- Que ótimo! Podemos marcar então. – Digo tentando me livrar de um peso que se instalou em minha consciência.

Depois daquela série de “beijos, se cuida/fica bem/vê se não me esquece/até mais”, desligamos. E novamente me volta aquela sensação de ter feito uma grande besteira, como se eu estivesse sob o efeito de alguma substancia. Sinceramente, acho que é melhor eu voltar para São Paulo, pois o ar do Rio de Janeiro está afetando meu cérebro e minha capacidade de tomar decisões certas.

Minha sorte é que faltam duas semanas para o Carnaval e, até lá, posso inventar alguma doença. Ou será que seria grosseiro demais cancelar? E se ele tivesse se animado com nosso possível reencontro? E se ele estiver realmente querendo me ver? Juro que posso sentir meu coração pesar no peito e um pouco de alegria ao pensar nessas hipóteses. E um pouco de pânico também.

***

Sabe aqueles dias em que a depressão bate na porta de casa e resolve ficar hospedada? É mais ou menos assim comigo todos os domingos. É o dia em que eu mais sinto tédio, e não importa o que eu faço, continuo com essa sensação dentro de mim. Como se nada fosse bom.

E vamos combinar que a programação da TV no domingo é para deixar deprimida mesmo. É como se tivesse um acordo, uma lei ou qualquer coisa que proíba de passar algo legal no domingo. Por isso que domingo é o melhor dia para correr. Por mais que a preguiça esteja presente em cada pedacinho de espaço do meu corpo, eu tento vencê-la. E, modéstia parte, sempre consigo.

Assim que tomo um banho e coloco minha roupa de correr (voltando a usar o top roxo) ouço a companhia tocar. Esse é mais um fim de semana em que a Vanessa está viajando, e como meu pai está tirando seu cochilo tradicional, sou a escolhida para ir abrir a porta.

E no mesmo instante tenho vontade de fechar a porta novamente.

É o Brian.

- Eu fiquei de te entregar o livro do Platão... – Ele diz enquanto estende um livro em capa dura e uma edição maravilhosa. Fico pensando que o pai dele é muito maluco para entregar um livro desses nas mãos de três adolescentes, principalmente na mão do seu filho. 

- Ah sim, obrigada. Digo enquanto pego o livro e o coloco, cuidadosamente, na mesinha branca que fica praticamente ao lado da porta.

- Você está indo correr? – Não. Essa é a resposta que coça na minha boca. Mas a verdade é que não tem como mentir, já que estou com roupa de correr, e não estou suada, o que mostra que eu ainda não corri. Aceno de leve. E já posso adivinhar que ele vai me chamar para correr com ele, já que ele também está vestido para correr. – Então, você vai agora?

- Sim

- Posso te acompanhar? – Mordo os lábios e suspiro. Uma parte de mim quer ser grossa e mandar ele ir correr sozinho. E outra parte de mim quer ter a presença dele. E minha parte mais vulnerável vence, como (quase) sempre.

- Claro.

Saio para o corredor e fecho a porta atrás de mim. Essa é a segunda vez que vejo o Brian com essa expressão séria. E por mais que eu observe, não consigo perceber nenhuma alteração do seu humor. Os lábios formam uma linha fina e sua expressão está tão paralisada que parece uma estatua.

O que é bom. Muito bom. Nós começamos a correr e não falamos nada um para o outro. Tem uma nuvem de tensão sobre nós dois, como se casa falarmos alguma coisa, tudo vai explodir. Essa é a sensação que tenho: que vou explodir, e só basta um pequeno motivo. Por isso eu corro, não tento escapar dele, então estou indo em um ritmo mais devagar do que da última vez que corremos juntos. Um passo de cada vez, me concentrando somente nisso.

Depois de um bom tempo correndo, paramos. Naquele mesmo parquinho em que eu sempre paro. Por mais que eu não tenha acelerado os passos, me sinto cansada e ofegante.

- Tá sendo difícil para você? – O Brian pergunta. Olho para ele com uma cara confusa e percebo que ele está suando, mas não demonstra nenhum sinal de cansaço. – Quer dizer, a adaptação, sair de São Paulo e vim pra cá.

Penso um pouco a respeito. Sempre evito me perguntar essas coisas, pois não quero analisar de verdade a situação.

- Não sei. – Digo com sinceridade. – Foi complicado aceitar a ideia de vim pra cá, morar com meu pai, mas já está feito! E só vou poder voltar no final do ano. Então prefiro evitar pensar...

Ele assente de leve e por um momento até chego a pensar que não irá falar mais nada, mas então ele continua.

- Você não tem uma boa relação com seu pai, não é?

- Por que você acha isso?

- Bom, naquele dia você estava na escada chorando e imaginei que fosse uma briga com ele. E você acabou de falar que foi complicado aceitar a ideia de morar com seu pai...

- É. Nós não temos uma boa relação. – Me levanto e aceno para ele indicando que devemos voltar a correr.

Eu odeio quando as pessoas perguntam sobre meu pai, e me lembro que quando meus pais se separaram todos falavam “você não quer que eles voltem?”, “você prefere ficar com quem?”, “como está sendo pra você?”. Essas são as piores coisas que alguém pode perguntar para uma criança que acabou de ter sua família desestruturada. As pessoas deveriam conter um pouco mais de sua curiosidade. E saber que, muitas vezes, não precisamos escutar nada. Apenas saber que temos pessoas ao nosso lado.

Dessa vez eu corro um pouco mais rápido. Sem me concentrar tanto nos passos, mas sim no que está à frente. O Brian me acompanha sem muito esforço e enquanto eu sinto meus pulmões queimarem e começo a arfar, percebo que ele continua do mesmo jeito, como se estivesse tranquilo e tivesse andando normalmente.

Eu odeio essa sua resistência física.

Assim como antes, voltamos correndo sem dizer uma única palavra. Arrisquei alguns olhares para o lado, mas percebi que ele não desviou seu olhar.

- Sabe, eu também não tenho uma boa relação com meu pai. – Ele fala assim que as portas do elevador se fecham. Antes que eu possa perguntar o porquê ele já se adianta- Ele quer que eu siga a tradição da família e seja medico também. E bom, eu não sei ainda o que quero fazer, o que o deixa com ainda mais raiva.

Sorrio compreensiva. Aquilo sorriso que diz “te entendo”. Porque eu realmente o entendia. E isso me dá um pouco de pavor ao pensar que eu e ele temos algo em comum, e passamos por uma situação quase parecida.

- Acho que termino de ler até o carnaval. –Saio do elevador e escuto as portas se fecharem atrás de mim abafando um “tudo bem”. 

Just a Year - (COMPLETA)Hikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin