazer na companhia. Estávamos sempre preocupados com a sincronia dos passos, mas com Fernanda todas essas obrigações se perdiam. Com ela tudo era novo e nessa novidade havia permissibilidade.

– Se permita sentir. Hoje a gente não se preocupa com os contratempos – A mão de Fernanda pousou no meio das minhas costas e sua respiração se aproximou do meu ouvido. Eu amava a voz rouca daquela garota, se ela soubesse o quanto... assenti com a cabeça me esforçando para curtir o momento diferente de tudo que estava acostumada.

Ergui meus braços e mexi o corpo reproduzindo movimentos que havia visto ali, tentei não seguir o compasso das batidas, mas na verdade, identificar o compasso por si só era difícil e quando eu começava a entender como fazer a música mudava para algo completamente diferente. Depois de algumas tentativas frustradas, sem conseguir me soltar, bufei e parei, foi quando meus olhos pousaram sob Fernanda e sua pele cor de caramelo que reluzia sob uma luz roxa. O corpo movia numa leveza hipnotizante fazendo as tranças azuis saracotearem no ar, com as pálpebras fechadas e as mãos percorrendo suas voluptuosas curvas, Fernanda, saudava o próprio corpo e o convidava a experimentar todas as sensações disponíveis no ambiente aquela noite. Os grossos lábios por vezes eram mordidos, noutras vezes, davam lugar a um sorriso gostoso de quem está se deliciando consigo. A capacidade de entrega intrínseca de Fernanda era, sem dúvida, uma de suas maiores belezas. E eu só desejava uma coisa, viver essa entrega com ela.

Pisquei desconcertada quando senti seus olhos cor de mel sobre mim. A batida da música estava acelerada e pouco importava se as pessoas esbarravam em mim, a única coisa que importou foi perceber o arrepio subindo desde a base da minha coluna até o alto da minha cabeça no instante que o sorriso nos lábios de Fernanda se mostraram um convite. Convite esse que não sabia como aceitar, não por ausência de desejo, e sim porque minhas pernas pareciam presas no lugar. Fernanda acenou com o indicador, me chamando em sua direção, enquanto eu só conseguia olhar em seus olhos estática. Notando a tensão que paralisava meu corpo, me rodeou e parou atrás de mim. Pude sentir seus seios tocando toda a extensão de minhas costas, pude sentir nossa troca de calor. Todos os meus pelos se eriçaram e automaticamente meus olhos fecharam, ela tinha permissão para fazer o que quisesse comigo.

Havia algum tempo que eu desejava me apaixonar avassaladoramente. Enquanto uma pessoa extremamente organizada e metódica sentia a vida pacata demais, parada e projetada demais. No fundo, eu almejava me sentir viva e isso significava sentir que estava fora de controle, pelo menos uma vez na vida. Entretanto, esse descontrole precisava ser planejado e acompanhado porque eu também estava cansada de me sentir solitária. Foi assim que a paixão surgiu enquanto a promessa de dar sentido à vida, fazer tudo arder, e melhor, a promessa que haveria alguém ao meu lado.

Passei quase um ano conhecendo diversas mulheres e nenhuma fez eu me sentir abobalhada e pronta para viver loucuras e essa sensação, por si, já fazia valer todos os descompassos que Fernanda causava em minha vida. Para ser sincera, era exatamente as propostas inesperadas, os eventos inconvenientes, a desorganização que ela causava na minha rotina, o frio na barriga de estar experimentando algo pela primeira vez e o olhar de quem me devoraria em seu mundo turbulento que me hipnotizava. Mas, principalmente, a confiança que ela transmitia ao me arrastar por lugares tortuosos que eu tinha a plena consciência que iriam me foder. Eu estava completamente viciada pela sensação de estar, o tempo todo, experimentando algo completamente inconstante, novo e perigoso.

A droga da paixão  *conto lésbico*Onde as histórias ganham vida. Descobre agora