Capítulo XV

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"Hoje de manhã disseram do hospital que ela tinha falecido durante a noite, e eu senti-me na obrigação de a informar, uma vez que ela era doente do doutor. Mas foi outra Sarah Chase e a prima Sarah está viva e é provável que sobreviva, ainda bem. Está-se aqui muito bem Anne. Eu sempre disse que se há uma brisa fresca nalgum lado deve ser em Ingleside."

"A Susan e eu temos estado a apreciar o encanto do entardecer estrelado," disse Anne, pondo de lado o vestido de musselina cor-de- rosa com favinhos de mel que estava a fazer para a Nan, e cruzou as mãos sobre os joelhos. Não era de desperdiçar uma desculpa para deixar o trabalho. Nem ela nem Susan tinham muitas ocasiões para descansar ultimamente.

A Lua estava para nascer e a profecia era ainda mais encantadora que a ocasião. Os lírios bicolores brilhavam como chamas ao longo do passeio e tufos de honeysuckle agitavam-se ao sabor do vento sonhador.

"Veja só aquela onda de papoilas a despontar ao pé do muro do jardim, Miss Cornélia. A Susan e eu estamos muito orgulhosas das nossas papoilas, apesar de não termos tido nada a ver com elas. O Walter despejou ali um pacote de sementes por descuido na primavera e é o resultado. Todos os anos temos uma surpresa agradável como esta."

"Eu gosto muito de papoilas," disse a Miss Cornélia, "Apesar de não durarem muito."

"Só vivem um dia," admitiu Anne, "Mas vivem-no de uma maneira tão imperial, tão extraordinária! Não é muito melhor do que ser uma rígida zínia, que duram praticamente para sempre? Nós não temos zínias em Ingleside. São as únicas flores com que não nos damos. A Susan nem sequer lhes fala." "Há alguém a ser assassinado no Vale?" perguntou Miss Cornélia. De facto, os sons que de lá vinham pareciam indicar que alguém estava a ser sacrificado. Mas Anne e Susan estavam demasiado acostumadas para notar.

"A Persis e o Kenneth têm cá passado o dia e decidiram fazer um banquete no Vale. E quanto à senhora Chase, o Gilbert foi hoje de manhã à cidade e contaram-lhe o que realmente se passou. Eu fico contente por tudo estar a correr bem...os outros médicos não concordavam com o diagnóstico dele e ele estava um bocado preocupado." "A Sarah avisou-nos quando foi para o hospital que não a enterrássemos enquanto não tivéssemos a certeza que estava morta," disse a Miss Cornélia, abanando-se majestosamente e interrogando-se como é que a mulher do doutor parecia sempre tão fresca. "Sabe, nós ficámos sempre com a desconfiança que o marido dela tivesse sido enterrado vivo...ele parecia tão bem encarado. Mas ninguém pensou nisso senão quando já era tarde demais. Ele era irmão desse Richard Chase que comprou a quinta do velho Poorside e que se mudou de Lowbridge na primavera. Ele é cá uma bisca. Disse que vinha para o campo para ter alguma paz...tinha que passar o tempo em Lowbridge a distrair viúvas"...e solteironas," poderia ter acrescentado Miss Cornélia, mas não o fez, para não magoar os sentimentos de Susan.

"Eu conheci a filha dela, a Stella...ela costuma vir ao ensaio do coro. Nós simpatizamos bastante uma com a outra."

"A Stella é realmente uma rapariga adorável...uma das poucas raparigas que ainda consegue corar. Eu sempre gostei dela. Eu e a mãe dela costumávamos ser grandes amigas. Pobre Lisette!"

"Morreu jovem?"

"Sim, quando a Stella só tinha oito anos. O Richard acabou por criar a Stella sozinho. E ele que é um perfeito ateu! Ele diz que as mulheres só são importantes do ponto de vista biológico...o que quer que seja que isso quer dizer. Ele está sempre a fazer grandes discursos desse género."

"Ele não parece ter feito um mau trabalho com a filha," disse Anne, que achava a Stella Chase uma das raparigas mais encantadoras que já conhecera.

"Oh, nem ele conseguia estragar a Stella. E eu não nego que o Richard fez um bom trabalho. Mas ele é um patife para os rapazes...nunca deixou a pobre Stella ter um único namorado em toda a vida! Todos os jovens que se aproximam dela ele enxota-os com sarcasmos. É o homem mais sarcástico que já conheci. A Stella não dá conta dele...nem a mãe dava antes dela. Não sabem como. Ele faz sempre tudo ao contrário, mas nenhuma delas percebeu isso."

Anne de Ingleside | Série Anne de Green Gables VI (1939)Where stories live. Discover now