11 - RAM DASS

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Havia por vezes bonitos poentes na praça onde ficava o colégio. Apenas eram visíveis parcialmente por entre as chaminés e sobre os telhados. Das janelas da cozinha, que ficava na cave, não era possível avistá-los, apenas adivinhá-los pela cor rosada ou amarelada dos tijolos das casas circundantes, ou talvez porque um feixe de luz esbraseante atingia uma vidraça, algures. Havia, contudo, um local de onde se podia observar todo esse esplendor: os castelos de nuvens escarlates ou douradas a oeste, as mais violáceas debruadas de uma resplandecente luminosidade; as lanosas e delgadas, tingidas de cor-de-rosa, assemelhando-se a bandos de pombas a cruzarem o azul a toda a velocidade quando o vento soprava. O local de onde tudo isto se podia ver, ao mesmo tempo que se respirava um ar mais puro, era, é claro, a janela das águas-furtadas.

Quando a praça parecia começar a brilhar, como que encantada, e a parecer bonita apesar das fuliginosas árvores e grades de ferro, Sara sabia que algo se passava no céu; e quando lhe era possível abandonar a cozinha sem que dessem pela sua falta ou a chamassem de volta, escapulia-se e subia os lanços de escadas até ao sótão. Aí, trepando à velha mesa, debruçava-se o máximo que podia da janela, respirando fundo e olhando em redor. Então, era como se tivesse todo o céu e o mundo para si mesma. Mais ninguém se assomava às outras trapeiras e, de um modo geral, estavam fechadas, mas mesmo quando estavam entreabertas para permitir a entrada de ar, ninguém parecia assomar-se a elas. Sara detinha-se aí, por vezes inclinando o rosto para o céu, que lhe parecia tão amistoso e próximo, semelhante a um bonito teto abobadado, por vezes contemplando o ocidente e todas as coisas maravilhosas que aí sucediam: as nuvens a aglomerar-se ou a serem empurradas, passando do rosa ao carmesim, ao branco, ao púrpura ou ao cinza-pálido. Por vezes, formavam ilhas ou montanhas grandiosas que circundavam lagos de águas cor de turquesa, de âmbar ou jade; outras vezes, escuros promontórios avançavam por mares perdidos e estranhos adentro e faixas estreitas de terras maravilhosas faziam a ponte para outra terras magníficas. Havia locais por onde se diria que era possível correr ou passear, ou ficar parado à espera do que aconteceria a seguir, até que tudo se desvanecesse. Era, pelo menos, o que Sara imaginava, e nunca nada lhe parecera tão belo quanto as coisas que via quando se empoleirava na mesa, metade do corpo fora do telhado, os pardais a chilrear sobre as chaminés. Os pássaros pareciam sempre piar com uma doçura acrescida quando estas maravilhas ocorriam.

Poucos dias depois de o cavalheiro indiano ter sido levado para a sua nova casa, houve um desses pores do sol, e como, por feliz coincidência, o trabalho daquele dia estava terminado na cozinha e ninguém a encarregara de qualquer recado ou tarefa, Sara aproveitou para se escapar e correr para o sótão.

Como era habitual, trepou à mesa e pôs-se à janela. Foi um momento deslumbrante. A poente, uma enchente cor de ouro parecia avançar pelo horizonte, como se uma gloriosa maré varresse o mundo. Uma luz intensa, amarelo-escura tingia tudo, e os pássaros, voando sobre os telhados, pareciam negros em contraluz.

«Um pôr do sol esplêndido», disse Sara para si mesma. «Quase fico com medo, como se uma coisa estranha estivesse para acontecer. Os ocasos esplêndidos fazem-me sempre sentir isto.»

Escutou um som a pouca distância e virou de repente a cabeça. Era um som estranho, semelhante a uma sucessão rápida de pequenos guinchos. Vinha da janela das águas-furtadas da casa do lado. Mais alguém quisera ver o pôr do sol como ela. Havia uma cabeça e uma parte de um tronco a emergir da janela, mas não era a cabeça nem o corpo de uma menina ou de uma criada; era a cabeça de tez morena, olhos brilhantes e turbante branco de um criado indiano – «um lascarim», pensou Sara de imediato –, e o som que escutara provinha de um pequeno macaco que ele segurava nos braços como uma criança, e que se aconchegava a ele e guinchava.

Quando Sara olhou na sua direção, ele olhou na dela. A primeira coisa que lhe ocorreu foi que o seu rosto moreno tinha um ar pesaroso e saudoso. Tinha a certeza absoluta de que ele subira ao sótão para ver o sol, porque em Inglaterra raramente o via. Olhou com curiosidade para ele por um segundo, e depois sorriu. Aprendera o quanto um sorriso, ainda que de um desconhecido, podia ser reconfortante.

A Princesinha (1905)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora