Quando eu era professor na Escola Rainha Elisabeth Para Meninas

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Sei que muitos dos que lerão estas páginas nunca irão acreditar o que nelas ora escrevo. Há tempos idos, talvez nem mesmo eu, que vim de uma família repleta de mulheres com poderes intuitivos deveras pronunciados – pareciam saber a data do desenlace de parentes próximos com precisão quase bizarra – não acreditaria. Talvez, por que as experiências pelas quais passei em alguns momentos beirem o absurdo. Ou, talvez, por que muitos acreditem que desta forma busco escapar da condenação que sob meus ombros pesa.

Eram 4:00 horas de uma manhã fria de julho quando saí de minha pequena aldeia, rumo a meu primeiro trabalho como professor. Substituto, não titular, mas mesmo assim professor. O orgulho enchia-me o semblante pela conquista alcançada. Filho mais novo de pais agricultores, seria o único que conseguira graduar-se. E não para exercer qualquer profissão; seria um mestre! Teria o poder de influenciar jovens mentes que estivessem sob minha tutela, e lhes trazer conhecimento.

Além disso, eu também não lecionaria em qualquer escola. Eu estava me dirigindo, dentro de uma espécie maltrapilha de carruagem feita às pressas com a antiga carroça de minha família, para a Escola Rainha Elizabeth Para Meninas, a mais conceituada da região. Claro, eu sabia que não seria uma inserção fácil. Afora o diretor, o jardineiro e o vigia noturno, todo o restante das pessoas que compunham a escola eram do sexo feminino.

Assim, era com entusiasmo, mas também com um pouco de receio que eu me dirigia à Escola Rainha Elizabeth, como substituto da professora de literatura, que havia entrado em licença médica – esperava eu que de forma permanente. Não me entendam mal. Não desejava nada de ruim a tal senhora. Mas ela já era um tanto idosa, e uma colocação como aquela era muito difícil de conseguir. Afinal, a escola funcionava em regime de internato e, afora o salário, fornecia aos professores acomodações e refeições que eram em muito superiores à realidade da qual eu provinha.

Não que eu esteja reclamando. De forma alguma. Recebi de minha família todo o carinho e amor necessários ao meu crescimento e amadurecimento como ser humano, e quanto às questões materiais... Bom, não era fácil alimentar sete filhos, mais minha avó e duas tias. Éramos eu e mais seis irmãs então, sim, eu sabia muito bem o que era ficar rodeado de mulheres. Logo, eu acreditava que conseguiria lidar de forma satisfatória com as outras 10 professoras e as 337 alunas da escola, meninas com idades entre 05 e 14 anos.

Apesar de que devo confessar que, há época – não que muito tempo se tenha passado, mas diversas coisas aconteceram – eu era nada mais do que um garoto. No auge de meus 24 anos, em minha imaginação acreditava-me capaz de quase tudo, desde que tivesse perseverança, paciência, foco e determinação. Hoje sei muito bem que eu estava enganado. Mas isso vocês fatidicamente perceberão no decorrer deste relato.

Quando estava por chegar, no que seria meu primeiro dia na Escola Rainha Elizabeth, o sol estava surgindo por detrás das colinas, o que me proporcionou vislumbre magnífico e, ao mesmo tempo, aterrador do local onde, por contrato, passaria o resto do ano. A estrutura nada mais era do que um casarão construído em estilo Vitoriano, com características góticas e um uso nada econômico de vidro e ferro em suas aberturas. Como eu saberia mais tarde, a construção toda era um quadrado perfeito formado pelos corredores e salas, mantendo em seu interior um jardim e espaço para atividades lúdicas das alunas, e que só podia ser acessado entrando-se no prédio.

Dentre os vários boatos acerca da escola, havia o de que o engenheiro se equivocara no momento de realizar suas medições visto que, em momentos posteriores, várias delas se mostraram divergentes e insatisfatórias, ora mostrando metros e metros a mais de estrutura, ora os suprimindo, como se o prédio possuísse o poder de expandir e encolher. Ao final, eram só meios de espalhar mais inquietações entre as meninas, principalmente as menores, a respeito de passagens secretas e nichos escondidos. Mas esse era, acreditava eu, o resultado de confinar mais de 300 meninas naquela casa imensa por meses e meses, sem poder estar junto de seus entes queridos. Claro que surgiriam boatos de fantasmas. Não são esses os modernos “bicho-papão” da tenra infância?

Sangue na Lua e outros contosWhere stories live. Discover now