Um passo para frente e dois para trás

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— Como eu te disse antes, nós somos a mistura de muita gente e de ninguém. Eu sou o emaranhado das pessoas que eu mais admirei na vida. Mas ao mesmo tempo eu não sou elas, sou eu. A mudança é sútil, porque ao mesmo tempo em que você tem uma teoria de quem eu seja, você também não faz a mínima ideia.

— Você deve se divertir com isso.

— Para ser sincero, eu me divirto. Você é uma pessoa até engraçada, Harry, eu não me lembrava de ser assim.

— Assim como? Um adolescente catarrento que vive se fodendo? — Harry perguntou, falando sério. Mas a voz riu mesmo assim.

— Essa parte, também. Mas estou falando que você é uma pessoa intensa. Isso te faz parecer um pouco burro, de vez em quando, mas também é bom. Existem poucas coisas realmente boas na sua vida, ultimamente.

Mais silêncio ainda. Harry queria perguntar muitas coisas, principalmente sobre o fato de ele estar sentado em uma cadeira no meio da floresta, mas algo o impulsionou a fazer a conversa continuar da maneira que havia começado.

— Você estava dizendo que estou diferente. — Era horrível chamar a voz de "Você", como se não fosse nada. Mas a pessoa com quem Harry falava não tinha um nome, ou não queria dizê-lo, então não haviam muitas opções.

— Veja bem, você está sentindo algo que eu nunca senti antes. Então, quando entro em sua mente, eu me perco. Existem as emoções básicas, como o medo e a raiva, que todos os seres humanos já sentiram alguma vez e que é sentido pelas pessoas mais ou menos da mesma maneira. Então, quando entro em sua mente, consigo entender esses seus sentimentos, pois eu já os vivenciei. — Suspirou. — Mas existem os sentimentos complexos. Como a inveja, o ódio e o amor. Esses podem ser vividos por sete bilhões de pessoas, e cada uma os sentirá de uma maneira diferente. Se esse é seu caso, não vou saber interpretar. Porque é algo unicamente seu. Por isso não consigo identificar o seu problema.

— Problema? Eu tenho um problema? — Harry tentou parecer ofendido, mas não conseguiu. Passou a mão pelos cabelos.

— Eu diria que você é o problema.

— Que gentileza.

— Disponha.

— Então você é uma voz que aparece em meus sonhos me falando frases desconexas como se estivéssemos brincando de decifrar enigmas, sabe o que se passa dentro da minha cabeça e o problema ainda sou eu? — A ironia estava estampada em seu rosto naquele momento. Chegava a ser ridículo como sua vida não se encaixava de uma hora para a outra. Estava tudo tão confuso, e aquela voz que dizia tanto querer ajudá-lo, só piorava tudo.

— Harry, eu queria tanto poder te dizer a verdade agora.

— Então diga.— Harry se encheu de esperança. Precisava de respostas, de qualquer coisa. Mas sua resposta não veio, sendo substituída por um silêncio eufórico.

Harry achou que a voz havia o abandonado quando ela voltou a falar.

— O que eu posso te dizer é que, ironicamente, mesmo comigo fazendo tudo isso, o problema ainda é você.

— Há alguma forma de resolver esse tal problema? — Harry perguntou, cheio de raiva.

— É por isso que estamos aqui. A cadeira é para que você não caia durante o processo.

— Processo...?

— Vamos fazer um teste. — A voz começou. — Eu posso ver sua mente, suas memórias. É tudo bem embaçado e difuso, as lembranças não aparecem de maneira linear, então pode não dar em nada, mas temos de tentar. Talvez eu não possa entender seus sentimentos, mas saber o que os traz a tona. Os sentimentos são como parte da pele. Estamos envoltos nele o tempo todo e, as vezes, eles nos sufocam ou criam tantas camadas ao redor de nossos corpos que nos tornamos pessoas difíceis de lidar.

O Garoto Que Foi Esquecido • DrarryOnde as histórias ganham vida. Descobre agora