Parte 1

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Eu tenho uma grande paixão. Não é nenhuma paixão secreta, eu faço questão de declará-la em alto e bom tom. 

Eu amo conforto.

Adoro jeans e camisetas. Venero tênis. Nada de saltos. Nada de roupas muito elaboradas. Nem chego perto de boates apinhadas de gente, onde não há lugar para sentar e bêbados sussurram cantadas em seus ouvidos. Também odeio ônibus, mas esta questão ainda está fora do meu alcance. Assim que eu puder, arrumo um carro e aproveito mais ainda meu amado conforto.

Não sou fresca. Sou prática.

Em minha lista de desconfortos a serem evitados há um tópico que ganha de ônibus e saltos com facilidade. Relacionamentos. De modo geral, não evito todos os tipos de relacionamentos. Não sou anti-social. Não totalmente, de qualquer forma. Tenho um número razoável de amigos e me dou bem com minha família. Em minha visão, são os relacionamentos amorosos os principais causadores de desconforto.

Sentimentos são desconfortáveis. A forma como as pessoas perdem o foco e a racionalidade quando se apaixonam é apavorante. Estou bem com a minha racionalidade, obrigada. Não quero ter de tentar agradar alguém, deixar meus anseios de lado para proporcionar a felicidade alheia. E isso com que objetivo? Não faço ideia.

Com meus jeans surrados e allstar, me limito a observar os relacionamentos de dentro da minha zona de conforto. Acho engraçado o ritual do flerte, o modo como as pessoas fingem ser outras, mais agradáveis e simpáticas, para se encaixar nas idealizações amorosas. Não sou extremamente simpática. E dá muito trabalho tentar ser. 

Acontece, porém, que comecei a me divertir com as observações. É impressionante como a maioria das pessoas é previsível. Depois de alguns anos observando, você aprende algumas coisas sobre comportamentos. Você acaba decorando gestos e elaborando facilmente o perfil das pessoas apenas prestando atenção em seu jeito de se vestir, falar, andar, olhar, respirar até. Eu já posso prever um novo casal se formando ao ver apenas uma troca de olhares.

E depois de dizer isso tudo, você vai entender o porquê eu fui tão burra ao fazer o que fiz. Normalmente eu ficaria quieta. Eu deveria ter ficado confortavelmente sentada, em silêncio. Meu primeiro grande erro foi abrir minha boca. 

Uma simples frase e toda minha filosofia de vida baseada no conforto começou a ruir.

- Ela não está tão a fim de você. - foram as palavras que saltaram dos meus lábios e iniciaram toda a confusão que se seguiu na minha vida.

- O que você disse? - os olhos do menino pousaram em mim como se notasse apenas agora a minha presença.

Bom, possivelmente ele só havia notado agora mesmo.

- Laura. - expliquei - Ela não está correspondendo às suas investidas.

Mais cedo, na escola, eu não pude deixar de notar que Lucca conversava com minha amiga Laura. Peito estufado, sorriso torto. Indícios claros de interesse. Ela, por outro lado, manteve os braços cruzados e, em nenhum momento, mexeu nos cabelos ou umedeceu os lábios. Ao final da conversa, enquanto Lucca saiu com uma expressão vencedora, Laura limitou-se a rolar os olhos de modo discreto.

- Sua postura deveria ser menos arrogante, você está fazendo tudo errado. - me ouvi dizendo ao garoto.

- Você está querendo dizer... - Lucca pareceu sem graça - Ana, eu não estava dando em cima da Laura.

- Claro, como queira. - dei de ombros e me levantei do banco, notando que meu ônibus se aproximava do ponto.

Até alguns anos atrás era costume esperar pelo ônibus ao lado de Lucca e Laura, meus vizinhos e melhores amigos na época. Com o passar do tempo, porém, começamos a nos afastar. Laura continuou a ser minha melhor amiga, mas Lucca e eu não nos falávamos mais. Não sei quando isso aconteceu. Só sei que em algum momento da minha adolescência eu acordei e meu melhor amigo não estava mais lá. Me recordo quando tentei, pelas últimas vezes, me reaproximar dele. Ligava, mas ele nunca estava em casa, sempre com uma garota, uma nova namorada. Por fim, desisti. Deixei que a vida seguisse seu rumo e, com uma apatia confortável, assisti nosso distanciamento.

Ela Não Está Tão A Fim De Você (Amostra) - DISPONÍVEL NA AMAZONМесто, где живут истории. Откройте их для себя