Perseguição

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Estão me perseguindo, eu sei que estão me perseguindo, não vejo, não ouço, não sinto nenhum odor estranho, mas sinto dentro de mim que estão me perseguindo.
Deverei contar a vocês como esse dia chegou até esse ponto? Devo ou não? Tem certeza? Pois bem! Me acompanhem por sua conta e risco.
A minha manhã começou mais ou menos como sempre começa. Despertador, soneca, banho frio, café preto. Nem sempre nessa mesma ordem e as vezes com o despertador delicadamente arremessado na parede.
Quando saí de casa é que a parada começou a desandar. No elevador, desci acompanhado pro térreo com a mulher mais linda que jamais havia visto. Um sorriso se esboçou na minha cara ao pensar que poderia ser vizinha nova.
Saí de casa e um pus a caminhar para o ponto de ônibus, no meio do caminho um engravatado esbarra violentamente em mim, e eu caio. Quando já estou no chão, o colarinho branco grita na minha direção: “Não desvie, não pense, não pisque, eles estão a olhar”. Cara maluco! Odeio esses riquinhos investidores.
Levantei propenso a dar uma porrada na cara dele. A sorte, dele obviamente, é que o cidadão já tinha voltado a seu caminho e sumido na esquina próxima.
Terminei o caminho até o ponto e escorei em um poste pra esperar a chega do ônibus. O aplicativo dizia 5min, mas ônibus no Brasil atrasa mais que atendimento de médico a plano de saúde.
Entrei e consegui milagrosamente me sentar, lá no assento do meio do banco do fundo. Aquele aperto que só quem já passou por isso sente. E foi nessa hora que a coisa começou a ficar estranha.
Comecei subitamente do nada a sentir olhos grudados em mim. Pensei que alguém do ônibus estava me encara pois já acontecera antes, levantei a cabeça procurando quem era, mas ninguém tinha a atenção em mim.
Quando tive essa certeza, uma ansiedade misturada a um inexplicável senso de urgência se apoderou de mim. Comecei a suar frio como se aquela estranha sensação fosse portadora de algo muito ruim que iria me acontecer.
No meio dos meus devaneios paranoicos, o ônibus parou em frente ao ponto do prédio onde fica o meu escritório para alguém descer, aproveitei a deixa e saltei também. Tentava me acalmar pois já bastava ser mal remunerado e ter um chefe chato, não precisava dessas paranoias para me atrapalhar no trampo.
Passei pela guarita de segurança com o coração na boca e os ouvidos zunindo com a crescente tensão. A sufocante sensação de algo me observando continuou do ponto de ônibus até aqui.
Quando pisei para dentro do prédio, a sensação sumiu totalmente e me senti seguro depois de quase uma hora e meia quase infartando. Meu pulmão respirou tranquilamente pela primeira vez desde que entrei no coletivo. Como era bom respirar fundo.
Me dirigi ao meu cubículo onde trabalho com técnico de segurança digital de uma empresa que vende software para empresas da área de finanças, de bancos até corretora de investimentos. Você que está lendo pode até pensar: nossa que legal! Mas é muito chato. São trabalhos repetitivos de encontrar erro e consertar. Encontrar, consertar. Encontrar, ver um corvo me olhando pela janela?! Consertar.
E assim o dia passou sem nada mais acontecer. Po mas e o almoço? Assalariado que tem medo de ser demitido come na própria mesa em 15min. E pessoas no meu cargo sempre tem medo de serem demitidas.
Estou no trabalho, 17h, fim do expediente. Desço o elevador do escritório onde trabalho, saio do prédio e paro no ponto onde sempre tomo o ônibus. E de repente ali está, aquela sensação, estão atrás de mim. Sorte que meu ônibus chegou, entro correndo, passo a catraca e me espremo lá no fundo, sentar é impossível.
O tempo todo nas 2hrs de viajem sinto um par de olhos em minha nuca, tenta olhar ao redor para descobrir quem é, mas a multidão que me prende não me deixa nem respirar confortavelmente, quanto mais virar para trás. E a sensação continua, quero sair, quero me jogar da janela do ônibus em movimento.
