CAPÍTULO 1 - RESSURREIÇÃO

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É madrugada em algum lugar nos Alpes. Uma figura encapuzada desce correndo uma série de escadas que levam a uma espécie de gruta subterrânea, vigiada por servos da Liga dos assassinos, chefiada por Ra’s Al Ghul. Uma pessoa parece estar carregando algo em seus braços, envolto num pano marrom, e começa a enxergar uma luz esverdeada ao longe; a figura desconhecida finalmente para diante da fonte da imortalidade de Ra’s Al Ghul: O poço de Lázaro. Sentindo que não tem muito tempo, a pessoa desembrulha depressa o que estava carregando nos braços, revelando um bebê, um menino; sem pestanejar, a pessoa mergulha a criança no fluido místico enquanto olha para trás, ouvindo os gritos de alerta dos guardas que estavam correndo naquela direção, enquanto olhava para trás, sem notar que um lampejo de luz dourada emanou da criança, por uma fração de segundo, que foi quando a criança começou a se debater submersa; Tão logo é retirado do poço de Lázaro, o bebê reanimado começa a chorar e é retirado às pressas dali.

Quando os guardas estão próximos da entrada do poço, avistam a figura encapuzada empreender fuga, correram em sua direção com espadas em punho. Mas de maneira muito hábil, mesmo com o embrulho de pano marrom em um dos braços, consegue se defender e se esquivar da maioria dos golpes, sendo atingido apenas de raspão nos braços e nas pernas, chegando a deixar alguns agressores desacordados, e continuando a correr em direção à saída do local com agilidade; próximo à entrada do local, mais alguns guardas esperavam, então o encapuzado arremessa algumas bombas de fumaça, que explodem segundos depois, turvando a visão dos mesmos, que levam alguns golpes e batem contra a parede de pedra do portal de entrada e saída do lugar; estava nevando muito naquela noite. Então, poucos metros a frente, estavam os bosques brancos dos Alpes. Enquanto corre ziguezagueando entre o bosque alpino, o encapuzado joga uma bomba luminosa em direção à densa floresta nevada diante de si, revelando inúmeras pessoas na copa das árvores, que ficam atordoadas com o forte clarão, mas logo se recompõem e começam a disparar várias adagas e kunais, o forçando a se esconder detrás do tronco de uma das árvores, que logo fica repleta de objetos cortantes arremessáveis. Olhando pra cima, ele vê um dos ninjas descer tentando cortar sua jugular, mas outra vez ele desvia e tira uma adaga do quadril com a mão livre, a direita, perfurando seu agressor na região do estômago e o deixando ali agonizando. Seus perseguidores o estavam obrigando a se dirigir a um precipício, para o encurralar; em dado momento, ele se vê totalmente cercado por cerca de vinte homens.

- O que está carregando?
- Não é da sua conta.
- Ponha no chão, agora.
- E se eu não puser?
- Então vai morrer.

A pessoa obedece, e coloca o pano marrom e o que o enrolava no chão.

- Revele seu rosto.
- Está pedindo demais.
- Isso não é um pedido!

Então o assassino que falava com ele joga uma adaga em sua direção; ele consegue desviar, mas a adaga provoca um leve arranhão em seu rosto, afastando o capuz dele, e revelando um rapaz de cabelos negros presos num rabo de cavalo e olhos amendoados.

- Adjan...
- É... Fui descoberto.
- Maldito traidor, o que queria invadindo a propriedade do mestre?
- Não estou muito a fim de contar.
- Seu miserável! Se prepare pra morrer!

Adjan sorri, e antes de ser atacado, se joga do penhasco, sendo acompanhado por seus oponentes que o olhavam da beirada do precipício. Arqueiros aparecem para disparar, e logo uma saraivada de flechas é desferida, porém eles não tinham certeza se haviam atingido seu alvo.

- Se as flechas não o mataram, a queda certamente o fez. Agora vejamos o que ele estava tentando tanto proteger.

O assassino se aproxima do embrulho marrom, para descobrir que Adjan arriscou sua vida e provavelmente estava morto por causa de...

- Uma pedra? – diz outro assassino.

Nessa hora o assassino que falou com Adjan tira seu gorro; era um homem também de cabelos pretos, porém de cabelo curto. Ele aperta o gorro com força em seu punho, visivelmente irritado.

- Droga, o maldito era uma isca! Vamos voltar!

Ao chegar no esconderijo do poço de Lázaro, ele percebe que nada estava fora do normal, com exceção dos guardas caídos. O assassino cerra os punhos de frustração, sem entender nada, e ordenando uma equipe de busca que vasculhe o local; mas ao longe, uma figura também encapuzada, segurava o bebê ressuscitado nos braços, agasalhado com uma pele de animal correndo para longe dali.

Califórnia, 23 anos depois...

O céu californiano está nublado, avisando sobre a iminente chuva que poderia cair a qualquer momento; um rapaz de olhos amendoados, cabelos pretos partidos no meio até a altura dos ombros usando uma camiseta preta, uma blusa xadrez cinza por cima, calça jeans clara e tênis brancos, com uma bolsa cáqui a tiracolo está descendo as escadas do que parece ser uma pensão. Ele cruza a avenida movimentada e se dirige a uma loja de carros usados, tira umas chaves do bolso e se aproxima de um automóvel Maverick GT 1976 preto. Um homem de meia idade e cabelos grisalhos o cumprimenta.

- Bom dia Justin!
- Bom dia, senhor Daves!

Martin Daves, o cordial dono da loja de carros usados; foi dele que Justin comprou o Maverick. Desde então, fez amizade com ele e até conseguiu um local pra guardar o carro quando chegasse da faculdade. Nessa hora o celular do rapaz toca, com o refrão da música “Chasing Shadows”.

- Alô, mãe?
- Bom dia filho! Como está?
- Com muita pressa. – ele abre a porta do carro e entra enquanto conversa com a mãe.
- Tem dormido bem, escovado os dentes antes de dormir, lavado a roupa de baixo e parado de comer aquelas porcarias de fastfood?
- Mãe, já passei dessa fase tá bom? – Justin dá partida no carro que solta um bonito ronco.
- Justin, olhe como fala com a sua mãe! Cuidado nunca faz mal filho!
- Eu sei mãe, eu sei. Mas eu não tenho mais 9 anos de idade. Como dizem os caras da minha faixa etária: “já sou bem grandinho”. Falando nisso, como tá o papai? – Justin põe o celular no porta-celulares fixado no vidro acionando o viva-voz, engata a marcha ré e manobra o carro em direção à avenida movimentada. Bem acima dele, um ser flutuante observava o carro se afastar, o seguindo de longe. Dentro do carro a conversa prossegue.
- Ah filho, deve estar na academia bancando o Bruce Lee. Mas tem algo que nos preocupa muito Justin.
- É mesmo? E o que é?
- Você está há um ano de se formar e ainda não conseguiu uma moça decente filho! A vida não é só livros, videogame e RPG!
- Oh mãe, não começa tá? Eu tô dando um tempo com isso, até porque você sabe o que aconteceu da última vez que me envolvi com uma garota né, você sabe, a Deborah?
- Ah filho, esquece aquela abelhuda! Falo por experiência própria, tem coisas que acontecem com você que quando você menos espera, viram sua vida de pernas pro ar! Foi assim quando conheci seu pai!
- É, parece até aquelas novelas mexicanas, cheias de drama e sofrimento. – Justin sorri com sarcasmo.
- Justin MacGregor, não tire sarro da nossa história romântica!
Justin ri.
- Estou com saudades mãe...
- Eu também filho... Enfim... Tudo certo pra hoje à noite? Vou preparar aquele pernil que você adora!
- Contando as horas! Só de falar me dá água na boca.
- Então está combinado! Um beijo filho, boa aula.
- Até mais tarde mãe, te amo.

Justin desliga e prossegue até a faculdade; lá chegando estaciona o Maverick próximo da entrada, tirando o celular do suporte no para-brisa, mas quando ia sair do carro, alguém aparece e lhe impede de sair. Era uma garota ruiva de cabelos cacheados, que quase põe a cabeça dentro do carro de Justin.

- Olá Justin, bom dia!
- Olá Deb... – Justin responde secamente.
- Nossa, que humor terrível, o que aconteceu? Foi algo que eu fiz com você?
- Tecnicamente, não foi você, mas você não vai entender mesmo que eu explique. Posso sair do carro? Tipo assim, só se der.
- Ah! Desculpe. – a garota se afasta e Justin abre a porta do Maverick, subindo o vidro, e trancando o carro.
- Lamento não poder dar atenção a vocês, mas tenho aula agora, com licença.
- Vocês? De quem está falando, só estou eu aqui!
- Não, não está. – Justin muda levemente a direção dos olhos para a direita da garota, como se estivesse vendo mais alguém ali. – Agora se me dá licença...
- Nossa... Seu grosso...
- Tchau Deb. – o rapaz vira as costas e sai.
Justin segue para a aula de neuropsicologia; Ao seu lado se senta um rapaz loiro, de pele bronzeada, olhos verdes, e camiseta regata e calça cargo.
- Fala aí, membro perdido da família Winchester.
- Qualé Billy, não começa.
- Eu não tenho culpa se você gosta dessa parada paranormal e ocultista.
- Só que eu faço isso por HOBBY, isso é o mundo real, não a série de TV do Supernatural.
- Olha cara, você pode até ficar irritado, mas que é estranho você com toda essa sua parada de metafísica, isso é. Sam Winchester ficaria com inveja.
Justin sorri de forma sarcástica.
- Deveria ganhar a vida investigando fenômenos paranormais, ia ficar milionário Billy.
- Não sei se vejo isso como um elogio ou uma ironia.
- Use a imaginação.
- Bom dia classe!

O professor chega na sala de aula. Mike Stewart. Fugindo do arquétipo do professor CDF, Mike tinha uma aparência bem jovial, usava uma camisa cinza com um 32 estampado nela em preto, calça de sarja preta e tênis brancos. Enquanto prepara o datashow para sua aula, os dois amigos continuam conversando.

- E aí, como anda você e a Deb?
- Não tem mais eu e a Deb.
- Como assim? Tá bom, eu sei que ela é meio chatinha...
- E fútil...
- Mas ela é linda!
- Por fora.
- Como assim?
- Digamos que eu tenho uma boa intuição sobre pessoas que não são o que dizem ser.
- Sério...? E o que você diz sobre mim?

Justin pensa por alguns segundos, estreitando os olhos pro amigo, e responde:

- Se eu acreditasse em reencarnação, diria que você foi um monte zen-budista na sua vida passada, tem que me passar um pouco dessa sua tranquilidade.
- Tá me chamando de lerdo, seu mané? – Billy dá um soco de leve no ombro do amigo; os dois riem baixo.
A aula segue normalmente, até que chega a hora do intervalo; Então, na mesa do refeitório, enquanto conversa com Billy, Justin ouve uma voz vinda das cadeiras de trás.

- Aí, oh seu estranho!
Justin continua comendo seu almoço, sem dar importância.
- Eu tô falando com você, seu nerd idiota!
Justin suspira e para, respondendo sem se virar:
- O que você quer, Kurt?
- Com qual amigo imaginário anda falando ultimamente, seu panaca?
Alguns colegas de classe riem baixinho com a piada, mas Justin não se importa.
- Achei que você é quem bancasse o Allan Kardec, Kurt.
- O quê?

Justin ouve o barulho de uma cadeira arrastando no chão, como se alguém estivesse se levantando, e se vira pra se deparar com um rapaz mais ou menos da mesma idade dele, com a cabeça raspada, olhos pretos, um piercing no lábio inferior, muito musculoso, vestindo uma camisa do Avenged Sevenfold, calças jeans desbotadas e coturnos pretos; alguns alunos param pra assistir a cena, curiosos pra saber o que vai acontecer.

- Não faça piadas comigo seu imbecil.
Justin levanta calmamente e vai até ele, que aliás era muito maior e musculoso, o olha bem nos olhos e diz:
- Cuidado Kurt, você está indo por um caminho muito, muito perigoso, pode não haver volta pra você.
Kurt cerra os punhos.
- Tá me ameaçando seu merdinha?
- Não. – diz Justin calmamente – Só espero que saiba o que está fazendo, pois... – Justin olha um pouco mais acima como se visse algo acima de Kurt, olhando pra ele de volta – as  consequências não serão nada agradáveis, vai por mim.
- Ora seu...
O gongo toca, anunciando a hora de entrar na sala. Kurt tem um sobressalto, olhando outros jovens indo pra sala de aula, e quando olha pra onde Justin estava, vê ele se afastar sem lhe dar a menor confiança.
- Anda Billy, vamos.

O amigo de Justin o acompanha, com uma expressão confusa no rosto.

- Do que esse esquisito estava falando? O que ele sabe sobre mim? – Pensou Kurt.
- Se metendo com esse tipo de coisa, e eu sou o imbecil... – Justin pensa.

Enquanto caminham de volta pra classe, Billy pergunta:

- Cara, o que foi aquilo?
- Eu fui direto, só isso.
- Você não tem medo do Kurt?
- Lembra do que eu te falei mais cedo? Pois é, o Kurt é daquele tipo de pessoa.
- O que te faz pensar isso?
- A necessidade constante que ele tem de rebaixar alguém, ele faz isso pra descontar nos outros o que sente de si mesmo. Só espero que ele saiba no que está se metendo.
- Porquê? Tem alguma coisa  errada com ele?
- Sim, muito errada, mas não posso fazer muita coisa além de avisar sobre ...
Nessa hora Justin para.
- O que foi cara?
Justin olha pra trás por cima do ombro por alguns segundos.
- Billy...
- Sim?
- Já teve a sensação de estar sendo observado?
- Já... O que houve?
Justin olha um pouco ao redor, mas desiste de investigar.
- Nada, deixa pra lá.
- Você é estranho Justin.
- É a milionésima vez que você me diz isso.

Alguns metros atrás deles, uma figura que aparentava ser um homem careca observava de longe, escondida pela penumbra dos galhos de uma árvore proxima
- Você finge bem, moleque.

Os amigos voltam pra sala, pra mais uma aula, dessa vez de Psicologia Cognitiva. A professora, Carla Jenkins, era uma mulher com cara de tia solteirona mas bem maquiada, com cabelos castanho-avermelhados ondulados usando óculos de armação discreta e lentes retangulares, usando um vestido bordô apertado até a altura dos joelhos, que fazia alguns alunos homens mais olharem pras curvas da mulher do que a explanação dela. Billy gesticulou de maneira sugestiva pra Justin, que lhe lançou um olhar reprovador, fazendo o rapaz rir silenciosamente.

- E aí, o que sua intuição tá te dizendo?
- Que eu vou te dar uma bifa se não parar de insinuar que eu estou secando a professora como você.
- Justin MacGregor...
- Eh... Sim, professora Jenkins...

A professora se aproxima até ficar a um metro e meio do rapaz, enquanto outros alunos olham pra ele, e outros inspecionam a professora de alto a baixo pelas costas dela.

- Pode nos dizer quais são as duas formas de codificação e transferência de informação nos processos mnésicos?

A classe inteira fez silêncio, olhando o pobre rapaz. Mas a reação dele foi bem diferente do que a classe esperava.

- Sim professora Jenkins: Armazenamento de Curto Prazo e Armazenamento de Longo Prazo. Enquanto a memória de curto prazo parece ser principalmente auditiva, podendo também ocorrer alguma codificação semântica secundária, a maior parte das informações armazenadas na memória de longo prazo parece ser codificada principalmente de modo semântico.

A professora ergue uma sobrancelha.

- Hum... Muito bom, Justin...
- Obrigado professora.

A classe começou a murmurar algumas coisas sobre a resposta de Justin, e a professora retomou a aula. Nisso, Justin fuzilou Billy com os olhos, sussurrando:

- Da próxima vez vou pedir pra ela perguntar pra VOCÊ, ouviu? – E aponta o dedo inquisidor pro amigo, que fica claramente sem graça.
- Tá bom, foi mal.

A aula termina, e antes de sair, a professora diz:

- Justin, pode vir aqui por favor?

O rapaz acha estranho, mas atende a professora.

- Sim professora?
- Sua resposta foi muito boa! Que bom que é tão aplicado! Continue assim! E esse seu amigo?
- Ah, o Billy aqui? Não liga pra ele professora, ele só um clone mal feito do Tony Hawk.
Billy ergue uma sobrancelha. A professora solta uma risadinha discreta.
- Você deveria seguir o exemplo do Justin, só um conselho.
- Eh... Sim professora Jenkins.
Justin consulta o relógio na tela do celular.
- Caramba, tá na hora de irmos Billy!
- Pra onde?
- Ora, pro cine saco de lixo!
- Pro cine... Ah sim! O cine saco de lixo!
- O que é isso meninos?
- Uma coisa que a gente faz de vez em quando só eu e o Billy professora. Com licença.
- Ok... Até semana que vem meninos. – a mulher dá uma piscadela pros dois.

Já longe dela, Billy parecia assustado com a cena que presenciou.

- Justin, o que deu na professora Jenkins?
- Sei lá, acho que ela estava querendo elogiar minha fenomenal resposta de cunho científico.

Billy para.

- O que foi?
- O que foi? Fala pra mim que você não notou o que ela acabou de fazer!
- E... O que ela acabou de fazer?
- Cara... Não sei de onde você vem, mas pra mim isso é flertar.
Justin suspira.
- Você tem que parar de enxergar maldade em tudo meu mano, só porque ela é uma mulher de trinta e cinco anos, bonita, solteira e encalhada, não significa que ela vá dar em cima dos próprios alunos, ela não seria louca o bastante pra isso, ela não.
- Olha Justin, das duas uma: Ou é muita ingenuidade sua, ou você tem razão.
- Sim, eu tenho razão.
- Vem cá, e sobre o lance do “cine saco de lixo”...
- Aquilo sim foi uma desculpa, eu vou visitar os meus pais no interior, vou só arrumar minhas coisas e vou ainda hoje passar o fim de semana lá.
- Entendo... Mas o que seria... Isso?
- Bem, a gente se reúne pra assistir filmes bem porcarias só pra rir das produções mal feitas e passar o tempo. Nunca fez isso?
- Parando pra pensar, deve ser divertido.
- A gente marca lá no meu cafofo qualquer dia. Pede umas cinco pizzas e a gente passa a madrugada assistindo filme trash.
- Tá combinado mano. A gente se vê.
- Mando um torpedo carinhoso avisando que cheguei honey.
- Eu sou de outra vibe caso não saiba.

Segundos depois, os amigos riem e se abraçam.

- Até e semana que vem parceiro.
- Até.

Justin se dirige ao seu carro e guarda sua bolsa, quando recebe uma mensagem de Whatsapp. Era a professora Jenkins, o chamando para a Biblioteca, pois queria conversar com ele. A Biblioteca do campus era um prédio avulso, que ficava ao lado da reitoria; tinha uma grande porta dupla de mogno, ladeada por duas colunas gregas, que por sua vez, sustentavam um pequeno alpendre projetado para a frente. Enquanto se dirige ao local, ele aciona o gravador de voz do celular, colocando o aparelho no bolso, e desenhando uma cruz invisível na palma da mão direita. Ao chegar lá,  Justin abre a porta dupla de mogno, fechando a mesma atrás de si; então, do lado de fora da Biblioteca, um sigilo em forma de pentagrama surge na entrada, e Justin percebe que cruzou algum tipo de barreira. Lá entrando, ele encontra a professora sentada numa cadeira ao lado da grande mesa de leitura de vinte lugares, com suas pernas torneadas cruzadas.

- Olá Justin.
- Olá, professora.
- A aula terminou Justin, pode me chamar de Carla.
- Bem, aqui estou. O que deseja?
A professora descruza as pernas e se levanta, andando lentamente em direção a Justin.
- Estava curiosa pra saber mais sobre seus... Talentos.
- Estudo com você há quase meio ano, creio que saiba das minhas capacidades.
- Mas ainda assim, estou bem curiosa. Você inclusive falou de coisas que eu nem havia começado a explicar.
- Bem, eu leio bastante professora, e como não saio muito de casa, eu estudo as apostilas da faculdade.
- Entendo... Me diga Justin, já assistiu aquele filme “O lar das crianças peculiares”?

Justin começa a sentir que tem algo errado.

- Sim, assisti... Mas... Porque me chamou pra conversar aqui, na biblioteca, só nós dois? E o que esse filme tem a ver com você ter me chamado?
- Vai saber logo.
- O que significa isso?
- Vamos dizer que eu estou criando meu próprio “lar das crianças peculiares”, e percebi que você tem um talento maior do que decorar frases de livros cuja disciplina eu ainda não dei explicações, se é que me entende.

A professora se aproxima calma e lentamente, como se quisesse seduzir o rapaz.

- Senhorita Jenkins... Você tá me assustando...
- Oh... Não precisa ter medo, eu não vou te machucar, só se você for um menino muito malcriado.
- Olha, eu até entendo que você se sinta carente e tudo o mais, mas se quer alguma outra coisa, tá procurando a pessoa errada.

Justin se vira pra sair, mas um pentagrama aparece na porta que solta uma espécie de descarga elétrica negro-avermelhada quando Justin se aproxima da maçaneta; o rapaz olha pra janela da Biblioteca, e percebe que o exterior está preto e branco, não só as nuvens, mas tudo ao redor.

- Mas o que... Significa isso?
- É uma gaiola de espaço-tempo, não finja que não conhece.
- Uma gaiola de espaço-tempo... Mas que tipo de criatura é essa?
- Quero fazer uma proposta, Justin.
- Que seria?
- Que tal entrar pra minha linda família? Alguém com seu talento seria bem útil para aquilo que estamos planejando.
- Ok... Quem é você?

A professora ou quem quer que fosse ela, segura o queixo de Justin e aproxima seu roto do dele de forma sedutora e perigosa, quase o beijando.

- Deixarei os detalhes pra depois. Pro seu bem, una-se a mim sem oferecer resistência.
- E se eu recusar?
- Então terei que usar de medidas drásticas. E você não poderá sair daqui a menos que me derrote, mocinho.
- É sério...?

Seus rostos estavam a centímetros um do outro, mas quando ela jurava que Justin ia beijá-la, algo brilha logo abaixo dos dois, e a professora é jogada para trás com uma esfera de energia branca, que a faz deslizar pelo chão por uns seis metros.

- Então vou pagar pra ver.

A professora se apóia sobre os joelhos, com o cabelo escondendo seu rosto.

- Que seja...

Nessa hora uma aura negra fosforescente emana do corpo da professora, seus cabelos levantam como se estivessem flutuando, seus olhos ficam vermelhos como sangue, e suas feições assumem um aspecto demoníaco e um sorriso psicótico. Até a voz se alterou, pra algo mais espectral e sombrio.

- Eu não vou aceitar não como resposta, Justin MacGregor! Vai vir comigo querendo ou não!

A professora possessa começa a levitar, e garras espectrais surgem nas suas mãos, e pés espectrais estouram os sapatos de salto alto que ela usava. Ao seu redor esferas de energia negra aparecem, e são disparadas em direção a Justin, que começa a correr e saltar como um acrobata, desviando dos ataques do demônio.

- Não vai poder se esquivar pra sempre, rapazinho! Hahaha!

As rajadas de energia começam a atingir as prateleiras, espalhando pedaços de madeira quebrada e livros fumegantes por toda a parte. Fazendo pontos de apoio com uma espécie de símbolo místico antigo, que desapareciam quando outros eram criados, Justin começa a se movimentar em ziguezague, como que andando no ar; ele começa a fazer movimentos com as mãos como se fossem espadas, e uma série de lâminas de energia dourada são desferidas contra o demônio, que também desvia de alguns, mas é atingido por dois, um no ombro e outro no tórax, fazendo uma espécie de corte transversal que queima a pele do ser demoníaco, que grita de dor e raiva.

- AHHHHHHHHHHHH! SEU VERMEZINHO NOJENTO!!! SE EU NÃO TIVESSE QUE LEVAR VOCÊ VIVO, EU ARRANCARIA SUAS TRIPAS AGORA!

Apoiado em uma plataforma de energia dourada, Justin diz:

- Então eu tenho um fã-clube, é? A entidade deve ser bem poderosa pra mandar alguém do seu tipo me pegar!
- Eu vou levar você, seu fedelho, nem que seja DESMEMBRADO!
- Quero te ver tentar.

O demônio avança em direção a Justin, que pula de sua plataforma de energia com um salto mortal e cai em cima da mesa. Então ele e o demônio começam a trocar golpes, que Justin defende muito bem, como se fosse um habilidoso artista marcial, inclusive acertando alguns golpes na oponente, fazendo uma finta por trás dela e se abaixando para não receber o contragolpe giratório dela, acertando uma explosão de energia dourada a queima roupa no demônio, que urra de dor sendo jogado para trás e batendo na parede; mas rapidamente a mesma se recompõe, e em dado momento da troca de golpes recomeça, e Justin acaba sendo atingido por um arranhão no peito e arremessado por um soco poderoso da criatura infernal, batendo contra uma estante de livros de forma violenta. O demônio parecia contente, dando um sorriso sádico ao rapaz caído

- HAHAHAHA! Eu achei que seria mais difícil, já que me disseram que você era poderoso! Mas estou bem desapontada!

Justin sorri e olha pro demônio com um filete de sangue saindo do canto da boca.

- Isso foi tudo? Eu já lutei com demônios melhores.
- O QUE DISSE, SEU MONTE DE EXCREMENTO!? VOU TRUCIDAR VOCÊ!

O demônio dispara um feixe de energia concentrado contra Justin, que conjura um campo de força, mas estava sendo pressionado pela oponente, que já se sentia triunfante. Então ele concentra energia na mão esquerda, a estendendo para a frente. O demônio achava que ele estava se defendendo, mas quando ele puxa a mão fechada para trás, ela percebeu tarde demais que ele estava puxando uma estátua na sua direção, a atingindo em cheio, e a mandando diretamente até Justin, que toca em sua testa com a mão direita, onde desenhou uma cruz invisível que se revela uma cruz dourada de pura energia, queimando a testa do demônio que começa a fumegar e sibilar, enquanto ela se debate em agonia, tendo seu rosto agarrado pela mão de Justin, que a mantém pendurada, enquanto cuspia sangue, e limpava a boca com o dorso da mão livre.

- Vai me desculpando, mas eu já tive minha cota de demônios hoje, senhorita endiabrada! Agora diga, quem mandou você?
- Eu... Não posso dizer!
Justin aperta a cabeça do demônio com mais força, o que a faz gritar ainda mais.
- FALA LOGO SUA MALDITA! QUEM... MANDOU... VOCÊ!?
- Mesmo que eu diga, não fará diferença, você não poderá combatê-lo!
- Então você é inútil.

Nessa hora Justin começa a recitar palavras em latim:

- Expulsurus sum vobis...
- NÃO! PARE! PARE!
- ... spiritus tenebrarum...
- NÃO FAÇA ISSO! ELE VAI ME FULMINAR!
- ... relinquunt corpore non est tuum...
- PARE! EU IMPLORO!
- Então fale quem mandou você, demônio miserável!
- EU... NÃO POSSO!
- ... et ordine quo...
- NÃO, POR FAVOR, NÃO!
- ... venerunt ad abyssos!
- AAAAAARRRRGH!

Uma luz forte emana do corpo da professora, e em seguida uma fumaça negra sai do corpo dela, e se desfaz no ar, enquanto a professora volta ao normal inconsciente, caindo nos braços de Justin, que a põe delicadamente no chão. Ele suspira de alívio e cansaço.

- Você vai ficar bem senhorita Jenkins.

Justin olha em volta, e vê a bagunça que o local ficou.

- Mas que droga... O demônio me trouxe pra cá de propósito...

Justin olha pela janela, e tudo parecia normal; para sua sorte, começou a chover, ele pausa a gravação do celular, limpa o sangue do arranhão como pode, veste a camiseta preta ao contrário para esconder a parte rasgada e abotoa sua camisa xadrez. Ele olha por uma pequena fresta na porta da Biblioteca se alguém estava passando; barra limpa. Ele pega um aplicativo de modificação de voz, grava um pedido de emergência com uma voz diferente e liga para o 911 do celular da professora, que por sorte estava ali, usando a voz gravada, e solicitando uma ambulância na Biblioteca da Universidade, tentando sair da forma mais discreta e natural possível. Ao entrar no carro, a chuva começa a engrossar, e Justin ofega, devido ao cansaço da luta que travou; e então antes de dar a partida no carro, ele ajusta o retrovisor interno do para-brisa e dispara a pergunta:

- Comece a se explicar. Porque está me seguindo?

Uma figura careca e pálida de roupas vermelhas estava no banco de trás do seu automóvel.

- E aí moleque...

Era ninguém menos que Dead Man.

EXILEDWhere stories live. Discover now