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Amoras, boa noite!!!! ♥️

Mais um pouquinho do Es para vocês 😍

Votem e comentem, gente!
Preciso do incentivo de vocês ♥️

°°

Se não fossem os danos, não seria eu!”
(Clarice Falcão)

PERLLA

Acordo com os passarinhos assoviando nos galhos da árvore ao lado na minha janela. Fico alguns minutos fitando o teto, decidindo se levanto ou continuo apenas existindo. Uma batida na porta é o sinal de que não posso fugir da vida.
Meu pai entra sorrindo no meu quarto, com a bandeja nas mãos. O nosso ritual das manhãs de sábado. Ele já está com o uniforme da empresa, na camiseta azul-escura destaca o slogan: Stouts Serviços. Adriaan é o mecânico mais procurado da região e das cidades vizinhas muitas das vezes. Por isso que não pôde ir me buscar no aeroporto ontem, estava arrumando duas máquinas que estragaram na fazenda dos Magalhães.
— Bom dia, para a flor mais linda do meu jardim. — Deixa a bandeja em cima da escrivaninha e vem sentar-se ao meu lado.
— Bom dia, pai. — Seus braços me apertam com força, Deus sabe o quanto sinto falta desses momentos.
Ele foi me visitar duas vezes desde que me mudei, eram os melhores quinze dias da minha vida.
— Como está, bebê? — Antigamente eu não gostava muito do apelido, era coisa de adolescente que queria ser tratada como adulta. Hoje, amo o termo carinhoso.
— Bem, estava com saudades — falo ainda envolvida no abraço.
Um beijo fraternal é deixado na minha cabeça.
— Você não imagina eu, filha.
Meu pai é um homem incrível, não digo isso por admiração de filha. Adriaan sofreu horrores pela minha mãe, que o abandonou com uma menininha de dois meses, para ir viver seu sonho de ser backing vocal. Sabemos que ela conseguiu, pois vive aparecendo em vários shows pelo mundo, e sabemos também que não se arrependeu de nos ter abandonado. Ele a amava, não foi fácil se reerguer.
— Que horas chegou ontem? — Eu tentei ficar acordada para esperá-lo, mas acabei perdendo para o cansaço.
— Perto das duas da madrugada. — Coloca o café da manhã que preparou, na minha frente. Há um ciclame rosa ali, plantado dentro de um pequeno vaso decorado.
Sorrio para a fofura que é meu pai. Eu amo essa flor diferente. Com uma delicadeza exótica, suas pétalas são invertidas, parecem borboletas.
— Seja bem-vinda, bebê.
— Obrigada, pai.
Comemos juntos, conversamos, rimos. Precisava disso para aliviar as inseguranças de andar pela cidade. Estava com medo de ser linchada pelas senhoras e moças defensoras do Esdras. Essas devem querer minha cabeça por ter abandonado o melhor partido de Versales. Ou não, de repente até me agradeçam por deixar o caminho livre. Bando de oferecidas!
— Falou com Es? — Lá vamos ao tema.
— Ele foi me buscar, dona Ane deu um jeito de organizar a proeza.
Continuo bebericando meu café com creme, receita dos deuses que minha avó prepara, tentando não dar corda para o assunto.
— Sabe que ele merece uma explicação, não sabe, filha?
Que explicação? Acredito que nenhuma das minhas verdades irão convencê-lo de que agi certo.
— Esdras não entende, pai. — Olho para a minha cópia masculina, a única coisa que puxei da minha mãe foi os olhos escuros, meu pai tem olhos verdes lindos.
— Nem eu entendo, Ella. Imagina o coitado que foi boicotado.
Mordo o lábio envergonhada por ter sido uma cadela. Percebendo meu martírio, meu pai ri.
— Ok, chega de torturá-la. Vou deixar esse papel para a sua vó.
— Pai!
Ele gargalha, beija minha bochecha e se levanta.
— Preciso ir, tenho que buscar umas peças. Levante-se daí, bebê. O dia está lindo. Você tem muitas coisas e pessoas para ver. — Pega a bandeja, piscando antes de sair.
Solto o ar numa lufada, arrastando-me para o chuveiro. Não adianta de nada fugir, vou passar sessenta dias aqui, não posso ficar enclausurada em casa. Até porque minha avó não deixaria. Não sei como a sem-vergonha não veio me arrancar da cama cedo.
