Ato 2, Cena V [Em Veneza]

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Entram Shylock, o judeu, e Lancelote, o Palhaço, seu ex-criado.

Shylock – Bem, tu vais ver, os teus olhos vão julgar, a diferença entre o velho Shylock e Bassânio. ... Ora, Jéssica! ... Tu não vais te empanturrar às custas dele como fizeste comigo. ... Ora, Jéssica! ... E dormir, e roncar, e rasgar tuas roupas no uso. ... Ora, Jéssica, estou dizendo!

Lancelote – Ora, Jéssica!

Shylock – Quem te mandou chamar? Não estou te mandando chamar.

Lancelote – Sua senhoria estava sempre me dizendo que eu não conseguia fazer nada sem receber ordens primeiro.

Entra Jéssica.

Jéssica – O senhor me chamou? O que deseja?

Shylock – Fui convidado para uma ceia, Jéssica. Aqui estão as minhas chaves. Mas por que eu deveria ir? Não fui convidado por amizade, eles só estão me bajulando. Assim mesmo, vou, de puro ódio, para deixar que o cristão pródigo me alimente. Jéssica, minha filha, cuida bem da casa. Detesto a ideia de me afastar. Alguma maldade está sendo preparada contra o meu repouso, pois esta noite passada sonhei com sacas de dinheiro.

Lancelote – Eu lhe peço encarecidamente, senhor, vá; meu jovem amo espera seu desparecimento.

Shylock – E eu, o dele.

Lancelote – E eles conspiraram juntos... não digo que o senhor vá ver uma mascarada; mas, se for o caso, então não foi por nada que o meu nariz começou a sangrar nessa última Segunda-Feira Santa, às seis da manhã, a mesma coisa que aconteceu faz quatro anos, só que numa Quarta-Feira de Cinzas, e de tarde.

Shylock – Mas, o quê, vai ter uma mascarada? Preste bem atenção, Jéssica: tranque as minhas portas e, quando você escutar o tambor e o guincho nojento do pífaro, o músico de pescoço torto soprando, não suba até as esquadrias da janela, nem ponha a cabeça para fora, para ver a rua onde passa todo mundo, que eu não te quero olhando para esses cristãos bobalhões com pinturas envernizadas na frente da cara. Trate de fechar os ouvidos... quero dizer, as janelas, da minha casa, e não deixe entrar na sobriedade da minha casa o barulho da afetação, do superficial. Pelo bordão de Jacó, juro que não tenho cabeça para grandes festanças hoje. Mas eu vou. Pode ir na minha frente, rapazinho. E diz que já vou.

Lancelote – Vou indo na frente, sir. [À parte, dirigindo-se a Jéssica:] Senhorita, olhe pela janela, apesar de tudo isso.

Um jovem cristão vai aparecer,

E os olhos da cara ele vai valer.

Sai.

Shylock – O que estava dizendo esse palhaço filho de uma escrava, hã?

Jéssica – As palavras dele foram "Passe bem, senhorita", nada mais.

Shylock – O remendado até que tem bons modos, mas é um enorme glutão, lento como lesma na serventia, e dorme mais que uma coruja de dia. Não quero saber de zangões vindo enxamear minha colmeia; mel, que é bom, nada. Daí que me desfaço dele, e faço dele servo de um que desejo que ele o ajude a desperdiçar seu dinheiro, que é emprestado. Bem, Jéssica, agora entre. Talvez eu volte de imediato. Faça como lhe pedi, tranque as portas assim que entrar. "Rápido atado, logo encontrado": um provérbio que não envelhece numa mente próspera.

Sai.

Jéssica – Adeus; se a minha sorte não me faltar, perdemos eu, um pai, e o senhor, uma filha.

Sai.

O mercador de Veneza (1605)Onde histórias criam vida. Descubra agora