E eu disse:

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Estou na porta de Michael, com um buquê de flores e uma caixa de chocolates. Tive que ligar para sua esposa - Betty- e perguntar de que ele gostava. Me surpreendi ao ver que tínhamos gostos bem parecidos (mesmo que chocolates Dark com sabores tropicais seja unânime entre toda a população mundial – ou uns 99.99%). Toco a campainha e quem a atende é o próprio.

- Michael! Como você anda cara? - pergunto o olhando com um mega sorriso.

Ele vira e fecha a porta, fazendo a senhora e o cachorro que passam na hora pela frente da casa olharem. Pelo menos a senhora olha. O cachorro não é de tanta certeza.

Escuto uma conversa calma até escutar a voz de Betty se exaltar e literalmente bater os pés. Escuto a fechadura rangendo maquinando, logo em seguida a porta se abre, revelando Betty com um sorriso meio torto.

- Oi, bom, vejo que trouxe o que lhe recomendei.

- Sim, por que ele está assim? - pergunto-a, sem medo de dar a entender que ela estava falando coisas vagas e fugindo o motivo de eu estar aqui.

- Homens, eu deveria fugir deles, principalmente dele. Mas entre e conforte o ego fraco dele que pode ser quebrado facilmente.

Continuo sem entender nada sobre o que ela disse. Homens e ego. Nessa fração de segundo, entro na casa e sinto o cheiro suave de canela e biscoitos de menta. Parece tudo muito natalino, o chão de madeira bem tradicional, o ar de casa antiga no meio de uma metrópole como Londres, sinto uma pontada de nostalgia. Quase consigo escutar Michael andando de pantufas e camisetas de "HO! HO! HO!" descendo as escadas com um belo sorriso.

Dou mais alguns passos pelo corredor até chegar em determinado ponto onde a passagem para a sala de estar está a minha frente. E o corredor segue até uma pequena porta que deve dar ao jardim. Estranho o filho deles ainda não ter esbarrado comigo.

Michael, sentado, com uma cara furiosa balança as pernas e ao perceber minha presença vira a cara para a parede mais próxima. Me aproximo dele e estendo o buquê com a caixa para ele. Para ele aceitar, Betty tem que pigarrear algumas vezes para finalmente, ele pegar com ignorância. Dou um abraço nele bem apertado, não sou dessas coisas mas...

- Está bom, você já me tocou o suficiente para a vida- diz ele fazendo com que eu me afaste com um sorriso enorme. - Agora me diz o que você quer.

Ele me conhece o suficiente para ser minha mãe. Ou somos ridiculamente mimados e totalmente orgulhosos para falar algo que não precisa necessariamente de palavras.

- Preciso ir para Nova York.

- Não fode, Hazz.

Se ele não fosse tão amigo dele ou tivesse o mínimo de compaixão, sim, daria um soco na cara dele pelo "Hazz". Não entendo o "Hazz". Não gosto do "Hazz". Mas, eu acabo sendo o "Hazz".

- Bem-vindo a Nova York? - pergunto abrindo os braços.

- Chega de falar das músicas dela - ele me pede abaixando a cabeça.

- Eu só queria que você..

- E só piora...

Rimos e quando viro, vejo o filho deles com um livro em mãos. Sempre achei ele tão bonito. Os olhos azuis, o cabelo sempre bem penteado e um autoconfiança de dar - e vender - inveja. Até parece que gosto de crianças.

- Oi - ele me fala baixinho, em frente à sua mãe.

- Oi - respondo com um sorriso. - O que você acha ir à Nova York comigo, garoto?

Vejo ele rir, antes de revirar os olhos.

31 de 1989Onde as histórias ganham vida. Descobre agora