- chapter 06

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Ouvia-se intensos aplausos a poucos metros de distância de onde eu estava. A peça fora um sucesso e a experiência, magnífica.
Ao me despedir uma última vez antes de sair do palco, vejo Timothée me fitando com intensa admiração em seus olhos. Sinto-me realizada, claramente; é sempre um grande feito para qualquer ator que seja fazer outro alguém apreciar seu trabalho. Mas meu orgulho aumentara sem que eu ao menos percebesse, ao simples ato de pensar que o meu garoto gostara da apresentação.
Estar apaixonada fazia-me sentir boba, e provavelmente agia de acordo com o que sentia. Entretanto, mesmo quando se tem consciência de um fato como esse, não é possível de se evitá-lo.
Esse sentimento me perseguia e só aumentava enquanto eu passava minhas horas livres - que, por encontrar-me de férias, não eram raras - na presença de Timothée. E nesses momentos juntos, nós falávamos de tudo e de nada; sua mera atenção direcionada à mim era como um antídoto dos mais poderosos; era um antídoto que fazia-me esquecer de tudo, que, de alguma forma, me separava de todo o resto que era insignificante e melhorava todos os demais fatores que cercavam-me, ressignificando todas as outras questões, todas que me pareciam sensíveis demais para nos afetar de alguma forma.
A grama parecia mais verde, e o céu era mais azul; o calor do verão era mais ameno e já não me incomodava tanto como antes; o vento parecia me revigorar quando sentávamos nós dois juntos nos jardins; os pássaros cantavam mais harmoniosamente do que me lembrava; as vozes de todos eram mais suaves e agradáveis de se ouvir; até os livros pareciam carregar mensagens mais felizes a mim.

- Foi fantástica esta noite! Meus mais sinceros elogios a você, Bella. Apaixono-me mais por seu talento todos os dias, sabia? - Timothée fala, sem rodeios, sorrindo para mim, enquanto caminhávamos para fora do teatro municipal. - E, ah, já estava me esquecendo: minha mãe disse que esta noite vamos ter um "ilustre convidado no jantar". Palavras dela.

- Ora, se eu soubesse disso antes teria posto-me a voltar mais rápido para casa, para ajudá-la a preparar o jantar. - Falo com certa frustração.

- Bom, espero que Clarisse ajude-a, porque, antes de irmos de volta para casa, vamos passar na biblioteca; tem algo que quero buscar. - Ele disse sorrindo, enquanto carinhosamente juntava nossas mãos e guiava-me em direção à pequena biblioteca na qual ele trabalhava durante o verão.

- E então, o que viemos fazer aqui? Queres qual livro? - Eu o questiono enquanto adentrávamos o espaço, que era cheio das mais diversas obras literárias. - Bibliotecas são espaços cheios de ideias e histórias e experiências e culturas, por isso as amo.

Ele suspirou, fitando-me. Sorriu e seguiu em direção a uma prateleira específica. De lá, pegou uma edição de Sonho de Uma Noite de Verão. Ergo uma sobrancelha e novamente, com curiosidade, o questiono:

- Já leu algo de Shakespeare antes? Se não, comece com um mais fácil de compreender, para acostumar-se com a sua escrita. - Ando até ele e vejo-o rir.

- Vamos encenar esta obra, por isso quero lê-la. E eu já li, sim, Shakespeare. - Ele levanta uma sobrancelha. - Você poderia imaginar que eu, logo eu, nunca teria lido?

Sinto-me gargalhar de sua expressão, concluindo mentalmente que Timothée é o tipo de pessoa que lê clássicos inclinados ao sentimentalismo, e digo, enquanto andamos em direção à porta:

- "O amor é a única loucura de um sábio e a única sabedoria de um tolo".

[...]

Chegando na casa dos Chalamet, descobrimos que o jantar já estava sendo servido. Caminhamos, então, apressadamente, até a cozinha, e lá encontramos todos sentados e a conversar.

- Olá, crianças, que bom que chegaram. Estávamos justamente falando de vocês. - Diz a senhora Chalamet, enquanto se levanta de sua cadeira, colocando-se de pé para nos introduzir à visita. - Este é meu grande amigo, Charles Ratzel. Ele irá passar alguns dias conosco, em nossa cidade.

Logo percebi eu que aquele se tratava do amigo influente da senhora Chalamet. Este Charles Ratzel era, na realidade, bastante conhecido no meio teatral e artístico. Levava consigo a fama de descobrir novos talentos e proporcioná-los o sonho americano, uma vez que trabalhava em um dos teatros mais prestigiosos de toda a América.

Senti-me levemente nervosa ao sentar ao seu lado na mesa de jantar. Essa oportunidade poderia me cair bem, pensei, apesar de, até então, ter passado semanas buscando meu mero lazer e relaxamento. Talvez essa fosse a hora de me esforçar apenas um pouco mais, para assim, quem sabe, atrair a atenção daquele homem que poderia influenciar toda a minha carreira.

O jantar chegou ao fim, e, no final da noite, nos despedimos de Charles e ficamos a conversar um pouco mais, dessa vez na ampla sala principal da casa.
Timothée e eu nos sentamos juntos em um dos sofás, e não custei-me a ignorar os olhares de Clarisse que, com toda a certeza, me questionavam sobre nossas mãos visivelmente entrelaçadas e nossos sorrisos cúmplices.

Mais tarde, quando estava prestes a cair num sono profundo e iniciar um sonho qualquer relacionado à Hamlet, ouvi a porta do banheiro sendo aberta e rapidamente coloquei-me de pé em alerta.

Enxerguei, à fraca luz noturna, somente as formas dos cabelos ondulados do garoto que já conhecia bem, vendo-o caminhar até mim e, em seguida, deitar no lado direito de minha cama. Em seguida, fiz o mesmo e, então, encarei os traços de seu rosto à mera claridade do luar que entrava pela janela.

O vento fresco, a quase que completa escuridão da noite e o cheiro das árvores e da grama que nos cercava era intoxicante, todavia da maneira mais positiva possível. A atmosfera se encaixava perfeita e harmoniosamente naquele momento singular.
Nem uma palavra sequer foi pronunciada. Simplesmente nos deitamos, encarando um ao outro e nos submersando em incontáveis devaneios: alguns pitorescos, outros indiferentes; alguns sobre aquela noite específica, outros sobre um futuro incerto e imaginativo; apenas pensamos, refletimos, admiramos e, no fim, à mercê da noite, adormecemos juntos.







como todos os outros até agora, esse capítulo foi extremamente fofo. o próximo, entretanto, vai ser... conflituoso. se preparem. :')

 𝐔𝐓𝐎𝐏𝐈𝐀 ─ 𝘵𝘤𝘩𝘢𝘭𝘢𝘮𝘦𝘵 Where stories live. Discover now