Vejo lá na esquina o ponto em que preciso descer, aperto o botão para sinalizar o meu desejo de parar ao motorista, me espremo no meio daquela lata de sardinha e disparo correndo para casa. Nem me permito olhar para os lados, porque eu sei que estão ali, eles estão me perseguindo.
Giro a chave e destranco a porta com uma agilidade que nem sabia que eu tinha. Entro em casa, fecho e tranco a porta. Exausto, me encosto na porta e deslizo pesadamente para o chão. Respiro profundamente tentando me acalmar.
Depois de passada a tensão, consigo me levantar e decido tomar um banho. Moro sozinho, por isso posso me demorar alguns minutos a mais embaixo da água quente relaxando os músculos tensos.
Saio do banheiro, estico a mão para pegar a toalha e não está lá, “devo ter me esquecido de pegar”. Saio molhando um pouco o corredor até o quarto. Pego uma toalha limpa, me visto e vou pra cozinha comer alguma coisa.
Só então reparo que após horas com aquela sensação de estar constantemente sendo vigiado, estou tranquilo e em paz.
Após jantar o macarrão a bolonhesa requentado de ontem, deito na cama e durmo, sem olhar celular ou notebook. Só queria fechar os olhos e esquecer o que de estranho havia ocorrido naqueles dias.
To sentindo sufocado, tento me mexer, mas não consigo, tento respirar, mas não me lembro como se faz isso, consigo movimentar os olhos e percebo que ainda estou no meu quarto, também percebo meu corpo tranquilamente dormindo abaixo de mim. MEU CORPO! NA MINHA CAMA! ABAIXO DE MIM! QUE PORRA TA ACONTECENDO?!
Tento me acalmar, tento respirar profundamente, mas continuo sem saber como fazer isso, olho em volta o tanto que posso tentando encontrar um ponto que me faça recobrar o raciocínio quando alguma coisa abre a porta do meu quarto, e apago novamente.
Acordo suando frio, gritando e com a mão na garganta, ouço um dos vizinhos me xingando, ta mandando eu calar a minha boca. “Estou bem, obrigado por perguntar” passa pela minha cabeça, mas não falo nada.
Sento na cama e a lembrança do sonho que a pouco tive retorna a minha mente se misturando a terrível sensação de observação que retorno mesmo eu estando dentro de casa.
Levanto da cama e saio correndo pra fora de casa, na adrenalina recuso o elevador e desço correndo, pulando e tropeçando escada abaixo. Empurro esbaforido a porta do prédio e continuo a correr. Precisava fugir, mas do quê? Me refugiar em um lugar seguro, mas onde?
Quando lembro do único lugar em que havia me sentido seguro naquele terrível dia, o prédio onde trabalho. Não há ônibus àquela hora da madrugada e voltar para casa não é algo que passa pela minha cabeça.
Me mantenho em movimento pois o medo constante de algum mal que vai me acontecer não me permite parar. Continuo correndo, e correndo, e correndo, dessa vez na direção do escritório. Precisava fazer alguma coisa senão morreria.
Estão me perseguindo, eu sei que estão me perseguindo, não vejo, não ouço, não sinto nenhum odor estranho, mas sinto dentro de mim que estão me perseguindo.
Com a cabeça latejando de tensão, sinto olhares por todo lado, cada cachorro que uiva, cada folha que se mexe cada buzina na rua me assusta. Forço as mãos em torno da cabeça, fecho os olhos e começo a gritar enquanto lágrimas rolam por minha face, não estou mais aguentando.
Sinto uma crescente luminosidade invadindo minhas pálpebras, abro os olhos e vejo a luz vindo sobre mim, tão graciosa, tão convidativa, tiro as mãos dos ouvidos e escuto uma... buzina?!
Cinco segundos depois meu corpo mortal jazia ensanguentado e esmagado no asfalto. Fui atropelado por um caminhão. Assim findou minha existência terrena.
Escrevo para vocês para que tomem cuidado com qualquer coisa estranha pois pode ser mortal. Quanto ao que estava me perseguindo e me levou a tal destino? Ainda não sei o que são, mas prometo que irei descobrir nem que leve a eternidade.

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⏰ Last updated: Jul 13, 2020 ⏰

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