— Espera... — Ela voltou a murmurar, com sua mente a todo momento lhe dizendo o que ela não queria acreditar.

Não era certo!
Os pais não deveriam abandonar os filhos!
Pelo contrário...eles deveriam passar por aquilo juntos! Sua mãe deveria ter lhe apoiado, e não simplesmente lhe abandonado. Não era justo...

— Ela te deixou isto.. — Noah estendeu o pedaço de papel que encontrara mais cedo pendurado na porta da geladeira, antes de senti-la agarrar a folha, como se quisesse trucida-la.

Shivani  não queria ler...
Sabia que Renata, mesmo já longe, talvez seria capaz de fazê-la se lamentar por ter nascido.

E era o que dizia para si mesma, por dentro.

Ela encarou sem expressão a caligrafia impecavelmente desenhada de sua mãe, antes de passar a ler.
Não custava nada ter um sofrimento à mais na sua vida. Já não mais fazia diferença...

" Shivani...
Se estar lendo isso, talvez seja porque seu padrasto e eu achamos conviniente fugir..."

Ela soltou um sorriso de escárnio, se sentando completamente no chão, inconsolável.

"Sei que fui injusta com você!
Fui injusta em te privar de ser uma garota normal. Fui injusta em te tirar da frente de suas metas. Fui injusta em não querer que fosse feliz. Esse era o meu sonho para você, quando seu pai ainda estava vivo, mas a partir do momento em que me casei novamente, meus objetivos fugiram do controle, de modo que deixei de lado todos os meus princípios.."

Renata não deveria estar fazendo aquilo com ela.
Se fosse para fugir, que sumisse sem deixar rastros, mensagens ou saudades...

"Sei que me odeia, Shivan.
Sei que sempre fui para você, uma péssima mãe, alguém que lhe tirou tudo, até mesmo seus direitos sobre si própria.
Mas eu te criei bem, afinal. Você me serviu muito, durante todos esses anos. Soube dar valor a família à cima de tudo, e apesar de saber que se arrepende amargamente por isso, é, felizmente, uma das coisas que mais admiro em mim mesma, e em você.
Eu, porque fui capaz de lhe ensinar sobre se sacrificar para manter sua família ainda de pé, e você, por ter aprendido tão rapidamente essa lição."

Noah escutou ela soluçar, e assim como Sabina, ele se sentiu incapaz de consola-la naquele momento.
Não havia muito o que poderia fazer. Não era ele quem sentia na pele, a sensação de ter sido deixado para trás.

" Devo começar então, pedindo desculpas. Desculpa não ter te apoiado nas suas escolhas, por ter permitido que o desejo e a ambição sem limites por dinheiro pusesse um abismo entre nós, e por te obrigar a fazer algo no qual não queria. E me desculpa, por ter pego suas economias escondidas, para  fugir. Eu não suportaria ficar na cadeia, tudo por causa das dívidas que seu padrasto se envolveu."

Ela amaçou o pedaço de papel, ao ver que já estava chegando ao fim.
Desculpas não resolveriam seus problemas...
Desculpas não traria de volta o seu coração virtuoso, ao invés daquele desfigurado e ressentido pedaço que pulsava e batia em seu peito.

" Se estar se perguntando o motivo de não ter dito tudo isso na sua frente, a resposta, é bem simples, na verdade. A minha vida inteira, nunca encarei realmente algo de verdade, e encarar você nos olhos, sabendo do estrago que fiz na sua vida, me tornaria pior do que já sou. Um verdadeiro monstro!"

" Estou lhe fazendo um favor, sumindo da sua frente, Shivani. Estou deixando você respirar finalmente, e não artificialmente, como foi durante todos esses anos. Estou deixando o caminho livre, para fazer o que quiser, como deveria ser desde o início. E, sabendo que talvez você não esteja se importando sobre aonde estarei, como e quando voltarei...mesmo assim, irei te dizer. Passarei algum tempo na casa de sua tia na Índia e talvez essa seja a última vez que ouvirá sobre sua mãe...ou sobre a mulher que se diz ser sua mãe."

" Mais uma vez, me desculpa, querida. Vai ser melhor assim...perto de você, eu só vejo estragos, mas longe, talvez eu possa me sentir um pouco orgulhosa da grande mulher que você se tornou."

Por que...?

Shivani  agarrou com força aquele pedaço de papel perto do seu peito, enquanto se curvava para frente e chorava, como uma criança que fôra abandonada no parque de diversões pelos pais.

Por que, mesmo depois de tudo, ela ainda não conseguia odiar Renata? Por que, ainda que lhe doesse cada palavra ali escrita, tudo o que queria era ver a sua mãe, e dar-lhe uma chance de concertar as coisas da forma que deveria?

Era sua mãe, acima de tudo!
E as coisas não deveriam ter acabado assim...

Mas a única coisa que lhe sobrou, juntamente com aquela carta de despedidas e daquele apartamento, foram suas lágrimas.
Aquelas talvez nunca a abandonariam, ou cessariam.

Mas se cessassem, que levassem junto delas à saudades.
Saudades de alguém que muito lhe fez sofrer.

A sua mentira em abril  (Noavani)Where stories live. Discover now