Como está quente, coloco um short jeans e uma T-shirt branca escrito Sono Caldo em preto. Presente dos dois amigos que fiz na Itália: Bianca e Pietro, dois malucos de carteirinha que me ajudaram muito quando cheguei lá. Ambos trabalham no restaurante. Pietro é garçom, gay e um gato. Bia é hostess, baladeira e uma bela visão para os ricaços que frequentam o Dilemma. Enfio o chinelo nos pés, não sou obrigada a prender meus dedinhos, e desço.
Procuro vovó por todo canto, encontro-a mexendo na horta, me dói perceber seu esforço para tarefas simples, mesmo assim ela não sossega. Com seus oitenta e dois anos, dona Ane é um exemplo de boa vontade. Infelizmente, a idade começou a cobrar seu preço, é visível.
— Bom dia, vozinha. — Paro na cerca que protege suas saladas.
— Oi, dochter. — Vem mais perto para que eu beije seu rosto. — Dormiu bem?
— Dormi sim.
Tira as luvas de borracha.
— Vai sair um pouco? — pergunta indo até o tanque lavar a pazinha suja de terra.
— Vou ver a Carol, ela mandou umas dez mensagens já.
Ana Carolina é minha melhor amiga de infância. A distância não interferiu na nossa amizade, acho que ela foi a única que entendeu minha decisão de partir.
— Você pode passar na lanchonete, bebê? Preciso comer um pastel de palmito, senão as bichas vão atacar.
— Pode ser na lanchonete do posto de gasolina? — inquiro esperançosa, ela não pode ser traiçoeira a esse ponto.
— Não, tem que ser o pastel do Es! — rebate chorosa.
Sério isso? Uma senhora dessas fazendo drama forçado? Fico encucada com o pedido. Ela está aprontando.
— Não acho uma bo...
— Perlla Stouts, faça a vontade da sua vó!
Contrariada por completo, acabo dizendo que trago o bendito pastel. Vou fazer Carol ir buscar. Dou tchau e sigo para a minha primeira visita. As ruas de paralelepípedo continuam as mesmas. Vejo que há novos comércios e que o povo não se esqueceu de quem sou, porque a cada cinco passos é um “oi, Ella” que escuto. Versales parece cidade de filme. Tudo organizado, árvores verdinhas, sem lixo na rua, tem um clima gostoso. Ando duas quadras, viro à direita, mais duas quadras e chego à casa da Carol. Grito seu nome, ela aparece em poucos segundos, ainda de pijama.
— Não acredito que você voltou, ingrata! — Corre abrir o portão e me esmaga num abraço. — Minha vontade é dar na sua cara por ter me largado, mas vou aliviar porque estou feliz por ter voltado.
Sorrio.
— Não foi me visitar porque não quis, senhorita.
Além do meu pai e da minha avó, mantive contato com a Carol. Conversas longas, noites de choro, conselhos. Eu amo essa garota.
— Rá, não fui porque o marido morre se eu ficar longe! — resmunga.
Carol é como eu: namorou desde a escola e se casou aos vinte e três. A diferença entre a gente é que não cheguei ao casamento. Murilo, seu marido, é um amor, apaixonado pela esposa e... melhor amigo de Esdras.
Cidade pequena, problemas maiores.
Entramos de mãos dadas. Sua casa é uma graça. Tudo moderno, de bom gosto, cores neutras intercalando com algumas paredes chamativas. Murilo está na cozinha lavando louça.
— Olha quem está aqui, amor! — cantarola animada.
— Ella, até que enfim apareceu — diz, desligando a torneira.
Não percebo sarcasmo na sua frase, contudo, acredito na sua decepção comigo. Foi ele que consolou o amigo. Carol me contou como Esdras ficou mal com o término repentino.
— É bom voltar — afirmo, mesmo não sabendo se é verdade.
Para ser sincera, é estranho. Não sei como me portar mais com as pessoas que cresci junto. Talvez isso seja remorso pelo que fiz ou apenas a mudança que os anos causaram em cada um.

Minhas teorias, suas verdades (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now