05| Caloura

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"Você diz que nós só meninos e meninas

Eu digo que podemos mudar o mundo
O futuro está nos meninos e meninas"


LUA

- Eu preciso mesmo fazer isso? - tento imitar os olhos pidões que a garota fruta faz mas comigo essas coisas nunca funcionam.

- Se você quiser continuar treinando com o maior lutador deste pais sim, você vai para a faculdade mocinha - ele nem me olha enquanto vira mais uma panqueca.

Ninguém o veria como o maior lutar do país com esse avental florido. Mordo minha língua para não falar nada.

- Essa é uma ótima primeira lição para você, Lua: saiba quando atacar e quando recuar - ele coloca uma panqueca quente no meu prato - E sobre a sua faculdade você está numa luta perdida, você vai conseguir esse diploma.

Reviro os olhos quando ele vira de costas.

- E não revire os olhos para mim mocinha.

Dou uma grande mordida na panqueca coberta de mel para calar minha maldita boca.

- Não precisa ter medo da escolinha, Lula - Jaime fala enquanto estica os braços para que eu o coloque em na banqueta que ele ainda não alcança - O Muca tava com medo mas agora está adorando a escolinha, não é Muca?

Meu irmão balança a cabeça concordando enquanto está com a boca cheia e lambuzada de mel.

- Por que você está chamando a Lua de Lula? - Amora pergunta depois de pegar seu prato e sentar na mesa já que a bancada está lotada por mim e os pequenos traiçoeiros.

- Porque ela é brava como o Lula molusco - ele responde dando ombros.

- A Lua devia ter um apelido de fruta, como as outras meninas - Thomas chega na cozinha falando e rouba uma panqueca do meu prato, garoto folgado.

- Ela é a irmã limão - Jaime diz rindo e eu dou um olhar mortal - Ta vendo? Azeda como um limão.

Todos eles começam a rir e eu reviro os olhos pegando uma panqueca do prato do Thomas já que ele roubou a minha.

- Parem de implicar com a irmã de vocês - Sophia entra na cozinha apressada.

É engraçado que nessa casa os papeis tradicionais são trocados, a Sophia vive atarefada com o trabalho enquanto o Felipe trabalha meio período e dá conta dos filhos. É diferente, mas melhor que as famílias que eu convivi.

 - Crianças eu vou deixar vocês na escolinha hoje, o Felipe vai levar Thomas, Pearl, Morango e Amora para a escola. Lua, você vai com o Max para a faculdade. Vamos lá meus pequenos encrenqueiros, temos um dia incrível para viver!

Vejo todos eles saindo apressados e falando alto, olho para o cara grande que era o único calado na cozinha.

- Vamos.

Ele fala pegando sua mochila e eu o sigo nem um pouco animada.

O caminho todo até a faculdade é feito num silêncio mortal, e eu não tenho a mínima vontade de mudar isso. 

Sinto um frio na barriga quando entramos no campus universitário. Eu nunca me imaginei aqui e é bizarro estar vivendo isso. Pense nas chances de uma criança preta e pobre que viveu a maior parte da vida em orfanatos chegar numa faculdade pela porta da frente,

O que as crianças do orfanato pensariam ao me ver aqui? 

O que todos os filhos da mãe que disseram que eu não seria ninguém diriam?

Nocaute do coraçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora